Astro passou mais de 10 anos na cadeia, antes de se tornar artista visual
- A jornada do grafiteiro brasileiro Carlos Astro: nascido em Ceilândia (DF) ele superou dificuldades desde a infância.
- Envolvimento com gangues e drogas prejudicam seu potencial artístico: em 2006, foi preso por tráfico de drogas, condenado a 10 anos e 7 meses.
- A transformação em Astro: iniciou no grafite ao comprar spray em vez de roupas, marcando muros de Ceilândia.
- O renascimento: projeto “1 Vida 2 Mundos” tira jovens do crime através da arte.
Referências do grafite nacional, o artista visual Carlos Astro já foi preso por tráfico de drogas, superou dificuldades e teve uma reviravolta na vida. Nascido na Ceilândia, a maior cidade do Distrito Federal, diz que as dificuldades forjaram o artista que ele é. “Nas ruas, eu me tornei quem eu sou”, afirma.
Ele lamenta que o envolvimento com o mundo da criminalidade, de gangues e das drogas tenha prejudicado o talento que ele guardava. Cocaínas, skank, pó, maconha, tudo aquilo passou pela vida do grafiteiro. Em família, ele diz que chegou a ser rejeitado pelo pai por quatro anos.
Astro é o terceiro dos quatro filhos. Na infância, ele recorda que tinha apenas um par de tênis para ir à escola. A rua ensinou para ele valores como integridade e inteligência, que o moldaram como homem.
Foto: Arquivo pessoal, cedido ao Esquina
A mãe
A mãe dele, Marilene dos Santos, precisou enfrentar sozinha a vida. As dificuldades da época, especialmente no contexto de ser mãe solo em uma sociedade machista, fizeram com que os filhos mais velhos assumissem as responsabilidades da criação dos mais novos.
O filho explica que ela lutou diariamente por sua sobrevivência, trabalhando duro como garçonete em bares até o sol nascer, em plena madrugada. A história da mãe constitui-se inspiração para o rapaz.
Astro nasceu prematuro em um hospital público. Na verdade, Carlos Washington Chagas Corrêa. Envolto em orações e na esperança de sair logo da UTI, o bebê seria reconhecido pelo pai apenas quatro anos depois. “Guardo com carinho as memórias das brincadeiras infantis”.
“O respeito pelo meu pai sempre existiu e sempre vai existir”, contou Carlos. As memórias de um pai festeiro, com bebidas, sempre estiveram presentes, entre brincadeiras no meio das músicas altas que aconteciam durante essas festas e os copos de chopp quebrados nas constantes brigas entre pais e filhos.
O Astro
“Foi numa aula de geografia, enquanto estávamos estudando sistema solar, que eu escolhi o nome que me acompanharia pro resto da minha vida e me colocaria nos centro das atenções: Astro”.Uma estrela surgia em meio à quebrada da M Norte no ano de 1986. Um nome que marcaria muros da Ceilândia. Com uma boina feita nas ruas da quebrada e com o dinheiro dado pelos pais, no lugar de comprar roupas e brinquedos, Carlos comprou uma lata de tinta spray que ganharia espaço na sua vida.
Foi morando na expansão do setor O, ainda na Ceilândia, que Astro percebeu a mudança de falar, pensar e se vestir. “A expansão é uma verdadeira escola para a vida, onde quem reprova tem somente flores e lágrimas de despedidas”, relembra.
Era também nesse local que as primeiras experiências com drogas, revólver e delegacias vinham acontecendo. O jovem periférico escutava dos mais velhos que era necessário sempre ir atrás dos seus sonhos.
Início da arte
Com um grupo formado por amigos da escola, Astro deu início a essa fase de vandalismo nas ruas da Ceilândia. Inicialmente tudo se passava como uma verdadeira brincadeira, mas que mudaria a história desses jovens para sempre.
Espalhando a marca KMS-CW por aí, o grupo começou a pichar na escola e até dentro da sala de aula. De grupo em grupo, como G.S.N (Grafiteiros Sanguinários Noturnos) e os Sem Leis, Astro foi se consolidando no mundo dos pichadores da Ceilândia, que saíam a pé para deixar marcas em outras da capital do Brasil.
É claro que nem tudo seria a favor dos grupos de pichação. Os garotos rebeldes, em suas saídas, enfrentavam pessoas que eram contra a pichação e tentavam manter a limpeza das ruas, apelidados de “heróis” das ruas. Neste dia de angústia, um homem armado começou a correr atrás destes jovens pichadores nas ruas de Taguatinga. Em uma busca incessante por justiça, a perseguição de dentro da caminhonete acontecia. “Ele parecia um louco, determinado a nos capturar”, disse Astro.
Eles só pensavam em fugir. E conseguiram. “A polícia intervia, mas não como hoje em dia”. As sirenes que ecoavam na busca para inibir esses jovens. “É difícil ser sobrevivente onde a violência reina com toda tranquilidade do mundo”, afirma Astro.
Sistema carcerário
Até que no dia 16 de setembro de 2006, uma sexta-feira, pronto para curtir mais um final de semana com os amigos — do jeito que ele mais gostava — tudo desandou. O olhar vago de lembranças daquele dia perpetua em sua memória até hoje, quando foi preso. Astro não consegue se esquecer, também, do dia de sua condenação por tráfico de drogas, com uma pena de 10 anos e sete meses de reclusão.
“Se você sair de lá (presídio) e não tiver um amparo psicológico bem forte, você não cresce”. Os incansáveis dias atrás das grades fizeram Carlos Astro refletir sobre tudo aquilo o que estava acontecendo em sua vida, em especial, aqueles que iriam vê-lo naquela situação, aguardando ansiosamente a sua saída.
Reação dos parentes
“Receber aquela notícia de que ele tinha sido preso foi um choque muito grande para nós, ficamos perplexos e devastados, porque sabíamos que isso não era algo muito bom na vida dele”, disse Paula Fabiana, irmã de Carlos Astro.
A reação de proteção logo foi imediata. Toda a família se mobilizou para dar apoio enquanto ele estivesse preso . Não abandoná-lo nas visitas, dar suporte financeiro como o pagamento de um advogado, foram algumas das muitas formas que encontraram de mostrar que estavam junto a ele, independente da situação.
Com a irmã caçula à frente da situação, a relação entre os dois se tornou algo muito forte. Carne e unha. Algo que perpetua até hoje. A emoção na fala, que a deixa trêmula, a lembrança das terríveis visitas a papuda perduram até hoje.
“O ambiente é extremamente pesado e a polícia não é nada amigável, o tempo todo te revista”, diz Paula Fabiana, que guarda ainda nas lembranças a primeira visita feita,e a ansiedade em rever o Astro, agora preso. A pessoa em que tanto ama e enfim, poder abraçar, dizer que ama, conversar e saber como está, confortava cada dia mais o coração dela e dele.
A mudança dentro da família foi grande com os acontecimentos. As retaliações de quem vê tudo isso de fora foram poucas, ainda mais morando em um local em que a criminalidade e a violência se fazem presentes no cotidiano.
Aprendizado
O cumprimento da pena foi mais que aprendizado na vida de Carlos Astro. Os quatro anos de regime fechado e um ano no provisório na Penitenciária da Papuda fizeram com que ele perdesse momentos importantes com a família. Além disso, passou mais de dois anos em regime semi-aberto.
Foto: Arquivo pessoal, cedido ao esquina.
Fotografia- Carlos Astro em escola durante evento sobre a importância do grafite (Arquivo Pessoal)
Onze anos se passaram até enfim a pena do crime de tráfico de drogas se encerrar. Os dias de angústia dentro do presídio lotado, com outras pessoas que cometeram crimes dividindo a mesma cela de média de 9 metros quadrados, passaram.
Desde então, Carlos Washington decidiu mudar de vida completamente, o então conhecido Astro idealizou o projeto “1 Vida 2 Mundos (1V2M)”. “Com o grafite comercial, eu saí do mundo do crime, das drogas e da morte”.
O agora grafiteiro Carlos Astro tomava a decisão de seguir a arte de rua, em especial na Ceilândia, que guarda no coração com tanto carinho. “Ceilândia é uma galeria a céu aberto. É você dar uma volta na sua cidade e conseguir ver cor em todos os lados. É bom ver um pouco de beleza. Acho que o grafite traz isso”, disse.
O projeto, que visa atender a comunidade e tirar jovens do mundo do crime através da arte, conta com outros grafiteiros. Juntos, os artistas realizam pinturas por toda a Ceilândia, em especial nas regiões da Caixa D’Água, Feira Central, no tradicional dominó do centro, comércios, bares e a emblemática Casa do Cantador. Cartões postais levam a marca do grupo e a história de quem venceu, através da lata de tinta, a vida.
Kelton Besty, parceiro de Astro há mais de 30 anos, guarda na memória como foi o início do projeto, e as dificuldades para segurar a barra de quando seu amigo foi preso. “Pro grupo não morrer, eu coloquei outros amigos no grupo, e continuamos mesmo com ele atrás das grades”, relembra.
“Hoje somos ouvidos, estamos na área da cultura. Fomos sempre unidos, resgatando alguém na rua, que teve a porta fechada, abrindo uma outra para arte e para vida (…) A entrada do grafite nas nossas vidas foi uma bênção, o movimento hip hop é algo importante no nosso processo de formação para quem somos hoje”.
Kelton Besty explica que o grupo consegue hoje viver da arte “e principalmente ser feliz. Se não fosse o Grafite, nem estaríamos aqui hoje”, disse Kelton Besty.
Foto arquivo pessoal, cedido ao esquina- Grupo 1V2M Esquerda para direita: Leandro Shark, Wesley Leley, Maurício Nunu,Carlos Astro e Kelton Besty ( Arquivo Pessoal)
Atualmente, o grupo conta com cinco artistas. “Temos um lema que é ‘Maisqtintanaparedemuitomais’. Além da parte visual da arte, desenvolvemos a parte de Exposição, Workshop, TalkShow, Graffitt/Pinturas em telas, Aerografia e tattoo”, explicou. Além disso, o grupo realiza palestras com o título: Quem está no risco, corre o risco.
Por Lucas de Castro
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira