A brasiliense Maria de Souza, de 38 anos, que está desempregada, é mãe de quatro filhos e acompanhava a filha internada havia quatro dias no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), a mais de 15 km de distância de casa. Era a primeira vez que a pequena teve bronquite e ela percebeu o aumento no número de casos da doença.
“Todos os hospitais que eu entro estão lotado de crianças, não só crianças, mas adultos também. Eu fui no hospital da Ceilândia (a maior região administrativa do DF). Como lá não tinha atendimento, aí colocou pra mim ir na UPA de Recanto das Emas (a 15 km de distância). E lá já tinha atendimento, né? Das crianças. Aí de lá eu vim pra cá (HRT)”, diz Maria.
Sazonalidade
O infectologista Fabrício Pereira explica que a doença se espalhou mais em comparação com o período de pré-pandemia devido ao isolamento dos últimos três anos. Assim, os sistemas imunológicos não foram expostos e desenvolvidos como antes.
“Enquanto todo mundo ficou em casa, se guardando, então a gente não teve tanta circulação do vírus. E como esse ano tudo já voltou ao normal, as escolas voltaram a funcionar plenamente, as pessoas não têm ficado mais restritas em casa. Então, o vírus voltou a circular novamente e aumentou esse número tão grande de casos.”
Questionada sobre o número de leitos nos hospitais públicos, a Secretaria de Saúde informou que, em março deste ano, 14 leitos de internação pediátrica foram criados no Hmib para enfrentar a sazonalidade.
Foram abertos cinco leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), dez no Hospital da Criança de Brasília (HCB) e cinco no Instituto Hospital de Base (IHBDF).

Cenário
Choros desesperados de bebês, filas enormes de UTI pediátrica e mães internadas com seus filhos recém nascidos. Esse é um cenário típico de hospitais no Distrito Federal (e também no Brasil) quando o assunto é doenças respiratórias, principalmente nos meses mais frios.
Contudo, por diferentes fatores, o número de casos de doenças como a bronquiolite explodiu por todo Brasil nesse ano.
O vírus sincicial respiratório, maior causador da bronquiolite, mais que dobrou o número de infecções graves nos primeiros meses de 2023 quando comparadas às de 2022. Até o momento, já foram registradas 971 infecções no DF, enquanto em 2022 foram 479 casos registrados na mesma época.
A doença apresenta sintomas similares aos da gripe, como explica o médico pediatra Fabrício Pereira Madureira. “O bebê começa com obstrução nasal, uma coriza, uns espirros e aí evolui para uma tosse. Quando a tosse se intensifica, ele fica muito cansado, dispneico mesmo, e aí eles não conseguem mamar e algumas vezes ficam lá cianóticos ou roxinhos e aí os pais procuram o serviço de saúde.”

Choro no corredor
Karina Souza Lourenço, de 23 anos, é supervisora e mãe do pequeno Isaque, de cinco meses. Ela estava internada com seu filho havia alguns dias, que recebeu o diagnóstico de bronquiolite, no Hospital Regional de Taguatinga. No áudio abaixo, você pode sentir um pouco do que é estar no hospital com Karina e Isaque, que estava com dificuldade de respirar:
A bronquiolite é uma doença respiratória que afeta principalmente bebês com até seis meses de vida. Causada na maioria das vezes por vírus, ela apresenta sintomas similares aos de gripe e resfriado e pode evoluir para o cansaço da criança ao respirar, uma vez que ocorre a inflamação dos bronquíolos devido ao acúmulo de muco nas vias aéreas.
Nesses casos, é necessário um leito de UTI para que o paciente seja colocado sob o uso de aparelhos mecânicos para ajudar na respiração.

Comum na época de outono e inverno, a enfermidade começou antes do previsto em 2023 e hospitais públicos e particulares ficaram lotados nas enfermarias e UTIs pediátricas rapidamente.
Todas as classes sociais
Segundo as residentes Marcela Monteiro e Isabela Marticelli, que trabalham tanto no SUS quanto no setor privado, as dificuldades são as mesmas. Eles afirmam que, em todos os hospitais, faltam vagas.
“Todos os lugares têm dificuldade em pegar essas crianças, a gravidade é a mesma nos dois lugares, nem classe social, nem quem tem plano, quem não tem, todas as crianças ficam ruins do mesmo jeito”, afirma Marcela Monteiro.
“Dos [pacientes] que internam, a grande maioria ainda vai precisar só do tratamento que a gente fala que é de suporte, que é oxigenoterapia e hidratação. E uma pequena parcela, só que esse ano essa pequena parcela ficou grande por conta do número de casos aumentou muito, vão precisar de cuidados mais intensivos”, afirma o médico Fabrício Pereira.
Medidas de emergência
A Secretaria de Saúde do DF informou, em nota, que está em execução o Plano de Contingência para o Enfrentamento da Sazonalidade na Pediatria do DF.
“A rota rápida foi implementada nas unidades e consiste em desafogar o fluxo na porta de emergência e aprimorar o atendimento dos pacientes de média e baixa complexidades.”
As UBSs ampliaram o horário de atendimento e foi promovido um evento de treinamento para procedimentos como ventilação mecânica, situações de pacientes em choque e intubação.
Em nota, a SES anunciou que foram criados quatro novos leitos de enfermaria pediátrica, após revitalização do espaço, no Hospital da Região Leste (HRL), no Paranoá, três no Hospital Regional de Brazlândia (HRBz) e dois no HRT.
Atualmente, são 94 leitos de UTI pediátrica e 466 leitos de enfermaria pediátrica disponíveis na rede pública e conveniada/contratada. Todos equipados e com equipes especializadas, segundo o órgão.
“Só leitos não resolvem”
Pereira reforça que apenas leitos não resolvem a situação. Que pediatras, enfermeiros e fisioterapeutas em quantidades adequadas são os fatores que farão a real diferença para melhorar o cenário de urgência. “Pessoas foram saindo, foram se aposentando, existiram concursos, mas muitas pessoas que passaram nesses concursos não assumiram. Então acho que além do espaço físico leito ainda faltam recursos humanos também.”
A situação dos pais das crianças diante dessa doença remete muito aos versos de Gabriel, O Pensador: “Doutor, por favor, olha o meu neném/ Olha, doutor, ele não tá passando bem” da música “Sem saúde”, lançada em 1998.
Prevenção
Por ser uma doença infecciosa respiratória de propagação respiratória, o ideal, segundo o especialista, é evitar aglomerações. “ Evitar contato com pessoas doentes porque o resfriado do adulto, que é aquele que só causa desconforto do nariz obstruído, da coriza e os espirros, quando acomete um lactente (bebê abaixo dos dois aninhos), algumas vezes pode evoluir para bronquiolite e aí o caso muda, fica mais grave” alerta Fabrício.
Além disso, é importante estar com as vacinas em dia. “ Não temos vacina para bronquiolite ainda. Mas dos outros vírus respiratórios dos quais temos, como o para influenza”. Dessa forma, o sistema imune da criança vai estar mais preparado para combater as enfermidades e criará resistência, dificultando outras infecções.
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Por Alexya Lemos
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira