Caminhos para a Inclusão: os constantes desafios dos Autistas no Distrito Federal

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Os impasses das mães de crianças autistas que utilizam o transporte público no Distrito Federal

Relatos de mães e especialistas demonstram as complexidades cotidianas e as situações adversas que ocorrem no uso de ônibus e metrô

Por Lara Monteiro

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que uma em 160 crianças têm o Transtorno do Espectro Autista (TEA), condição que confere desenvolvimento atípico e demanda uma educação com acompanhamento psicológico. 

Segundo Aline Batista, psicóloga pós graduada em Análise Comportamental Aplicada e deficiência intelectual, o TEA pode conferir à criança problemas de comunicação verbal e não verbal, ausência de reciprocidade social e comportamentos motores e sensoriais incomuns. Ademais, o comportamento de cada criança pode variar conforme a situação. 

“Há a questão sensorial que deve ser levada em consideração, pois algumas crianças possuem certas sensibilidades de forma intensificada ou reduzida, como, por exemplo, a sons e movimentos bruscos”, afirmou. Outra questão importante a ser levada em consideração, diz ela, “é que crianças com TEA por vezes têm dificuldade de perceber estar diante de algo que seja perigoso, e podem se arriscar a fazer algo que possa trazer algum risco para si”, completa. 

De acordo com o pedagogo Cláudio de Melo, professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal, uma criança com autismo demanda um ensino especial que auxilie na desenvoltura para lidar com situações novas no dia a dia. 

Em 2012, a Lei Federal nº 12.764 – conhecida como Lei Berenice Piana, sua co-autora – foi sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff, instituindo a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que garante às pessoas com autismo os mesmos direitos de pessoas com deficiência. 

A preferência pelos assentos nos transportes públicos bem como o acesso aos vagões exclusivos do metrô no Distrito Federal é de direito das pessoas autistas. Entretanto, mães de crianças com autismo destacam que enfrentam dificuldades e constrangimentos para andar com seus filhos nos transportes coletivos.

“Já sofremos preconceito no transporte público, uma moça chegou a falar que autismo tinha virado moda pra justificar falta de educação e mimo, a gente se sente impotente diante de uma situação dessas, sem chão, algumas pessoas que estavam no coletivo tentaram defender meu filho, mas eu fiquei muito nervosa e sem reação”, relata Evelyn Albuquerque,  27. Ela é mãe de Levi, uma criança autista de 6 anos.

“Não me sinto amparada, geralmente tento pegar o transporte em horários de pouca lotação, pois as pessoas não cedem lugar mesmo ele estando identificado com o cordão de autismo”, acrescentou ela, que utiliza, junto com o filho, os transportes públicos pelo menos 2 ou 3 vezes na semana. O cordão, o qual Evelyn se refere, leva a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), usado para garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no acesso aos serviços públicos e privados. 

Em 2020, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei Romeo Mion, a qual altera a Lei nº 12.764 (Berenice Piana), e a Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996 (Lei da Gratuidade dos Atos de Cidadania), para criar a Ciptea. 

Luta diária

Graça Leles, 30, é mãe de Rafael, 6, diagnosticado com autismo aos 2 anos, reitera a dificuldade de levar a criança para os lugares por meio do transporte público. “É complicado porque nem todo mundo entende o comportamento diferente dele. Fico ansiosa quando tenho que pegar o metrô com ele, pois a agitação e falta de educação de algumas pessoas podem perturbá-lo, além de me deixar angustiada”, contou. 

Lucinete Ferreira de Andrade, diretora da ABRACI-DF (Associação Brasileira de Autismo Comportamento e Intervenção), afirma que  garantir os direitos como transporte seguro e BPC (Benefício de Prestação Continuada) é uma luta diária. A ABRACI-DF é uma instituição filantrópica administrada por um grupo de pais de crianças com autismo.

“Não é algo que pode ser resolvido a partir de uma Associação. É um problema que precisa ser resolvido através de ações do Estado. As demandas que envolvem o desgaste do usuário na maioria das vezes ocorrem em razão do despreparo dos profissionais e intolerância de outros usuários. Situações pontuais quando chegam são repassadas a empresas e orientamos as famílias a fazer registro em delegacia”, afirmou Lucinete. 

A Assessoria de Comunicação Social do METRÔ-DF (Companhia do Metropolitano do Distrito Federal), alega que não há nada em específico para atendimento às crianças com autismo, mas elas se enquadram na política de prestação de serviços para pessoas com deficiência. “Todos os usuários do METRÔ-DF têm à disposição o acompanhamento para embarque e desembarque nas estações que é realizado pelos empregados da operação quando solicitado. O serviço é monitorado até que o solicitante desembarque e saia das dependências da Companhia”, informa a assessoria.

Luta contra tabus

Pesquisadora indica que é preciso garantir visibilidade ao autismo

Por Pedro Ungarelli

“A gente já teve episódios dele sozinho na escola várias vezes, de gente colocando fralda nele, deixando ele de lado.” Essas são palavras de uma mãe Daniele* sobre alguns dos problemas que seu filho autista de sete anos e ela passam em uma das escolas públicas do Distrito Federal (DF).

Nos Estados Unidos, uma pesquisa feita pelo Centro de Controle de Prevenção e Doenças (CDC) mostra que 1 em cada 36 crianças de 8 anos são autistas no país, o que corresponde a 2,8% daquela população. A pesquisa ainda não foi realizada no Brasil, mas, se utilizarmos a mesma porcentagem dos EUA em relação à população brasileira, teríamos quase 6 milhões de pessoas autistas no Brasil. Não há um levantamento que informe a quantidade total de autistas brasileiros. Segundo o Censo Escolar de 2022, há 294.394 alunos com autismo nas escolas públicas e privadas no território nacional.

Foto: Freepik

As adaptações necessárias

“Todos os trâmites para uma criança autista entrar são bem rápidos, é bem tranquilo conseguir vaga, difícil mesmo é só a manutenção. É muito bom e bonito no papel, mas na prática não é bem assim, eles estão despreparados, não tem monitor, quando tem não são os monitores que acompanham”, afirma Daniele.

Daniele explica que a escola onde o filho estuda assegura para as crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA): entrar mais tarde ou faltar aulas devido às sessões de terapia, sair mais cedo, fazer provas orais. É previsto dentro dos direitos conquistados através da Lei Berenice Piana (nº 12.764/12) que os alunos autistas tenham um monitor no ambiente escolar. Esse acompanhante é responsável por guiar, acompanhar e instruir as crianças para que elas não se sintam isoladas

Apesar do que prevê a legislação, um aluno com TEA de sete anos, André* conta que o monitor não o acompanha em todo o período que está na escola: “Eu só fico sozinho na escola quando eu tô um pouco irritado e muito triste.”

Joanna De Paoli, que é mãe de uma criança com autismo, também percebeu a falta de inclusão no ensino público. O filho estudou, por sete anos, em uma sala especial para alunos autistas, com apenas mais um colega. “Já falaram para mim que meu filho não estava pronto para inclusão. E porque eles falaram isso? Porque ele não ficava sentado em sala de aula. Ele nunca iria ficar, porque, ele não estava acostumado com uma sala de aula, ele estava num lugar que não é uma sala de aula, são dois alunos com uma professora”, disse.

Prof: Joanna De Paoli sobre o tratamento dos professores às crianças autistas em sala de aula

Hoje, Joanna se transformou em uma das principais pesquisadoras sobre o autismo do DF. Na visão da professora, o problema é a falta de investimento na educação pública: “Falta de investimento nos profissionais. A carga de trabalho é uma loucura, em salas pequenas, superlotadas e quentes. A ideia de adaptação continua sendo do sujeito e não do meio”. 

Ela avalia que, quando se tira o direito de aprender, impede-se que o sujeito se transforme. “A gente ainda pega muitos frutos da exclusão para justificar várias questões. O cego estuda o braile, surdo aprende a língua de sinais. É muito claro o que eles precisam para aprender, para o autista não está claro”.

“Qual é a dificuldade do autista? É na sua comunicação e relações sociais.Se para um cego você dá aquilo que ele tem dificuldade pra aprender, porque que com um atusta é diferente?”  questiona a pesquisadora. Para ela, é necessário um projeto de inclusão social que atinja todos os setores da escola. 

“O que nós queremos não é obrigar, é ensinar, dar oportunidades. A gente precisa de um investimento na educação, de um entendimento da coletividade, de ouvir o outro. Se o típico, a gente não sabe educar, quem dirá o atípico, que tem problemas nas relações sociais”, declara Joanna De Paoli.

As reclamações dos pais

Para a mãe de uma criança atípica, Daniele, a escola deve ser um espaço de inclusão. E relata que o filho sofre com o despreparo dos profissionais.“Já tivemos alguns problemas de vários profissionais que falaram que ele é uma criança sem limites, ou invés de entenderem que ele é uma criança autista.”

De acordo com Daniele, só neste ano a escola já trocou o monitor do filho diversas vezes. Ela acrescenta que o funcionário da escola designado para a tarefa não é um profissional especializado.“Ele nem decora o nome dos monitores de tanto que troca, troca o tempo todo. Que eu contabilizei ele já teve cinco monitores na escola” disse a mãe.

Reclamações da mãe Daniele

Cuidados 

A psicopedagoga Ana Paula Santos explica que a troca de funcionários  atrapalha a dinâmica escolar da criança, pois as crianças com TEA precisam de estabilidade e conforto para poderem progredir e se adaptar: “Essas trocas frequentes de monitor e professor mostram que  o corpo docente não está preparado para receber crianças autistas”. 

A família da criança com autismo vê que essa é uma diferença entre a escola pública e a particular. Quando ele estudava na escola particular, tinha uma monitora só para ele e a família recebia relatórios diários, como: “Hoje ele foi bem, hoje ele comeu ou hoje ele não comeu”. A escola pública não envia esses relatórios.

“Os pecados da instituição do ensino público são esses são coisas coisas previstas por lei, então você tem direito, mas no normal não acontece com o que é previsto”

A mãe, que já morou em São Paulo (SP), entende que aqui no DF falta uma alimentação especializada para os autistas, que tinha nas escolas de São Paulo. A maioria dos autistas tem restrições alimentares ou seletividade alimentar. A maioria dos lanches  que são ofertados pela escola, o filho dela não come.

A Secretaria de Educação (SEEDF) reitera seu comprometimento em proporcionar um ambiente educacional de qualidade, promovendo constantes melhorias nos processos de seleção e formação dos educadores, visando sempre o benefício e o desenvolvimento dos estudantes.

Além disso, a mãe relata que alguns pais não deixam os filhos brincarem muito com o filho dela, por puro desconhecimento. 

“As coisas boas são que as brincadeiras do recreio são muito divertidas e mamãe sempre manda um lanchinho bom.”, disse a criança.

Os problemas das escolas

O DF possui 827 escolas públicas, de acordo com a Secretaria de Educação, e dessa, catorze são voltadas exclusivamente para a educação de crianças com algum tipo de deficiência. No entanto, a política de educação prevista é que todas as unidades de ensino sejam inclusivas. 

“Está tendo um sucateamento da educação”. As palavras são da professora da Secretaria de Educação Joanna de Paoli Silva, pesquisadora sobre inclusão de crianças autistas.

Na visão dela, o DF possui muitas escolas periféricas em zona de risco. Então os professores evitam trabalhar nesses locais. A professora explica que quem acaba indo trabalhar nessas escolas são as pessoas que não têm vínculo com a Secretaria. “Por exemplo, fui dar aula numa escola, botaram uma arma na minha cabeça e levaram meu carro dentro da escola.”

Para ela, professores optam por não trabalhar na periferia, e isso enfraqueceria o processo de inclusão. 

De acordo como a Secretaria de Educação do DF o Procedimento de Remanejamento de professores é conduzido anualmente, visando a valorização dos servidores e é pautado pela transparência. O procedimento destina-se à mudança de lotação e de exercício dos servidores da carreira Magistério Público do Distrito Federal. Os critérios para lotação, exercício e remanejamento dos servidores, são baseados na Portaria nº 895/2023 e regidos pelo Edital nº 47/2023, e retificações.

De acordo com um levantamento de 2023 feito pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) cerca de 33% das escolas públicas da capital apresentam algum problema de segurança.

“As verbas não vão diretamente para as escolas, elas ficam nas mãos dos deputados, então só aqueles gestores que vão mendigar por verba é que conseguem elas. Aí o deputado vai ganhar força política naquele local, vai ganhar votos, uma placa com o nome dele. São tudo questões políticas.”

O acúmulo desses fatores dificulta o processo de inclusão dos autistas. “A impressão que eu tenho é que eu estou no caos. Eu saí de uma realidade antes da pandemia e estou voltando para uma realidade muito deficitária. Tudo piorou, se fala que a educação pública é ruim, mas não tem investimento nela.”

Um estudo divulgado pelo Instituto Semesp da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp), em 2022, mostra uma desvalorização da profissão de professor, impulsionada pela à precarização da profissão, à baixa remuneração e à falta de reconhecimento de sua importância pela sociedade. De acordo com a pesquisa haverá uma queda estimada de 20,7% até 2040 no número de docentes.

Para Joanna, há desvalorização da profissão no ponto de vista da educação especial, o nível de exigência da prova de temporário é diferente da prova de concurso. 

A SEEDF reafirma seu compromisso com a qualidade e excelência na seleção e formação dos professores, tanto efetivos quanto temporários. É importante destacar que ambos os grupos passam por criteriosas avaliações, realizadas por uma banca especializada, que inclui a análise de cursos na área e entrevistas.

Além disso, a SEEDF prioriza a formação continuada de seus profissionais ao longo de suas trajetórias funcionais. Essa formação é conduzida internamente pela Subsecretaria de Formação Continuada, assegurando que os professores estejam sempre atualizados e preparados para os desafios da Educação Especial.

A Pasta trabalha continuamente para melhorar a seleção e formação dos professores contratados e nesse sentido já incluiu no último edital de processo seletivo simplificado para contratação temporária de professor substituto para a rede pública de ensino do Distrito Federal a obrigatoriedade do professor temporário em participar dos cursos de formação indicados pela SEEDF, além de reformulação da Banca para aferir a APTIDÃO destes professores para atuarem no ensino especial.

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