Após cinco anos de congelamento, a notícia de que novas vagas e faculdades de medicina serão permitidas no Brasil gerou repercussão no cenário educacional e de saúde do país.
O Ministério da Educação (MEC) anunciou recentemente o fim da proibição, mas com uma reviravolta: somente municípios com escassez de médicos poderão receber os cursos.
Os detalhes serão revelados em um edital previsto para até 6 de setembro, e grandes hospitais particulares, como Sírio-Libanês (SP), BP (Beneficência Portuguesa de São Paulo) e Rede D’Or São Luiz (RJ), já estão nos preparativos para abrir suas próprias faculdades de medicina entre 2024 e 2027.
Essa iniciativa não é novidade, com o Hospital São Camilo (SP) estabelecendo seu curso em 2007 e o Hospital Israelita Albert Einstein, um dos maiores do país, inaugurando sua própria faculdade de medicina em 2016. No entanto, as novas diretrizes do MEC geram controvérsia, já que a Justiça enfrenta 220 pedidos de empresas que desejam abrir cursos independentemente do critério de carência de médicos.
Leia mais sobre infraestrutura e acessibilidade
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Problema estrutural
Fabrício Garcia, CEO da empresa Qstione, explica seu posicionamento quanto à abertura dos novos cursos. Pontuando tópicos enfáticos como a estrutura precária em cidades interioranas, a localidade muitas vezes insalubre, a falta de profissionais especializados e políticas públicas adequadas.
Confira a entrevista na íntegra.
Agência de Notícias Ceub – Quais são os principais desafios que as instituições enfrentam ao criar novos cursos de Medicina no Brasil?
Fabrício Garcia – Além da burocracia de todo o processo que é criar um curso novo aqui no Brasil, você tem vários desafios. Um deles é mão de obra qualificada, a gente tem um número limitado, principalmente de professores médicos com doutorado e mestrado. E gente qualificada e especializada para trabalhar nos cursos de medicina, geralmente, estão muito concentradas nas grandes capitais. No interior, eles sofrem bastante para conseguir mão de obra qualificada.
O outro ponto, que é um gargalo também, é locais/ instituições para estágio, para atividades práticas no curso de medicina. Então, hoje a gente não tem um número suficiente de clínicas-escola / hospitais-escola que estão habilitados e capacitados para receber estudantes de medicina nas atividades práticas.
O terceiro grande desafio na medicina é instituir processos de gestão pedagógicas eficientes. Então é um desafio mesmo educacional, do ponto de vista de estruturação curricular. Implementação de novas tecnologias educacionais como sistema de avaliação, que hoje é um dos grandes focos nos cursos de medicina e implementação de sistemas que possibilitem auferir a aprendizagem e o trabalho do professor na sala de aula.
Agência de Notícias Ceub – Acredita então que precisaria de mais professores qualificados no interior?
Fabrício Garcia – Mais professores qualificados de uma maneira geral. No interior é onde está o maior gargalo. Por que a gente não tem até a disponibilidade de médicos no Brasil está concentrada nas grandes cidades. Então, obviamente, professores médicos no interior também se tornam um gargalo por consequência disso.
Agência de Notícias Ceub – Acredita que os hospitais-escola deveriam migrar, além de seu foco em grandes capitais como Brasília, Rio, São Paulo, Belo Horizonte; para outras regiões?
Fabrício Garcia – Não é tão simples assim, não é só uma questão de migrar. É que nessas regiões não têm infraestrutura para isso. Então não adianta tentar migrar. Mas como é que vou migrar se lá no interior não tem médicos qualificados para trabalhar nesses hospitais? Se eu não tenho infraestrutura, se eu não tenho recursos para poder manter esses hospitais.
Em muitos casos, não há demanda para determinados serviços médicos. Então não é uma equação tão simples, não é só uma questão de tomar uma decisão de migrar ou não.
Agência de Notícias Ceub – Com essa liberação que está havendo para fazer a criação de novos cursos. Como o senhor vê o cenário da formação médica para os próximos anos?
Fabrício Garcia – A gente já tem um número bem grande de instituições de ensino médicas no Brasil. Então, do ponto de vista quantitativo, não é um problema hoje no Brasil. A gente tem um número bem grande e suficiente para a população brasileira se compararmos com outros países.
O problema é a concentração desses profissionais em determinadas regiões. Como eu disse, essa concentração está muito, de acordo com dados do próprio Conselho Federal de Medicina (CFM). A maior parte dos médicos estão concentrados nas grandes cidades.
A interiorização dos médicos é dificultada, porque não temos uma carreira de estado para o curso de medicina e vários cursos da área de saúde. Não há uma política de fixação do médico em determinadas regiões e em muitos casos os médicos são indicados por políticos. Enfim, são indicações políticas os cargos médicos nessas regiões.
E isso gera uma insegurança de trabalho, insegurança jurídica muito grande. Além disso, a falta de infraestrutura nas regiões mais longínquas do Brasil também não é um atrativo pro médico. Por que além da insegurança de trabalho e jurídica, há um certo nível de insalubridade nessas regiões. O trabalho é insalubre, os médicos trabalham em condições muito simples que geram ainda mais inseguranças no ponto de vista no trabalho.
Então isso dificulta essa distribuição dos médicos no Brasil e sem precisar abrir novos cursos. Não significa dizer que esses novos médicos vão migrar para essas regiões se esses problemas persistem mesmo com a abertura de novos cursos.
Agência de Notícias Ceub – Então o senhor acredita que não seria necessário a abertura de novos cursos de medicina. E sim, uma promoção do governo para melhoria desses locais e incentivo para que os médicos migrassem?
Fabrício Garcia – Não é uma questão de promoção do governo, é política mesmo. Ter políticas públicas consistentes que foquem em uma carreira de estado, que dê a segurança necessária para que os médicos possam ir para todas as regiões do país.
Também não sou contra o fechamento de cursos, acho que isso pode ser até regulado pelo próprio mercado. Se o mercado solicita mais profissionais, a abertura de cursos faz sentido. Mas se o número de médicos é suficiente no mercado, a gente tem uma carreira atrativa para trabalhar em qualquer região do país. A tendência é esse mercado ir se estabilizando e não haver necessidade de abertura de novos cursos de medicina.
Agência de Notícias Ceub – Mas assim, o senhor sabe quais os grupos da área de saúde que já expressaram interesse em criar seus cursos de medicina, após a liberação do MEC?
Fabrício Garcia – Não, tem que dar uma olhada no próprio site do MEC. Mas tem vários grupos que já estão no setor da medicina, que têm hospitais e que já tem uma estrutura já de serviço na área médica que estão migrando para o setor educacional.
Estes grupos que não eram educacionais e estão passando a ser, eles viram um gaping nos cursos mais tradicionais. Viram uma certa desconexão talvez do currículo médico com a realidade do mercado, estes grupos estão olhando a área da educação também como uma possibilidade de negócio formando médicos dentro de seus próprios serviços.
Grandes hospitais como Einstein e Sírio Libanês, podem se tornar grandes hospitais-escola para esses profissionais, para esses grupos que estão com intuito de abrir novos cursos. Vejo com bons olhos, não vejo problema nisso. Esses grandes grupos já tem uma estrutura interessante, agora o desafio nas outras áreas existe.
Agência de Notícias Ceub – Além do sistema de gestão curricular, sistema de avaliação, sistema acompanhamento do ensino e tecnologia como diferenciais. Como esses elementos podem impactar positivamente para os cursos de medicina?
Fabrício Garcia – Aferir o que está sendo trabalhado no curso e aferir a evolução dos estudantes é fundamental, o produto de qualquer instituição de ensino é a educação. Se você não consegue aferir o que está sendo trabalhado e a qualidade do que está sendo feito. Então, você não tem ideia da qualidade do seu próprio produto.
Eu acho que essa aferição, trabalhar sistema de avaliação e trabalhar o currículo é a alma de qualquer curso superior, acho que é o foco hoje das instituições médicas.
Agência de Notícias Ceub – Qual a importância de professores especializados em diferentes áreas que fazem parte do corpo médico para a qualidade dos cursos de medicina?
Fabrício Garcia – A área médica é muito ampla, tem muitas áreas. O currículo é bem extenso, talvez o mais extenso de todas as carreiras. Então, a gente precisa de profissionais em todas as áreas. Algumas áreas têm um fluxo maior de profissionais enquanto outras menor, obviamente, depende também do número de especializações que temos hoje no Brasil e número de vagas em residências médicas especialistas.
Mas, obviamente, a gente precisa de profissionais em todas as áreas para o currículo médico, então, é de total importância. É uma questão de ofertas e procura.
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Confira onde estão os médicos no Brasil
A Demografia Médica, uma iniciativa do Conselho Federal de Medicina (CFM), oferece uma plataforma dinâmica e atualizada para democratizar o acesso a informações sobre médicos no Brasil.
Esta ferramenta fornece dados abrangentes sobre médicos, incluindo estatísticas demográficas, movimento de entrada e saída do mercado, evolução populacional e distribuição geográfica.
Com informações atualizadas até 31 de dezembro de 2022 e atualizações a cada seis meses, a Demografia Médica permite que pesquisadores, gestores e o público em geral acompanhem de perto o cenário médico.
Os dados estão acessíveis por meio de painéis interativos sem necessidade de login, e futuras adições incluirão georreferenciamento para análises mais detalhadas.
O CFM acredita que essa ferramenta será fundamental para o desenvolvimento de estudos e políticas públicas de saúde, contribuindo para o bem-estar da sociedade brasileira.
A partir disso, foram retiradas algumas informações dos dados constituintes da plataforma para uma avaliação e comparação. O endereço mostra a quantidade de médicos no país, distribuídos entre homens e mulheres, além das maiores distribuições entre as capitais e as cidades do interior.
Por Ana Beatriz Cabral Cavalcante
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira