O homem, em situação de vulnerabilidade, tem 53 anos e mora em barraco em terreno ocupado
Com 53 anos de idade, o artista de rua Jesus Nilton já teve o próprio calvário de falta de trabalho. Hoje, tem um compromisso, que está longe de ser uma crucificação. Ele trabalha com artes plásticas e pinta com a tinta, que compra com sacrifício ou recebe como doação, telas em madeirite ou outros materiais recicláveis. Ele faz a venda pelas ruas de Águas Claras com seu carrinho de supermercado abarrotado de pinturas feitas por suas mãos talentosas. Entre os pontos de venda, está a porta de uma padaria entre os prédios altos da região.
Nascido no interior do Goiás, o artista independente que veio para a capital ainda novo em busca de condições melhores, traz consigo um olhar marcado pela luta diária da sobrevivência.
Um homem de pele negra, uma barba grisalha por fazer, trajes com respingos de tinta, um casaco personalizado, os pés sujos entregando a luta diária pelas ruas. Em seu pescoço, uma medalha de Nossa Senhora Aparecida – a padroeira do Brasil.
Com rugas ao redor da boca, como “contrapesos de um sorriso”, como cita Chico Buarque, ele revela estar em dificuldade financeira. Mora em um “barraco” ainda sem serviço de água ou luz. A iluminação na vida dele são as próprias telas.
As primeiras pinceladas
Ele começou a demonstrar aptidão para a habilidade durante o tempo que ficou na casa de passagem, em São Sebastião, cidade administrativa do Distrito Federal. Com quatro aulas de artes, a professora ficou impressionada. Não era milagre.
“Lá, comecei a pintar e a professora notou que eu era bom. Há cerca de um mês, comecei a fazer os quadros e consegui vender alguns. Inclusive, já ganhei até concurso”, revelou o artista.
Com muita facilidade, o pincel deslizava pelas telas e as cores tomavam formas. O Jesus que não teve ensino básico carregava em suas veias o talento inesperado.
Logo, percebi que quadros valiosos não são vendidos apenas em museus. Os seus, por exemplo, estavam ali: expostos em frente a padaria de Águas Claras.
“O artista de Águas Claras”, como é chamado pelos moradores da região, admite que suas inspirações para pintar vêm da Bíblia, livro que ele crê e carrega junto com as telas.
Telas, pincéis, madeirite, tinta esmalte e verniz fazem parte dos seus materiais que não são baratos, desabafa Jesus, mas ele recebe muitas doações de seus “grandes amigos”, como chama carinhosamente seus clientes.
“Ele sempre está por aqui. Comprei um quadro e pendurei no meu escritório. Minha mãe gostou tanto quando foi me visitar, que tive que voltar e comprar um pra ela”, garante um comprador, Edmilson Maciel.
Jesus é casado com Helena, filha de um falecido pastor de uma igreja da Assembleia de Deus, em que frequentava. Foi a partir dessa relação, e não predestinado pelo nome bíblico, que Jesus passou a traçar seu caminho na fé. Ele não conhecia a palavra do xará que viveu há 2023 anos.
“Foi lá que conheci a mulher da minha vida, mãe dos meus filhos, e ela me apresentou o meu xará (risos)”, testemunha o fiel..
Juntos desde os 20 anos, o casal tem dois filhos, Ketlin e Alejandro, e moram em um barraco de dois cômodos, como ele mesmo descreve seu “cafofo”. Atualmente, Helena enfrenta problemas de saúde, após três paradas cardíacas. Mas a situação da mulher que estava internada no dia da reportagem não enfraqueceu a fé do artista.
Jesus Nilton acredita que seu dom vem de uma revelação divina, e, por isso, não força a barra para que seus filhos sigam seus passos na arte. Alejandro, o filho mais novo, sonha em ser empresário e ter a própria loja de carros.
E assim, o artista sustenta sua família, transmitindo em suas obras sua verdade, assim como Mário Quintana não escreve uma vírgula que não seja uma confissão.
Essa música foi inspirada na música “Tempo e Artista” do Chico Buarque
Por Amanda Barradas
Supervisão Luiz Claudio Ferreira