- Das tintas do Jorge Pinho a ascensão como Travis Bombart
- Calango Pensante: a origem da batalha do Distrito Federal que movimentou multidões e revelou cantores, compositores e rappers na capital da República.
- Artes plásticas e @travisbombart: o casamento perfeito
- Tempestade: a batalha entre o pintor e a Warner Bros que foi vencida com a ajuda do comediante Thiago Ventura
- Futuro: descubra quais são os próximos passos do artista.
Infância
A infância de Jorge Pinho, hoje conhecido como Travis Bombart, foi “difícil”. Apesar de não lembrar ter passado fome, também não teve acesso a privilégios na primeira fase da vida. Natural de Brasília, ele já morou em Santa Maria, Ceilândia, Samambaia e Taguatinga. Teve uma infância tranquila onde brincou nas ruas e nas escolas públicas em que estudou.
Desde pequeno, Jorge se sentia diferente dos outros. Nunca sentiu identificação com as profissões mais comuns. Aos poucos, ele cresceu e se descobriu, até que um dia percebeu que o objetivo era trabalhar com a arte.
Primeiramente, com 17 anos, viu na música um meio de mudar de vida, tocava bateria e chegou até a participar de bandas, mas a “falta de coordenação motora” acabou atrapalhando o então adolescente a prosperar por meio da arte musical.
Jorge buscou acumular novas experiências. Ele grafitou em alguns pontos de Brasília, venceu algumas batalhas de MC ‘s, e deu seus primeiros passos nas artes plásticas, pintando alguns quadros primeiramente como forma de distração.
Primeiro, veio a música. Depois, o grafite. As artes plásticas tomaram forma. A inspiração de @travisbombart (nome artístico de Jorge) surgiu do que via na periferia, a trajetória na escola, entre amigos e nas ruas. Ele ressalta que o apoio dos pais e a liberdade de escolha foram cruciais para batalhar ainda mais por seus sonhos.
Criador de batalha
Jorge Pinho estava presente na cena da arte desde a infância, e conseguiu perceber que Brasília, apesar de ser a capital do Brasil , carecia e ainda carece de ambientes favoráveis ao fortalecimento da cultura da arte e do hip-hop. Por já ter tido contato com o freestyle, identificou uma falta de locais propícios à manifestação cultural, criou e consolidou uma das maiores batalhas de Mc ‘s da capital, chamada Calango Pensante.

Essa batalha ocorria entre uma ou até duas vezes por semana, e movimentavam entre 500 até 1,5 mil pessoas por batalha, e ficou bem conhecida na cena do rap e da música local. Neste projeto passaram revelações da cena de Brasília, artistas conhecidos, tais como Froid, Sid, e Jean Tassy, Menestrel e Marinho.
Marinho, aliás, é um rapper, produtor cultural e artista que já ganhou três títulos nacionais, da maior batalha do Brasil. Ele falou sobre a importância do Calango Pensante para o Distrito Federal, e ressaltou que já participou do projeto cultural.
Para ele, a batalha de rimas traz benefícios para os jovens das periferias. Através delas, o rapper conseguiu ter um objetivo, vontade de ser cada vez melhor. Por consequência, acabou estudando profundamente, fazendo leituras e pesquisas para aprimorar seu repertório.
Segundo o pesquisador da cultura hip-hop, Gildean Silva, o acréscimo cultural é imensurável e fortalece a comunidade. Para ele, que é gestor cultural na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os jovens buscam o hip hop para serem ouvidos e levarem uma mensagem positiva. “Afastam-se da violência, fator muito comum em periferias. E as batalhas ainda podem ser disciplinadoras e lúdicas concomitantemente”.
O especialista explica que a inserção do jovem nas batalhas contribui para a formação da identidade, ajuda na socialização, constrói laços afetivos, fortalece a cultura local e dá voz e protagonismo para aqueles que devido a desigualdade social, tem seu local de fala silenciado. “A cultura hip hop sempre foi forte e impactante para os jovens e seu crescimento é uma tendência mundial”, reforça o pesquisador.
Arte Plástica
No caso de Travis, as suas obras flutuam por referências desde ícones conhecidos pela cultura pop, até anjos, arcanjos e deuses. Além disso, o artista consegue atender pedidos únicos que são feitos por clientes e amigos. Muitas vezes são artes que misturam elementos.
Atualmente, Jorge Pinho tem 33 anos, trabalha como tatuador e artista plástico, ele explora a cultura da periferia e sua maior inspiração é o rap. Para ele, a cultura cultura hip hop traz visibilidade a uma forma de luta social.
Graças ao rap, grafite e hip hop, o artista conta com mais de 95 mil seguidores em suas redes sociais, e consegue sustentar sua família por meio da arte. O ateliê é em casa, o que traz flexibilidade à rotina. Jorge mistura duas paixões: o vandalismo e críticas sociais em obras renascentistas.
Além disso, ele consegue atender a pessoas do Brasil e do mundo por meio de seu catálogo virtual
Emblemático
Em uma das obras, por exemplo, ele faz uma representação moderna com várias críticas. O anjo que está sendo representado é o Lúcifer, depois de ser expulso do céu. As armas, grafite e whisky representam um novo olhar.
Segundo o próprio artista : “Lúcifer escondeu o rosto e sussurrou lágrimas, ele não quer mostrar aos outros anjos seu ódio, raiva e ressentimento”. Essa arte está tomando a cena com toques de manipulação gráfica, e partes feitas à mão livre.
Tempestade
As coisas começaram a dar certo e Travis Bombart passou a ter reconhecimento das suas obras por meio das redes sociais, durante a pandemia. A cantora brasileira Anitta curtiu um de seus posts, o que gerou uma relevância ainda maior ao autor que até então estava em ascensão.
Mas como nem tudo são flores, o quadro de grande repercussão foi o que retratava um dos personagens de Rick and Morty (série de grande audiência na televisão) misturando um pouco do urbano e abstracionismo característicos de Travis.
A pintura teve uma grande demanda na época, e chegou até a própria Warner Bros, detentora dos direitos autorais do programa. Em uma conversa amistosa com o autor por meio de um de seus representantes, pediu para que ele parasse de vender as obras com seus personagens.
Vale ressaltar que a lei 9.610 de 1998, protege as relações do criador do conteúdo, garantindo direito exclusivo de utilizar suas obras da maneira que bem entender, e isso inclui permitir ou não que terceiros a utilizem.
Foi um baque, um momento que parecia ser mágico e de virada de chave na vida do artista se tornou em um grande pesadelo, ele parou de vender estes quadros, até que surgiu uma salvação, um anjo em sua vida.
O humorista Thiago Ventura, que conta com quase 9 milhões de seguidores em seu instagram, se identificou de uma forma absurda com sua arte e tudo aquilo que ela representa. Após diálogo com Jorge, o comediante que já foi personagem da mesma série (Rick and Morty), conseguiu o que parecia distante.
Ele intermediou uma trégua entre a Warner e o pintor. A empresa liberou a utilização dos próprios personagens, um final feliz tanto para o artista que pode voltar a vender seus quadros, quanto para Ventura que conseguiu comprar a pintura que estava “apaixonado”.
Futuro
Travis é considerado um sucesso de Brasília. Sua trajetória é inspiradora e acumula exposições no Rio, São Paulo e por todo o Brasil. Além disso, no último ano começou a ter patrocínio de uma marca de energéticos. Assim ele consegue proporcionar a valorização da sua arte e também atuar no lado social, vendendo algumas obras com preços abaixo do mercado para que todos tenham acesso.
Vale ressaltar que o acesso à cultura, exposições de arte, teatros, ainda são vistos como hobbies da elite e que o Brasil caminha a pequenos passos, incongruentes com o seu tamanho na democratização da arte.
O pintor ainda questiona os sistemas e a forma do mercado agir. Segundo ele, uma galeria convencional fica com 50% da venda da pintura usualmente, apenas pela exposição do mesmo, o que acaba prejudicando os artistas locais e em início de carreira.
Ele transforma sonhos em quadros e seu próximo plano é lançar uma galeria para receber artistas do Brasil inteiro que vão poder mostrar seu trabalho de forma virtual e proporcionar uma integração, além de oportunidades para mudar as vidas dos próximos artistas.
Por Gabriel Rosa
Supervisão de Katrine Boaventura e Luiz Claudio Ferreira