A problemática da insegurança alimentar é bastante antiga no Brasil, e tem como principais causadoras, a desigualdade socioeconômica e a pobreza estrutural, que atingem uma parcela significativa da população. Em julho de 2023, o Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) divulgou o estudo “Segurança Alimentar no Distrito Federal: um panorama sociodemográfico”, realizado este ano, com dados de 2021.
A pesquisa mostrou que 24% da população do DF encontrava-se nessa situação. Ao longo da história brasileira, diversas políticas e programas governamentais foram desenvolvidos com o propósito de reduzir a fome e a pobreza no país, como a presença de restaurantes comunitários em regiões de baixa renda, o que auxiliaria assim na diminuição da insegurança alimentar.
Com base nessa avaliação, a insegurança alimentar pode ser classificada em três subdivisões: insegurança leve, que representa uma incerteza quanto ao acesso aos alimentos; moderada, quando a qualidade inadequada dos alimentos é o resultado de uma estratégia para não comprometer a quantidade dos mesmos; e grave, quando ocorre a falta total de alimento durante o dia.
Um dos programas criados pelo governo para combater a insegurança alimentar são os restaurantes comunitários. Eles foram desenvolvidos para serem equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional, com o objetivo de preparar e comercializar refeições saudáveis a preço acessível. Eles contribuem para o acesso à alimentação adequada, principalmente para pessoas em situação de vulnerabilidade social.
O restaurante comunitário da Estrutural é um desses que atende uma parcela necessitada da população, e que muitas das vezes dependem dele para manter uma alimentação diária balanceada.
Gerenciado pela Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES), o restaurante tem capacidade para atender mais de 500 pessoas por turno. Segundo a assessoria da SEDES, o Distrito Federal (DF) tem uma das maiores redes de segurança alimentar do Brasil, com um modelo referência de Restaurante Comunitário.
Foto/Júlia Marques
O objetivo do GDF com o serviço é ampliar o acesso da população ao direito humano à alimentação, previsto na Constituição Federal, servindo refeições com qualidade, equilibradas nutricionalmente e em quantidade suficiente. Todos os restaurantes contam com nutricionistas.
Os Restaurantes Comunitários também procuram respeitar as características culturais e hábitos alimentares da região. A prioridade é o atendimento às famílias em situação de vulnerabilidade social.
Hoje, o DF conta com 16 Restaurantes Comunitários: Brazlândia, Ceilândia, Estrutural, Gama, Itapoã, Paranoá, Planaltina, Recanto das Emas, Riacho Fundo, Samambaia, Santa Maria, São Sebastião, Sobradinho, Sol Nascente, Sol Nascente/Pôr do Sol e Arniqueira.
O assunto é delicado e expõe a realidade e vulnerabilidade de muitas pessoas no Brasil. Um tema encoberto pelas autoridades, negado por grandes representantes publicamente e ainda velado pela classe média e alta.
Prato a R$ 1
Em todos os restaurantes, o roteiro se repete: o portão abre às 11h, a fila anda mais depressa, e as pessoas correm para comprar o almoço, que custa R$ 1. A cada minuto que passa, a fila aumenta e o grande galpão é preenchido por vozes, passos e barulhos de pratos. As merendeiras e nutricionistas responsáveis pela comida se posicionam, uma ao lado da outra, aguardando as pessoas entrarem para servir e fiscalizar as refeições.
Foto/Júlia Marques
São permitidas duas refeições por pessoa. Para a maioria dos ouvidos pela reportagem, essa comida também será o lanche e o jantar, até o dia seguinte.
“Esse restaurante ajuda muita gente, realmente. Sou professor e sei que isso aqui mata a fome’’, disse um frequentador, que preferiu não ser identificado. Algumas pessoas falaram que o melhor dia é sexta-feira, o da feijoada.
A linha de produção começa. O fiscal pega o cartão em que é contabilizada a quantidade de refeições compradas. Em seguida, libera a catraca. Uma bandeja é entregue, geralmente com um prato e uma marmita. Alguns levam aquela comida para casa, muitos ainda ficam esperando outras pessoas comerem para pegar o que sobrou do prato deles.
“Dobradinha ou ovo?’’
O cardápio disponibilizado pelo Governo do Distrito Federal (GDF) no em outubro de 2023 era: prato proteico (dobradinha OU ovos mexidos), guarnição (farofa crocante), salada (pepino, repolho roxo e chicória), acompanhamento (arroz branco OU arroz branco), sobremesa (gelatina) e bebida (suco).
“Os restaurantes comunitários foram pensados para atender as pessoas em vulnerabilidade social a um custo baixo, as pessoas em situação de rua não pagam o almoço, fazemos um cadastro e elas podem retirar a comida’’, disse Karen Moreira, nutricionista do restaurante.
“Os cardápios são planejados em conjunto. Na Secretaria [de Desenvolvimento Social], temos vários nutricionistas que se reúnem juntamente com os profissionais das empresas que fornecem a comida. Analisamos as necessidades da população, considerando as necessidades nutricionais e culturais e por fim, montamos o cardápio.’’, complementou.
Foto/Júlia Marques
Atualmente, um dos principais programas de fornecimento de alimentos para instituições que promovem o combate à insegurança alimentar, é o Mesa Brasil, desenvolvido pelo SESC-DF. O Mesa Brasil é um programa nacional de segurança alimentar e nutricional de combate à fome e ao desperdício de alimentos. Os alimentos coletados são avaliados por uma equipe de nutricionistas, separados por tipo, validade e peso e, então, distribuídos para instituições idôneas
“O Mesa Brasil ultrapassa o âmbito da arrecadação e distribuição de donativos. Tem também como foco a ação educativa permanente, que presta orientação e informações nutricionais a quem recebe as contribuições, contribuindo, assim, para um melhor aproveitamento da comida”, afirma a entidade. Em agosto de 2023, o programa bateu o recorde de arrecadação de alimentos no Distrito Federal (DF), com mais de 235 toneladas doadas.
Após se servirem, as pessoas pegam a comida e vão em direção às grandes mesas, com bancos, um ao lado do outro, são ao todo 26 mesas. Alguns se sentam em grupos, com família, amigos e outras sozinhas.
Em uma das visitas ao restaurante, foi possível observar uma mulher em pé, com uma criança no colo e um menininho ao seu lado, com uma garrafa e um pote na mão. Eles estão na ponta da mesa, olhando as pessoas comerem, com uma sacola plástica, dentro dela há duas marmitas.
Quando terminam de almoçar, alguns já se levantam com sua bandeja, e deixam meio copo de suco, ou o que sobrou ao lado dessa mulher, e saem. Como se já fosse algo natural, recorrente, sem necessidade de perguntar se ela queria ou não aquele resto, a criança pega quase automaticamente o copo e entorna o que o líquido dentro da garrafa plástica e coloca ao lado daquela mulher, ela coloca dentro do pote.
A 22 km do restaurante, a Região Administrativa (RA) do Lago Sul, foi apontada como o bairro mais rico do país, segundo o Mapa da Riqueza, pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A renda média da população é de R$23140,40. Em contrapartida, a Cidade Estrutural é de R$ 192,62.
Fora do restaurante
Líder comunitária da Estrutural, Jaqueline Silva é fundadora do projeto chamado “Alimentando Vidas”, que há 5 anos tem a intenção de arrecadar alimentos, roupas, calçados e remédios para auxiliar famílias em situação de vulnerabilidade social.
“Os restaurantes ajudam, sim, mas o problema na Estrutural é estrutural. Em alguns lugares mais vulneráveis daqui, as pessoas moram em barracos, sem água encanada, sem coleta de lixo. Às vezes, esses barracos pegam fogo, desabrigando famílias. É difícil principalmente para as mães solteiras, que precisam manter a sua casa. Não tem trabalho nem oportunidades. Não tiveram a chance de estudar e de ter experiência em alguma área’’, explicou Jaqueline Silva.
Por: João Pedro Nunes e Júlia Marques