Foto: Lorena Rodrigues, Maria Eduarda Bacellar e Maria Paula Meira.
Entre os corredores da Unidade Mista de Saúde de Taguatinga, adolescentes de 12 a 17 anos esperam pelo acompanhamento do pré-natal. Às 8h30 da manhã de uma sexta-feira, três jovens já foram atendidas e as consultas continuam. As gestantes são moradoras de diferentes regiões administrativas do Distrito Federal, que, em setembro de 2023, já haviam registrado, ao menos, 1.783 casos de gravidez na adolescência, de acordo com dados fornecidos pela Secretaria de Saúde.
Em conversa com o órgão público, a SES disponibilizou os dados referentes à série histórica de gravidez na adolescência no Distrito Federal. O relatório fornece a quantidade de casos registrados entre 2015 e 2019. Além disso, é possível ter acesso a porcentagem de ocorrências de gravidez na adolescência nas regiões administrativas, classificadas como piores e melhores, de 2019 até 2022. Observa-se também a idade detalhada entre os anos de 2015 e 2023 (dados coletados até 19 de setembro do mesmo ano) e o número total de casos, somadas as faixas etárias.
A cada consulta, um perfil diferente com experiências singulares, mas todas com uma característica em comum: a responsabilidade precoce. O período de gestação, dizem as adolescentes, transita, de forma brusca, para um amadurecimento obrigatório. Estudar, brincar, se conhecer e explorar os caminhos da juventude transformam-se em atividades interrompidas. A vida é impactada para sempre.
Amadurecimento obrigatório
“Me ver como mãe naquele momento ali, eu não me via. Eu me via na obrigação de cuidar e pensava muito que minha vida tinha acabado, que meus sonhos tinham acabado e que não teria nenhum futuro pra mim.”
Esse é o relato de Suellen Jesus, uma jovem de 23 anos que reside no Paranoá, região administrativa do Distrito Federal. Aos 15 anos de idade, Suellen iniciou um relacionamento amoroso com um rapaz de seu ciclo de amizade. Apesar de conviverem, havia uma diferença de idade de sete anos. Enquanto ela tinha 16 anos, o namorado havia completado 23.
A jovem acreditava que o namorado aparentava ser mais maduro pela idade e, dessa maneira, tinha mais experiência com relacionamentos passados. Dividindo vivências e sonhos, o namorado afirmava que a sua maior realização pessoal seria através da chegada de um filho. Com três meses de namoro, a então adolescente descobriu que estava grávida.
Ao mesmo tempo que ela se sentia despreparada com a notícia, fantasiava a concretização do sonho do parceiro. A realidade de ainda estar na escola, no primeiro ano do ensino médio, pesava a consciência da jovem. Os objetivos pessoais diferiam dos planos do parceiro e isso a incomodava.
“Foi muito chocante pra mim, muito mesmo. Mesmo sabendo que os atos levariam a aquela consequência, ainda foi muito chocante pelo fato de que eu não sonhava daquela maneira… Não tinha terminado o ensino médio, não tinha nenhuma base, não tinha nada”, afirma a jovem.
Não houve atitudes vindas dele. Apesar das relações terem sido consensuais e Suellen ter consciência dos métodos contraceptivos, a jovem não tomava pílula e o rapaz não usava preservativo. A adolescente não conseguia enxergar que estava em um relacionamento abusivo, onde tinha sido afastada das pessoas de seu convívio. Suellen começou a perceber a situação em que estava inserida com dois meses de gestação, terminando a relação.
Ao refazer o itinerário do acontecimento que marcou a sua vida, Suellen descreve o sentimento de frustração por abdicar das suas próprias vontades para agradar o parceiro e relembra o momento em que anunciou a gravidez. Em um piscar de olhos, Suellen descobriu que o sonho do rapaz era apenas um discurso. Jovem e inexperiente, ela se via em uma nova realidade que assombra muitas mulheres: a solidão da maternidade.
Para Juliene Azevedo, Mestre e Doutora em Psicologia, em muitos casos, a reação do genitor está atrelada à relação estabelecida entre o casal, que muitas vezes são tóxicas. Sem conseguir distinguir os sentimentos pela imaturidade emocional, as adolescentes se encontram em uma realidade manipulada:“Até que ponto aquele ceder, ela cedeu a vida dela? Porque um filho vai ser para o resto da vida. Isso acontece muito, principalmente nesses namoros muito tóxicos, onde a pessoa até pede, mas será que ela pediu de verdade? Ou será que foi meu desejo? De querer realizar uma coisa que para ele era só um desejo, mas não era o desejo da vida. Então por isso que a gente tem que ter muito cuidado e a tendência desses primeiros namoros na adolescência é que sejam tóxicos, porque ainda não se tem a maturidade emocional de você se distanciar. A relação está muito intrínseca nos sentimentos.”
Confira o trecho completo:
Uma nova perspectiva
Dentre as emoções reprimidas, o receio do futuro prevalece. As adolescentes temem as críticas exteriores, o abandono e a nova trajetória que terão de trilhar. Com um filho, as rotas são recalculadas para um destino não acessado ainda.
Com 6 meses de gestação, Suellen conta que Helena quase veio ao mundo, mas chegou mesmo com 8 meses. Como nasceu prematura, passaram 21 dias internadas. Sem o apoio do namorado, os dias no hospital ajudaram-na a amadurecer e aperfeiçoar suas habilidades maternas.
A realidade pós-parto foi dura. Sozinha, além de assumir as responsabilidades, a adolescente já não imaginava como poderia realizar todos os sonhos que cultivava antes. O apoio em um momento tão significativo não fez parte da história de Suellen. A rotina escolar e as descobertas da adolescência foram substituídas pelas preocupações excessivas, as mudanças corporais, a privação do sono e a pressão social. Ela se via e estava sozinha.
“Eu não tinha mais vida, não tinha mais nada. O que eu vivia realmente ficou para trás. Eu tive que começar uma nova vida”.
Repentinamente, Suellen entrou para a estatística de mais de 11 milhões de mulheres que são mães solo. A análise foi atualizada em maio de 2023 pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas.
Segundo o levantamento da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC), em 2020, das 1.280.514 crianças, 6,31% foram registradas apenas com o nome das mães nas certidões de nascimento.
Entre um misto de emoções, a solidão e a vergonha predominavam. A sensação de abandono não concedia perspectivas de novos caminhos para o futuro da adolescente.
Lacunas
Ilustração: Criador de Imagens Bing/ Microsoft.
Um recente levantamento da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) revelou um aumento considerável no percentual de crianças registradas com a condição de “pai ausente”. Os dados apontam que, no período até 6 de junho de 2023, esse indicador subiu para 6,9%, em comparação aos 5,5% registrados em 2018.
Elas carregam não só o peso da responsabilidade da gestação, mas também a incerteza do amadurecimento precoce. A trajetória torna-se ainda mais desafiadora sem a presença dos familiares. A ausência paterna, principalmente, recai como uma ausência de ancoragem, a falta de um parceiro para compartilhar os sonhos, as alegrias e os desafios da maternidade.
“Ela mantém essa relação com ele e se mantém assim. Ele lá e a gente aqui. Às vezes, a gente pergunta alguma coisa. Às vezes eu falo alguma coisa dela. Às vezes eu levo ela lá. E é assim”, completa Suellen.
Vídeo do trecho:
A rotina repleta de “às vezes” é algo natural para a jovem Suellen. Medo, insegurança, apego e frustração são algumas das heranças de uma infância moldada pela falta de apoio paterno. Como um quebra-cabeça incompleto, o abandono é uma cicatriz que perdura.
A psicóloga e pedagoga Silvânia Werlang explica que bebês nascidos de mães depressivas podem apresentar desafios adicionais. Essa realidade é comum entre mães adolescentes, que precisam conciliar as complicações da rejeição e o amadurecimento precoce.
O ex-companheiro de Suellen chegou a pagar uma ultrassonografia, mas, ao longo dos meses, demonstrou-se pouco interessado no avanço da gestação e no bem-estar da adolescente. O pai de sua filha só a visitou uma semana depois do parto. “Eu estava com muito ódio. Ele tentou contato comigo algumas vezes, mas eu afastei ele de mim, mas também não teve interesse dele”, completa.
Suellen relata que também cresceu sem nenhum contato com seu pai, por isso, mesmo após o abandono material e afetivo, faz questão que a filha veja o pai, ainda que esporadicamente e com muito esforço. “Quando eu preciso de alguma coisa, eu tenho que insistir muito. Mas ainda assim eu não posso negar que ele é uma pessoa amorosa com ela. Eu acredito que tem muitas coisas que ele pode passar pra ela independente da situação que a gente viveu”, sintetiza.
Cicatrizes
Apesar das incontestáveis dificuldades da maternidade, Suellen encontrou nas artes marciais a motivação para continuar acreditando em seus sonhos e hoje treina para futuras competições. Finalizar os estudos e começar a graduação em psicologia também estão nos planos da jovem.
“Eu conheci uma amiga e ela me levou para o Kamikaze, a gente começou a treinar e eu coloquei mais uma meta de vida que foi a luta. A luta foi o que me deu muita direção. Me colocou no lugar, que eu ainda poderia sonhar. Os planos não mudaram tanto, mas adiaram muito”, finaliza.
Planejamento reprodutivo
Para a Secretaria de Saúde, o planejamento reprodutivo deve começar a partir da escolha de um método contraceptivo assertivo, com o intuito de prevenir uma segunda gestação. De acordo com estatísticas fornecidas pela SES, aproximadamente 30% das adolescentes tornam a engravidar novamente neste mesmo período.
Através do Sistema Único de Saúde (SUS), são disponibilizados diferentes métodos contraceptivos. Na fase da adolescência, o mais indicado são métodos reversíveis de longa duração, como o DIU. Inclusive, este pode ser inserido no pós-parto imediato.
Por Lorena Rodrigues e Maria Eduarda Bacellar
Supervisão: Gilberto Costa