Livro “Histórias Cruzadas” discute pautas indígenas para adolescentes

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

A escritora Eliana Martins, que atua principalmente em obras para o público infanto-juvenil, lançou, no final de fevereiro, o “Histórias Cruzadas”, que tem temática indígena. 

A “novela” conta a história da estudante secundarista Janaína, que vive as aflições do período pré-vestibular, e está em dúvida sobre o futuro. 

Esse sentimento se intensifica quando a menina começa a ter sonhos enigmáticos com um velho indígena, que pede sua ajuda. A escritora diz que buscou cruzar histórias de indígenas com temas contemporâneos. “Eu li muito, aprendi muito e amei fazer o livro”, afirmou a autora em entrevista à Agência Ceub. Confira a entrevista abaixo na íntegra

Agência Ceub – Qual foi a sua inspiração principal para escrever uma obra de personagem indígena?

 Eliana Martins – Os editores queriam um livro que falasse sobre indígenas, mas que exortasse e também contasse problemas. Foi aí que surgiu a ideia, da editora. Com a minha cabeça de escritor, saí de lá pensando… Como eu faria essa história que tinha que ser para o ensino médio. Então tinha que ser bem aprofundado o assunto. Mas, na semana seguinte, começou a pandemia (de covid-19). 

Eu tive que fazer todas as pesquisas em casa mesmo, entrando em contato com pessoas, com historiadores, com antropólogos. Foi assim que surgiu a história, depois eu precisava criar uma saga de personagens que não fossem indígenas, porque tinha que haver uma empatia com o leitor e depois, então, cruzar as histórias dos indígenas com as histórias contemporâneas. Essa foi a maior dificuldade que eu encontrei. Mas eu li muito, aprendi muito e amei fazer o livro.

Agência Ceub – Qual foi o seu principal desafio escrevendo esse livro?

 Eliana Martins – O principal desafio foi que eu não podia sair de casa por conta da pandemia. Depois fui conhecer duas aldeias aqui de São Paulo mesmo, onde eu moro. Todos me deram muita atenção, fotografei, participei um pouco da vida deles e deu para fazer essa pesquisa de campo que eu tanto queria, mas não cheguei a ir para o Amazonas. No entanto, eu acabei chegando em um indígena da aldeia que eu queria conhecer, na fronteira do Pará com o Mato Grosso. 

Eu precisava traduzir umas frases do português para a língua (da comunidade). Até esse momento, eu já tinha decidido que eu ia falar sobre os indígenas Panará que falam essa língua. Só que eu não encontrei ninguém dessas pessoas que me indicaram que soubessem o idioma. Eu cheguei  a esse indígena e ele me traduziu todas as frases que eu precisava. 

Agência Ceub – Você poderia explicar mais sobre o gênero da novela?

Eliana Martins – O gênero tem várias nuances e mistérios. Outro dia me perguntaram se era uma novela de suspense. A meu ver, é uma novela sobre relações humanas. São duas irmãs, Janaína e Jade. Janaína é a principal e Jade é a irmã. E tem o namorado também, que participa bastante. 

Além da saga toda, do sofrimento, de tudo que os indígenas passaram aqui no Brasil porque eu explorei desde 1947, quando os irmãos de Villas Boas participaram da expedição Roncador Xingu. Nesse andar da carruagem da história, não só os indígenas foram conhecendo os brancos, e perdendo um pouco do receio de se relacionar. 

Estou me referindo aos indígenas Panará, que foram os últimos a serem pacificados, lá no Nordeste do Pará. O livro vai contando sobre o que aconteceu com cenas da floresta, passa para o centro de São Paulo e volta para a Amazônia. 

Então, as próprias irmãs que achavam que se conheciam muito acabam encontrando alguns entreveros entre elas e depois acabam se perdoando. 

Agência Ceub – O que a Eliana de hoje aprendeu escrevendo esse livro? 

Eliana Martins – Como ser humano, envolvida no meu dia a dia aqui, não pensava [sobre isso]. Via reportagens às vezes, mas nunca me interessei em aprofundar. Só nesse momento em que eu comecei as pesquisas, que eu soube de tanta coisa que eles passaram. 

Porque se fala, “ah, Cabral não descobriu o Brasil, Cabral invadiu o Brasil porque o Brasil já tinha dono.” Isso é verdade, mas… É só isso que o pessoal sabe, mas muita coisa aconteceu. 

Aquele parque indígena do Xingu, que todo mundo achava que era uma coisa idílica, é um Xangrilá, finalmente os indígenas vão ter um lugar para eles. Eles foram retirados das suas aldeias e colocados lá porque o lugar onde eles moravam ia passar uma estrada. 

Dentro do parque, ficaram aldeias que não se davam bem, que eram inimigas. E aí virou um rebuliço. 

Não tinha plantação para todo mundo, não tinha espaço para todo mundo. Os Kayapó, que eram uma aldeia inimiga dos Panará, estavam ali junto com eles. O que houve de extermínio indireto de indígenas foi absurdo. Eles entraram em depressão. Não só por causa de guerrear entre si, mas por causa de doenças que eles adquiriram. 

Uma coisa que me impactou por completo foi que eu fui fazer uma entrevista com uma indígena. Essa moça me contou muitas coisas da aldeia onde ela viveu e me disse uma coisa que eu nunca mais vou esquecer: “Que a floresta… dá tudo o que a pessoa precisa. Que indígena nenhum precisaria sair de lá para viver bem, mas que os brancos obrigaram. E que por esse motivo a gente tem que respeitar a floresta.” 

Eu entendi nesse momento o que estão fazendo com a Amazônia, com a floresta amazônica. E o quanto isso já está prejudicando o povo em geral. 

A floresta tem que ser respeitada e o ser humano também tem que ser respeitado dentro das suas possibilidades, dentro do seu modo de vida. A gente tem que aceitar o outro como o outro é. Essa foi a lição maior que eu tirei dessa convivência com os indígenas.

Por Luísa Mello
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress