Entre 2021 e 2022, número de denúncias de xenofobia no mundo cresceu em 874%
Preconceitos e demonstrações de xenofobia, particularmente contra pessoas do Nordeste e Norte do Brasil podem ser comuns até mesmo na capital do país, um lugar marcado por ser um caldeirão cultural.
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), entre os anos de 2021 e 2022, o número de denúncias de xenofobia no mundo cresceu em 874%, superando em absoluta proporção os casos de intolerância religiosa, racismo, homofobia, misoginia e neonazismo registrados no mesmo período.

Em 2001, a artesã Mônica Pataxó, 48, saiu da Aldeia Coroa Vermelha, localizada em Santa Cruz Cabrália-BA, rumo à Brasília. Hoje, ela mora na Candangolândia e trabalha na Feira da Torre de Brasília, onde vende seus produtos artesanais indígenas desde que chegou na cidade. Mesmo radicada na capital do país, Mônica relata que há, por vezes, desdém, pelo fato de ser baiana e indígena.
Um dos exemplos de xenofobia citados pela artesã foi quando ela foi levar seu pai a um posto de saúde e escutou comentários preconceituosos vindo dos guardas do local. “Ele estava conversando com um amigo dele no celular, e falou que baianos são preguiçosos, ficam o tempo todo numa rede deitados. Como se a gente não gostasse de trabalhar, como se a gente não fosse trabalhador”. Além do preconceito regional, ela já ouviu comentários relacionados a ser indígena: “Falavam que indígena não gosta de trabalhar ou que vive às custas do governo”, desabafa.
“Não pode entrar”
Mônica Pataxó diz que nunca foi impedida de trabalhar por ser do Nordeste, no entanto, já foi proibida, junto com sua família, de entrar em ambientes por ser indígena. “Nós fomos a um shopping, e eles não queriam deixar a gente entrar porque estávamos vestidos com trajes indígenas, e também por estarmos descalços”, lamenta a artesã.
Humilhação
Outra lembrança de xenofobia, que aconteceu em Brasília, foi com a psicóloga paraense, Marina Jordy, de 23 anos. Moradora de Sobradinho, ela conta que escutou muitos comentários de desconhecimento sobre a Região Norte com o intuito de humilhá-la. “As pessoas daqui, ao descobrirem que sou do Pará, sempre perguntam como é viver no mato, se nós andamos com jacarés e onças para cima e para baixo. Sempre achando que a Região Norte não tem uma urbanização muito bem definida, como se estivéssemos no meio do mato”, relata Marina.
Aversão
A mestre em sociologia e antropologia da Universidade Federal do Pará, Larissa Wanzeller diz que o preconceito consiste em uma ideia pré-concebida do outro. Dessa forma, a xenofobia consiste em materializar a aversão ao outro e à sua identidade.
Larissa explica também como diferenciar uma “brincadeira” de discriminação. “Ele [o preconceito] pode ser identificado a partir do momento em que são utilizados estereótipos e estigmas, bem como posturas racistas ou definições que categorizam o que possa ser entendido no comum como diferente, estranho”, avalia a socióloga.
Além disso, ela aborda os principais preconceitos sofridos pelos nortistas em relação ao restante do país. De acordo com a socióloga, as discriminações mais comuns são de nível econômico, cultural e social, além do próprio sotaque.

Junto à Região Norte, o Nordeste também é vítima de preconceitos sociais vindos do resto do Brasil. Um exemplo apresentado pela especialista foi o período eleitoral de 2022, quando aconteceram diversos ataques contra a capacidade cognitiva de nortistas e nordestinos.
“Uma maneira de se defender consiste em fortalecer espaços que produzem conhecimento, como a escola e a universidade, bem como fortalecer a ponte com toda a sociedade civil para identificar, reconhecer e promover os direitos de todos”, aconselha a especialista sobre a defesa de ataques xenófobos.
Outro caminho abordado pela socióloga é fortalecer o exercício da cidadania e compreensão das diferenças territoriais e culturais de todos. De acordo com ela, o preconceito é um comportamento interpretativo da realidade que está fundamentado no processo de socialização dos sujeitos e não há como se defender da maneira que as pessoas elaboram conceitos sobre o que entendem por diferente ou estranho.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, trata de punições para os crimes resultantes de preconceito, sendo eles racismo, xenofobia, intolerância religiosa, entre outros. As penas previstas para esses casos podem chegar a cinco anos de reclusão.
Como denunciar
A Polícia Civil do Distrito Federal possui cinco canais para denunciar crimes relacionados à xenofobia. A primeira apresentada foi a Delegacia Eletrônica, que permite realizar a denúncia online. O segundo meio apresentado são as próprias delegacias de polícia, para realizar a denúncia presencialmente.
O Disque 100 também é uma forma de denunciar casos de violações de direitos humanos, onde se encaixa a xenofobia. Além das ouvidorias, o Distrito Federal possui a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação racial, Religiosa, ou por Orientação Sexual, ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).

Ao fazer uma denúncia, é importante fornecer o máximo de informações possíveis sobre o ocorrido, como data, horário, local, descrição dos envolvidos e testemunhas, se houver. Isso auxilia na investigação e eventual punição dos responsáveis.
Preconceito linguístico
Outro ponto que afeta o psicológico de diversos nortistas são os preconceitos linguísticos. A professora Regina Célia Fernandes, do curso de Letras da Universidade Federal do Pará (UFPA), informa que existe muita intolerância contra a forma de falar de diversas pessoas nascidas no Norte..
“O preconceito linguístico compreende mais uma forma de discriminação presente na sociedade brasileira, ele é do mesmo nível do racismo, da misoginia, da homofobia e da intolerância religiosa. O preconceito linguístico se manifesta quando um grupo social avalia negativamente e pejorativamente a forma de falar de um outro grupo social”, conta a professora.
A linguista explica que a intolerância linguística é quando, por exemplo,uma pessoa realiza comentários, muitas vezes maldosos sobre o modo de falar do outro, como repetir de forma inconveniente as falas da pessoa que está sendo alvo para que se sinta desconfortável. Outro exemplo apresentado é o ato de correção da fala, no intuito de mostrar que uma forma de se expressar é a certa, e a outra é errada.
“Ninguém gosta de saber que sua forma de falar está sendo observada, por qualquer motivo que seja”, diz Regina.
Além disso, devido à frequente vivência do preconceito linguístico, muitas pessoas que sofrem dessa intolerância, optam por amenizar o sotaque, com o objetivo de se encaixar dentro de um grupo social. Regina Célia salienta que a opção de amenizar o sotaque para evitar ataques faz com que o indivíduo perca a sua identidade.
Por conta desse ponto, ela explica as razões para que os sociolinguistas combatam esse preconceito. “Dentro de sala, por exemplo, quando o professor diz ao aluno que a fala dele está errada, é feia, ele está atingindo diretamente a identidade e a autoestima daquele aluno. Por isso, a linguística tem se preocupado cada vez mais em difundir os resultados de pesquisa, como forma de combater o preconceito linguístico”, afirma.
Por Torgan Magalhães