Entenda como a cannabis atua como medicamento contra depressão

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E o alto custo que um tratamento tão eficaz contra inúmeras comorbidades possui

“Eu consegui terminar a faculdade, eu consegui terminar o ensino médio. Eu vou para minha segunda licenciatura”. É o que conta Vitória Lacerda, 25 anos, estudante, que graças ao uso medicinal da Cannabis consegue levar uma “vida normal”, e aliviar os sintomas de suas condições de saúde. 

Vitória foi diagnosticada no Transtorno do Espectro Autista aos 6 anos de idade. Além do TEA, Vitória tem TDAH, depressão, ansiedade e dislexia. Nessa idade, já tomava remédios de tarja preta. “Os medicamentos que eles enfiam na gente são sempre muito pesados”, relata. Sua mãe percebia que os remédios a deixavam doente e não melhoravam os sintomas dos outros transtornos de sua filha. 

Conforme explica o médico Flavio Geraldes Alves, presidente da Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide (APMC) e consultor médico da NuNature Labs, o canabidiol se difere de outras medicações principalmente por tentar trazer a homeostase ao nosso organismo, geralmente com menos efeitos colaterais em relação às medicações ansiolíticas/antidepressivas de escolha. 

Foi quando ela procurou tratamentos alternativos. Vitória explica que sua mãe chegou a levá-la a terreiros de centros espíritas para buscar outros caminhos. Ela também fez uso de florais, no entanto, sentiu que não houve melhora. 

Em linhas gerais, quem procura pela Cannabis já tentou muitos outros tratamentos, como foi o caso de Vitória. Em 2018 ela viu, pela primeira vez, os estudos do uso do canabidiol (CBD) para quem tem Alzheimer. Sua mãe pesquisou a respeito e viu que também haviam estudos para quem está dentro do espectro autista e para os outros transtornos.

O Dr. Alves diz ainda que alguns estudos mostram que o CBD pode atuar de várias maneiras para reduzir os sintomas nessas condições. “No caso da depressão, o CBD pode, através da regulação do sistema endocanabinoide, aumentar a disponibilidade de neurotransmissores como a serotonina e a dopamina, que estão envolvidos na regulação do humor, e inibir a inflamação, que pode contribuir para o desenvolvimento da depressão”, explica o médico.

Apesar de aparentar estar diante de um sonho – um medicamento que aliviaria a maioria dos sintomas de todas as suas condições –, Vitória se esbarrou em mais um problema: “a gente tentou entrar na justiça [para tentar conseguir o medicamento], mas não deu certo”, relata. 

“685 contos a cada 2 meses”

Os pais de Vitória são professores aposentados da rede pública. Ela conta que eles abriram mão de muita coisa para que, de certa forma, tivessem uma “vida boa, mas dura, porque os professores só começaram a ter alguma coisa de ajuda hoje em dia”.

Até o ano passado, Vitória morava com sua mãe em Águas Lindas. Ela precisou ir morar com seu pai, suas 2 irmãs mais velhas e suas 2 sobrinhas em Taguatinga por conta da dificuldade que era chegar no trabalho no Plano Piloto, que teve que  arrumar para pagar por seus tratamentos.

Apesar de não precisar arcar com as despesas de casa, ela necessita pagar, além do  medicamento, pelos exames e consultas mensais com a psiquiatra e com a psicóloga. Isso tudo deve caber dentro do orçamento do salário que recebe como assessora – pouco mais de um salário mínimo (R$1.320 em 2023).

Ainda que com a receita em mãos, os pacientes que dependem do tratamento com referidos fármacos enfrentam algumas barreiras: o preço do medicamento. 

“São 685 contos a cada 2 meses. Acabo pagando uns 300 e poucos [reais] por mês”, relata. Ela precisa tomar duas gotas do canabidiol pela manhã, uma à tarde e três à noite.

A cada 2 meses, Vitória tem que comprar o canabidiol. Ela conta que o custo de seu tratamento é muito alto. “O remédio em si deve valer uns 100, 120 reais. Mas com a taxação e com a conversão do dólar, ele fica esse preço todo”, explica.

Vitória diz ainda que, antes de conseguir comprar o canabidiol de maneira apropriada, comprava de forma irregular de um conhecido que plantava a Cannabis sativa e produzia o óleo de canabidiol. Seu colega começou a cultivar a cannabis porque o irmão dele tinha câncer e o uso medicinal da planta o ajudava com os sintomas da doença.

No entanto, o ajudante de Vitória acabou sendo preso por tráfico 2 vezes. Apesar disso, ele ainda tenta obter a regulamentação, para poder continuar ajudando aos que precisam fazer o uso do medicamento mas não têm condições de pagar as taxas. “Comprando o dele, eu pago R$85 o frasco. O mesmo frasco que eu pago R$600 conto, eu pago R$85 com ele”, afirma Vitória.

“Você tá tomando é droga”

“Só que você fala para a pessoa ‘ah, eu tomo esse medicamento’. A pessoa fala: ‘você tá tomando é droga’. Eu falo: ‘não, não é. É pra ‘mim’ me sentir bem“, comenta Rosângela Rodrigues Garcia, de 62 anos, que atualmente trabalha como passadeira de roupas. Até pouco tempo atrás, ainda fazia “serviços gerais”, como ela diz, mas precisou diminuir o ritmo de trabalho por conta das dores que sente no nervo ciático. 

Moradora de Goiânia, Rosângela divide a casa com mais de 5 pessoas – dentre elas, filhas, genros e netos – e conta que sentiu muito preconceito quando mencionou para as amigas que começara a fazer o uso medicinal da cannabis. “Todo medicamento, se você for pensar, é uma droga, né? Quer dizer, só porque esse vem de uma erva, é droga?”, afirma Rosângela. 

A planta Cannabis sativa possui mais de 100 fitocanabinoides. Entre eles, o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC). A extração full spectrum é a forma de extração que preserva todos os compostos da planta. 

Apesar da dificuldade de arcar com os custos do medicamento, Rosângela conta que sua vida melhorou significativamente há 3 anos, época em que a neurologista Dra. Maria José David, que atende a comunidade em Goiânia, receitou para ela o óleo full spectrum.  “Eu quase não dormia, eu tinha muita insônia, era muito agitada. Hoje em dia eu sou mais calma, graças a Deus. Melhorei as dores musculares que eu tinha dos nervo tudo”.

Ouça o relato de Rosângela Rodrigues:

“O canabidiol atua no sistema nervoso central e interage com a maioria das células do corpo humano, enquanto o THC, apesar de ser difundido no meio recreativo, apresenta resultados promissores de patologias principalmente quando estão relacionadas a dores”, explica o Dr. Flavio Alves.

Assim como Vitória, Rosângela esbarra no empecilho do preço do canabidiol. Ela paga R$380 em um frasco de 30ml, que dura 3 meses. Quando começou a tomar, eram 5 gotas por dia. Agora, com a piora de suas dores e do agravamento de seu quadro de diabetes, precisou aumentar a dosagem para 10 gotas. “O custo é muito caro. Eu acho muito caro, mas eu compro”, diz.

Rosângela usa o óleo da NuNature, que contém o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC) em sua composição. Crédito: Arquivo pessoal/Rosângela Rodrigues
Rosângela usa o óleo da NuNature, que contém o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC) em sua composição. Crédito: Arquivo pessoal/Rosângela Rodrigues

Apesar disso, tanto Rosângela como Vitória afirmam que compram o medicamento pela melhoria na qualidade de vida. “Antes do canabidiol, eu tinha ataques de pânico pelo menos 2 vezes ao dia. Depois, que comecei a tomar, tive 3 ataques em 1 ano, e nesse período eu ‘tava’ sem o medicamento porque precisava fazer alguns exames”, relata Vitória.

Por Evellyn Paola

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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