Histórias do 7 de setembro traduzem capital de desigualdades e esperanças desfeitas

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Com pluralidade de histórias, Brasília é palco do desfile em celebração ao feriado do Dia da Independência

A bandeira do Brasil tremulando “à luz do céu profundo”, sob o sol e o vento do cerrado brasiliense. No último mês marcado pela estação da seca, o calor dessa semana deu espaço a um leve refresco no centro da capital.

Com ipês, camisas verdes e amarelas, e referências ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a população preencheu o descampado da Esplanada dos Ministérios.

Foto: Juliana Weizel

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Com ruas de acesso bloqueadas, a primeira concentração era a Rodoviária do Plano Piloto. Em uma espécie de carnaval fora de época, todos estavam trajados e seguiam em compasso eufórico pelo sambódromo. O enredo deste ano: Democracia, Soberania e União.

Entre as ciclovias que levam ao centro do poder político em Brasília, os ambulantes improvisam um corredor de comércios à la souk árabe. Competindo com os burburinhos da multidão, anunciavam: “Olha a água! Aqui é 2 por 5… Olha o picolé!… Um espetinho no capricho”.

Foto: Otávio Mota

Filho da pátria verde e amarela

O patriotismo orgulhoso simbolizado pelo traje verde e amarelo foi usurpado e ressignificado. Durante quatro anos (2019-2023) vestir o manto da seleção brasileira de futebol foi sinônimo de apoio bolsonarista, que demonstrava um desejo pela salvação com o cargo máximo da república ocupado por Jair Messias Bolsonaro (PL). 

Hoje, nas palavras de alguns dos entrevistados, “patriotismo não tem nada a ver com isso”, vestir a camisa exalta “o sentimento de pertencer ao Brasil” e estar presente no desfile de comemoração “não deve ser em razão de um governo, mas da nação”.

As reivindicações feitas eram por garantia de seus direitos mais básicos como seres humanos. A festa por mais grandiosa que fosse não constrói pontes o suficiente, nem fecha abismos sociais. Saber das mazelas e até mesmo vivê-las não era razão para achar que não pertenciam na festa. O Brasil é feito por cada uma dessas histórias.

7 de setembro é o Dia da Independência. Os outros 364 dias são de luta pela independência.

O lado B no Dia da Independência

Para as trabalhadoras e trabalhadores que não estavam ali em um dia de lazer, o feriado foi uma oportunidade para venda de mercadorias e coleta de latinhas. Nesse meio tempo, entre cada eixo temático do desfile (Paz e Soberania; Ciência e Tecnologia; Saúde e Vacinação; e Defesa da Amazônia), aproveitavam para ver uma auto bomba tanque do Corpo de Bombeiros ou um de combate dos Fuzileiros Navais. 

Além do sol, o maior desafio para eles se deu pela presença maciça do DF Legal e da Polícia Militar. 

Foto: Juliana Weizel

“Todos os ambulantes. Quem não tem autorização, não pode ficar no gramado. [Os que estão no centro têm] autorização da Administração Regional com antecedência. Sempre tem um número x de autorizações”, declarou a auditora Moraes.

O conflito por esse motivo foi recorrente. Em dado momento, um dos ambulantes que estava vendendo sacolé na área do gramado, sem autorização, foi abordado. Juntando os seus pertences para sair da área isolada, ele fez um apelo:

A atuação da polícia foi bem vista por aqueles que em momento de emergência a precisaram, mas por outros foi marca do desejo por uma abordagem mais humana. 

O lado B do evento também foi visto aqui. Mas o espírito compartilhado foi que entre mortos e feridos salvaram-se todos. A união, como pretendido, deu o tom da comemoração.

Foto: Isabela Domanico

Romaria

Barra do Garças, 560km a oeste de Brasília. Próximo a fronteira de Goiás, o destino de Amarílio Carvalho se iniciou em mais uma romaria de propósitos pessoais. Vestido com uma túnica de bandeiras do Brasil, a sua caracterização fugia do padrão com a presença de uma pochete preta presa à cintura e uma mochila nas costas. 

Os tênis brancos, que ainda iam ser tingidos com a poeira vermelha da capital, seguiam em passos firmes. Chamando a atenção por onde passava, o senhor carrega, sem receio, um estandarte em apoio ao presidente da república.

Foto: Otávio Mota

“Eu já tenho 90 anos e quatro meses. A minha profissão é trabalhar de jardineiro lá nas águas quentes onde eu moro. Eu moro em Mato Grosso e lá eu sou jardineiro voluntário há muitos anos. Me aposentei no Rio de Janeiro e escolhi Barra do Garças para morar”, contou Amarílio.

“Caminhando … E seguindo a canção”

Em uma caminhada sem pressa, como quem sabe aonde quer chegar, ele se desloca quase flutuando. Seguindo a famosa canção, seus relatos de vida são a paráfrase de que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Rumo à Esplanada dos Ministérios, Amarílio tem o intuito de celebrar a independência do Brasil.

Uma inspiração em particular lhe serve de guia, suas palavras são regidas pela história brasileira: Tiradentes, morto na Inconfidência Mineira. Todo ano nessa data, ele vem caracterizado.

“Tiradentes sofreu muito, os brasileiros… os africanos… os escravos… Vieram para construir o Brasil e como ‘agradecimento’ receberam chibatas, mordaças e grilhões. É coisa de louco. Fazendeiros cruéis que só queriam lucrar, lucrar, e lucrar”, complementa.

Amarílio entende que o dia da independência do Brasil significa lutar contra a exploração europeia na América Latina e a busca incessante por lucro. Significa, em última instância, ser antirracista.

“A independência do Brasil foi um fator importantíssimo para dizer um não para os portugueses que só queriam sugar milhares de quilos de ouro para construir o Palácio de Queluz… ouro, ouro, ouro, ouro. E o Brasil na miséria”, finalizou.

Um véu sobre a santíssima

Sentada num mundo que pertencia somente a ela. Sentada nos únicos pertences que sobraram do mundo dela. Seu nome é Maria e ponto. Mais do que isso, ninguém precisa saber. Uma mulher cheia de histórias que escolhe a quietude e responde apenas o que lhe perguntam.

Numa aparente timidez, Maria se resigna com cuidado, mas no primeiro sinal de afeto, ela devolve ao céus uma risada ímpar. A mineira, que chegou aos 66 anos sozinha e acha graça da sua idade, estava ali para viver o momento. “Só vim assistir a parada, venho todo ano”, explica.

Foto: Juliana Weizel

Sua opinião sobre o desfile é taxativa, segundo Maria, “foi mais ou menos”. Como uma especialista consagrada pela presença anual, ela afirmou que teve menos coisa em 2023, mas que estava bom. “Eu venho porque eu gosto de assistir a tudo”, afirma.

O ponto vermelho e azul iluminado na calçada sabia de suas prioridades, enquanto todos iam embora em uma espécie de rebanho pelo pastoreiro, ela continuou calcada como uma obra da Tarsila do Amaral.

Dividindo sua atenção entre nós e os bilhetes de loteria. Logo percebemos que era uma batalha árdua, os papéis capturavam facilmente o seu olhar.

— A senhora está vendo se consegue tirar um número da fé?

 Vamos ver – disse ela em meio ao sorriso de rabiscar o 16.

Foto: Juliana Weizel

Esse pedacinho frágil, que pode rasgar a qualquer instante, saiu de seu saco plástico, onde se encontravam outros.

Ela segurava com a ternura que a vida não lhe deu, ela entende daquela fragilidade. Cada passada de caneta era uma tentativa de conquistar um sonho distante. Era a esperança.

Agradecendo pela conversa, nós saímos e ela retornou para o seu mundo. A questão que martela é se a loteria seria um caminho para a independência. Talvez… mas parecia uma espécie de passatempo da sorte. 

Maria é a independência brasileira, está presente e nem por isso menos despedaçada, mas resiste.

A primeira vez das famílias

Próxima às grades, sentados na sombra ao pé da árvore e vestidos com a camisa da Seleção Brasileira de futebol, uma família está atenta a tudo o que se passa no desfile. 

Manuel, a esposa, os dois filhos pequenos e o sobrinho vieram de Águas Lindas de Goiás (GO) só para ver o desfile. Sendo a primeira vez que os filhos presenciaram o desfile, ele atestou que todos estavam de verde e amarelo pela celebração da independência do Brasil.

A família decidiu vir de última hora e por isso não sabiam da programação.

“A princípio é um dia de lazer, mas também aprendem o significado das coisas. Acho que a maioria pelo visto não sabe [a programação] e fica na expectativa de conseguir ver o desfile”, explicou.

Foto: Juliana Weizel

Apenas 100 metros à frente, estavam Eliandra e Jônatas com seus filhos. Ela é enfermeira e ele é comprador de material de construção.

Com um dos meninos no carrinho, a única filha seguindo tanto o pai e mãe, conforme eles mostravam algo novo. E o outro menino na garupa do pai com visão privilegiada para os tanques que passavam.

A enfermeira se disponibilizou a conversar, enquanto o marido corria entusiasmado com os filhos para arrumar o melhor espaço na grande. “Gostei muito do assunto que vocês querem tratar, mas essa parte está boa, já volto, peraí!”, avisou o pai.

Eliandra tinha uma única mensagem para passar.

“Como eu vim pela primeira vez no desfile, é muito importante, porém, eu esperava um pouco mais por ser a independência, a história. Até para passar para os meus filhos”, disse.

Quando ocorreu uma pausa no desfile entre um eixo temático e outro, o Jônatas veio falar com um pouco mais de tranquilidade o que estava achando do evento.

O filho sentado em seus ombros não se importou com a interrupção e ficou até o final ouvindo o que o pai tinha a dizer.

“Fica essa polarização que eu acho ridícula, ela ridicularizou o sentimento de patriotismo. Patriotismo é a sensação de pertencer ao Brasil e é esse sentimento que tem que ser plantado hoje. Esquece um pouco da questão política, que é para você se envolver com a pátria”, afirmou primeiramente.

“Se o Lula fez coisa errada, que pague. Se o Bolsonaro fez coisa errada, que pague. E se alguém depredou patrimônio público, que pague. A questão de sequestrar as cores da bandeira falando que é Bolsonaro não tem nada a ver. Ele não representa o verde e o amarelo, o Brasil representa”, disse.

Papas na língua pra quê?

Maria de Fátima é professora de biologia aposentada pela Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF).

Empurrando uma mala de rodinhas em uma mão e na outra uma bolsa de colo. Ela estava ali, animada e preparada para prestigiar o desfile da independência sob a alça do recente governo Lula.  

Dentro da mala estavam camisetas idealizadas pelo artista plástico Kleber Marques. Maria fez questão de exaltar esse profissional, porque, segundo ela, é importante ressignificar os símbolos da esperança, e o verde e amarelo. 

Quando perguntada sobre sua participação no evento deste ano e nos anteriores, falou de forma enfática.

“No governo Bolsonaro eu não vinha aqui, não. Eu não dou crédito para uma desgraça dessa, não. Esse cara infeliz arrebentou com o país. Deixou o país endividado e ainda tem gente para defender esse ordinário”. 

De forma irônica, mas não combinada, passava atrás da entrevistada um apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Solitário, mas confiante, ele exaltava a bandeira eleitoral usada pelo ex-presidente na campanha de 2022. Seus gritos pareciam não ter efeito, o restante da população presente deu de ombros para aquele ato.

Foto: Juliana Weizel

Duas Venezuelas no Desfile da Independência

De um lado, Blanco e do outro Daniel*. Ambos venezuelanos. Mas as semelhanças acabam aqui. São duas histórias distintas, com sentimentos diferentes em relação à pátria mãe. E no dia de comemoração da pátria brasileira? Era vivência contra sobrevivência.

O primeiro que encontramos foi o Daniel. Ele estava sem autorização na zona comercial destinada pela Administração Regional.

O sotaque era uma marca da sua distinção. Em uma bicicleta adaptada para carregar caixas de isopor, ele vendia bebidas e picolés. Gritando o máximo que podia para chamar atenção de quem passava, o cansaço dele chamava mais atenção.

Crédito: Otávio Mota

Com quase meio século de idade, seu rosto estampava uma vida dura que lhe custou uns anos a mais. Sem querer perder tempo, as respostas foram sucintas.

Mas uma despertou sentimentos, fez ele olhar com uma certa dor e desprezo por nós. Depois de dizer que estava há 2 anos e 9 meses no Brasil. Queríamos saber o porquê dele ter saído da Venezuela.

“Isso não dá nem para perguntar. Se você está bem em casa, você vai para o vizinho passar barbaridade, dormir na rua? Se tu sai da sua casa é por algum motivo. A família toda está aqui, porque eu era militar na Venezuela e precisei ir embora. O 7 de setembro é só mais um dia de trabalho.”, exaltou-se. 

Viajantes latinos

Blanco, por sua vez, se declara viajante e diz que sua passagem por Brasília é temporária.

Com a intenção de ficar só mais dois meses para resolver algumas burocracias de passaporte, ele pretende seguir caminho rumo ao México.

Foto: Juliana Weizel

Com sua mulher e cachorrinha adotada na Argentina, eles desbravam a América Latina de bicicleta. Para Blanco, sair da Venezuela não se deu pelo motivo que a mídia e os brasileiros pensam.

Ele apenas gosta de viver intensamente novas experiências. Mas isso não o impediu de tecer críticas à narrativa ocidental em torno de seu país.

Em defesa da terra natal, Blanco disse que estava aproveitando o feriado para conhecer mais do Brasil e da história. Ele fica feliz com o apoio e amizade demonstrados pelo presidente Lula ao Maduro. 

“Sempre fui bem recebido pelos brasileiros. O Brasil não tem noção da própria grandeza, mas vocês são a liderança. Devem puxar os outros e crescer na América Latina, no mundo”, expôs Blanco.

O casal Silva se destacava na paisagem. Sentados sobre um bloco de concreto no meio do Planalto Central, a frustração por não conseguir assistir ao desfile da independência era visível.

Mesmo assim, havia uma cumplicidade e um entrelaçar assossegado entre José e Helenilda. Eles eram um par como o azul do céu e o verde da grama.

Foto: Juliana Weizel

Chegar cedo não foi o suficiente. O momento que era para ser de lazer e celebração se transformou em um desafio para os dois. José desabafou com pesar.

“… não tem um lugar para idoso ficar sentado.”

Durante a fala do marido, Helenilda prestava atenção na conversa, mas não esboçava nenhuma palavra, apenas assentia.

Em uma pausa de José, ela se pronunciou vigorosamente. “Eu também posso falar?”, perguntou de forma sincera, garantindo que estávamos interessados no que ela tinha a dizer.

Ela explicou que a família toda apoia o presidente Lula e que, durante as últimas eleições, a mãe encorajou que votasse nele porque isso traria coisas boas para o Brasil.

Mas ela não acha que isso vai acontecer, principalmente pela falta de segurança e saúde. “Isso tudo machuca a gente e dão desculpas, ficam mentindo para nós e não acontece nada. Aí é ruim, ‘fia’. Eu não voto mais no Lula, não!”

Tem independência no lado B?

Em Brasília desde 1978, José afirma que foram ao evento para se “distrair um pouco”. Mesmo sendo mais contido sobre a política nacional, ele falou brevemente sobre o terceiro mandato do presidente Lula.

“Ficou elas por elas. O Lula é até melhorzinho que o outro, mas para mim é tudo uma coisa só. Ainda falta muito [para todo mundo ser independente]”.

Helenilda exemplifica com suas experiências no campo do emprego e da saúde. Sendo, segundo ela, ainda pior para mulheres e idosos.

“Chega num hospital desses aqui, eles batem a porta na cara da gente”, afirmou.

Nesse cenário conhecido pelos dois, Helenilda descreve o sufoco. “As passagens aumentando, aluguel aumentando, água e luz aumentando e o salário da gente lá embaixo”.

O lado B se encontra pulsando no relato do casal. O país celebra a independência, mas e os brasileiros? Para José, ser pessimista em relação ao futuro é um reflexo de ser realista com o presente.

“Acho que vai acontecer muita coisa ruim, né?! Do jeito que está o mundo hoje, não está muito bom. Não vai ter ninguém que vai dar conta”.

“Deus abençoe”

Dona Nilsa é um ano mais nova que Brasília. Nascida na capital, ela parecia ter crescido no Ipê em que estava sentada.

Contando seu feito de forma orgulhosa, mas dando risada da presepada que ainda era capaz de fazer, assim como as crianças.

“Não deu para passar pra lá, nas arquibancadas, então eu disse que ia ser em cima do pé de árvore. O rapaz me ajudou e estou aqui”. 

Foto: Juliana Weizel

Independentemente do governo, Dona Nilsa entende que o Dia da Independência é um momento para além da polarização política entre A ou B.

Ela participa da celebração há mais de dez anos e em 2023 não poderia ser diferente. “Vou ficar até o final do desfile aqui na árvore.”

Para a doméstica, tem que ser comemorado, mas acima de tudo, é algo bonito de se ver. Ela acha tudo ótimo e só quis garantir que não iria perder nenhum detalhe.

“Muita gente sai chorando, porque não consegue ver ”, afirma. Mas ela achou o seu espaço e garantiu que a vista era privilegiada lá de cima.

Indagada sobre o seu parentesco com as crianças encaixadas nos demais galhos, ela disse que não sabia de onde elas tinham surgido. Uma árvore uniu os quatro. E entre vivas e salves, a garotada ansiosa também quis interagir. 

Naquele crescer torto e resistente, eles se abrigaram e desfrutaram da companhia um do outro. Dando fim a sua participação, que foi rapidamente preenchida pela fala sobreposta dos jovens, Dona Nilsa fez questão de dar um adeus. “Deus abençoe”.

Foto: Juliana Weizel

Em uma viagem de ônibus com origem em Planaltina de Goiás (GO), os irmãos de 6, 9 e 13 anos estavam em escadinha, onde o mais velho e aventureiro se colocou no topo do Ipê.

Erik zelava pelos mais novos e respondia quando os outros dois se viam confusos com a pergunta. Taila, que pouco antes tentava afastar o calor com um picolé, era a mais comunicativa e Henrique dava um jeito de caminhar pela árvore sem atrapalhar dona Nilsa. Para eles era um pouco mais fácil, “eu saí correndo e consegui pular aqui”, afirmou Erik.

Do que vale minha opinião?

Ao serem abordados na sombra de uma árvore, sentados sob uma tira de papelão, o casal que se declara em um status de relacionamento “amigado” antecipa o motivo da entrevista. 

— Vocês poderiam falar com a gente?

— Depende… eu não entendo nada de 7 de setembro.

A jovem de 24 anos é confiante em suas opiniões, mas se reserva ao direito de não compartilhar com quem dispara olhares de pré julgamento. Sentindo que ela era validada, nos sentamos em frente a eles e seguimos com o assunto.

— Tudo bem, só queremos ouvir vocês.

Eles observavam a multidão. O Teatro Nacional é a tela que pinta o fundo de suas vistas. Juntos há seis meses, Tatiane disse que essa foi a primeira vez no desfile, já Adilson, tinha ido mais recentemente em 2021. “Eu fiquei olhando da parte de cima da rodoviária”, explicou a diferença para este ano que está com a companheira.  

Foto: Juliana Weizel

Com espaço para dar a mensagem que quisesse, Tatiana afirmou que estava ali, porque não tinha nada para fazer, mas que achava bom ver o desfile.

O evento, por outro lado, não acalmava sua principal preocupação: a saúde. Diz ela não ter nenhum problema no momento, mas que teme a hora que precisar de ajuda.

“Queria ter condições para uma boa saúde e assim talvez não morrer rápido no hospital”.

Catador de percevejos 

O consumo de uns gera a renda de outros. Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, cerca de 50 mil pessoas estavam presentes nas arquibancadas e na Esplanada dos Ministérios para o 7 de setembro.

Joselino Oliveira viu esse dia como uma oportunidade de ganhar um dinheiro a mais. 

“Estou por aí, num albergue em São Sebastião e vim catar latinha aqui. Com muita gente aqui, vai ter muita latinha”

Natural da Bahia, chegou na capital do país em abril deste ano. O homem de 58 anos se mostrou feliz ao dizer o nome. E não esboçou algo além de um sorriso ao contar sua história, mesmo que fosse duro pensar na trajetória.

Foto: Juliana Weizel

Joselino era ajudante de obras em seu estado natal, mas acabou se acidentando em um dia de trabalho. “Sou todo quebrado, eu caí dentro da obra”, disse ele enquanto mostrava as cicatrizes. 

Desde que chegou, alterna onde passa a noite “Vim sozinho, eu e Deus”. Dia sim, dia também está na rua. Quando precisa fugir à regra, busca refúgio em um albergue de São Sebastião. Lá, divide a companhia com outras pessoas, mas principalmente com percevejos. 

“Eu moro mais na rua do que no albergue, olha como eu estou, isso tudo é percevejo. As paredes lá é tudo cheia de sangue, que a gente sempre mata os bichos que pegam a gente”, explica ao levantar a camisa e expor as marcas de picadas pelo corpo.

Ter cama e teto para descansar é um privilégio. “Mais uns 5 anos aqui e eu volto pra casa”.

Passagem da Esquadrilha da Fumaça

Após as duas horas previstas de celebração, o desfile da independência acabou. Representantes dos três poderes e das forças de segurança cumpriram com o rito institucional.

Oficialmente, o que poderia ser feito pelo Estado brasileiro, foi feito. Zé Gotinha já tinha aparecido para acenar ao público e, em uma simbólica homenagem, uma pessoa caracterizada de Santos Dumont exaltou o inventor do avião.

A despedida dessa manhã de independência foi marcada pelo show à parte da esquadrilha da fumaça que, com seus aviões A-29 Super Tucano rasgando os céus de Brasília, realizou piruetas no ar e acrobacias que contagiaram o público presente.

Com o líder, os alas, o ferrolho e o isolado, a composição dos fumaceiros permaneceu no ar em ritmo de despedida para quem já voltava rumo à rodoviária.

Crédito: Juliana Weizel

Os olhares aterrissados ao fim, agora concentravam esforços em achar uma brecha na multidão e seguir para casa. Entre a caminhada à Rodoviária do Plano Piloto e o saborear do momento de lazer nas sombras da capital, próximo da plataforma A, as turbinas dos aviões deram passagem ao som.

Sax

Vindo de uma das colunas que dão sustento ao coração de Brasília, o som de um instrumento de sopro se espalha. Em uma melodia convidativa era fácil encontrar a origem.

Alegando estar fora de ritmo, o instrumentista pediu que esperássemos até ele afinar. Isso parecia um engano, já que o reluzente saxofone de cor dourada começou a reunir pessoas em sua volta.

Segundo o Paulo do Sax, ali era um ponto sem igual na rodoviária, um lugar estratégico. Naquele corredor, uma acústica perfeita dava a chance dele se preparar antes de ir para o piso superior.

Músico de nascença, ele ainda se vê como um garoto novo. “Tenho 22 anos… 22 anos de aposentado”, disse rindo. Entre uma música e outra, aproveitamos para fazer uma breve entrevista. Era o momento de saber se ele havia prestigiado as comemorações e se sua presença era marcada por algo especial neste dia.

Paulo confirmou que estava lá para o desfile também, mas que a sua ida à rodoviária é recorrente. E ponderou sobre o que tinha de diferente este ano. 

“A semana da pátria assim é interessante, independente de filiação partidária, de convicção ideológica. Você tem que pensar que está num país, você não está dentro de um partido político. Então a gente tem que se enquadrar num contexto do momento histórico”, afirmou.

Embalado pelo espírito do patriotismo, ele engajou em uma nova canção, ou melhor, um hino. Com direito a uma arquibancada de entusiastas e uma porta-bandeiras hasteando o símbolo verde e amarelo pela avenida do terminal. A nota 10 veio.

Foto: Juliana Weizel

Por Juliana Weizel, Otávio Mota.

Com colaboração de Isabela Domanico

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

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