60 anos do golpe: “Nós éramos meninos quando fomos torturados”, diz ex-universitário

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O dia era 29 de agosto de 1968. A manhã era ensolarada e de tempo seco. O estudante de economia Cláudio Almeida, da Universidade de Brasília, não tinha motivos para pensar que aquele seria um dia atípico na universidade.

Foi para sua aula de ciência política e sentou-se confortavelmente na cadeira, os corredores do Instituto Central de Ciências, prédio principal da universidade, estavam lotados de estudantes que iam rotineiramente para suas respectivas aulas.

Até que em poucos minutos, tudo mudou, os gritos que ecoavam pelas paredes do prédio eram de denúncia e medo “Prenderam Honestino. Levaram o Honestino”. Aquela foi a terceira, e mais violenta, invasão da Universidade de Brasília. 

Cláudio Almeida tinha 22 anos e participava junto com Honestino Guimarães da Federação dos Estudantes da UnB, a Feub, que funcionava como um diretório dos estudantes da universidade.

A organização era responsável por mobilizar universitários contra o regime e no dia da invasão Honestino e Cláudio foram presos.

Cláudio de Almeida (centro), aos 22 anos, sendo preso durante invasão militar à UnB em 1968 — Foto: Arquivo pessoal

“Eles tratavam estudantes como bandidos mesmo. Eles começaram a atirar para matar. Vi gente que levou tiro na cabeça, tentávamos ajudar, mas não tínhamos nada. Eles tinham balas 45, 38 calibre e a gente só podia jogar pedra, diz Cláudio Almeida.

Invasão

O historiador e professor Deusdedith Zezeu Rocha explica que a invasão na UnB em 1968 foi um marco que gerou visibilidade para outros milhares de movimentos estudantis que eram reprimidos com violência por todo o país. “A universidade vivia um momento de muita tensão entre professores alinhados ao regime e alunos de movimentos políticos contrários”, diz.

Após a prisão, Cláudio foi detido no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social que, segundo ele, era um dos lugares de tortura, dentre muitos em Brasília. “Era ali que acontecia também a censura no Brasil, onde passavam os filmes, as músicas e as notícias. Toda a censura do país passava por lá. Tinham passado também muitas pessoas. Tinha muito sangue”

Cláudio ficou seis meses preso e, ao ser levado para o Exército, seus depoimentos começaram.

“A tortura é uma das piores coisas que existe. Ninguém tem preparo psicológico para aguentar essa dor e esse mal trato. A gente era tudo menino”

Cláudio Almeida nos dias de hoje. Foto: Maria Beatriz Giusti

Lembrar …

O dia 1° de abril de 2024 marca os 60 anos do golpe militar. Cerimônias que foram preparadas para o dia foram canceladas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

O jornalista e perseguido político, Hélio Doyle, discorda da posição do governo em não querer relembrar o golpe.

“Eu acho um erro. Na minha visão, um erro entre tantos. Isso vem de um temor dos militares, um temor que existe até hoje. Não faz sentido. Ou é temor ou acordo”, ressalta Doyle ao ser perguntado de o porquê o Lula desfez as solenidades.

Hélio Doyle foi preso, torturado e censurado pelo seu trabalho como jornalista e seu engajamento com movimentos estudantis e de esquerda.

Hélio defende a importância sobre a memória do país: “Eu não tenho ódio, mas não quero esquecer. A memória é fundamental para a gente entender o presente e o futuro. A gente não esquece.”

Jornalista Hélio Doyle recorda fatos da ditadura. Foto: Juliana Sousa

O historiador Zezeu também defende a importância de compreender o passado do Brasil e do mundo, mesmo que conflituoso.

“Todo momento é de discutir os conflitos do passado. A nossa realidade e nossa história são marcadas por  violência e negação de direitos sociais e políticos”. 

Hélio Doyle ainda entende que hoje tem muita gente que defende mais a permanência do governo para preservar suas vontades do que por concordar com suas ideias.

Na época da ditadura, não todos, mas alguns integrantes do MDB podiam ser muito mais combativos, mesmo com a censura, do que o próprio PT hoje.”

Cláudio ainda é assombrado pelos seis meses que foi preso e se lembra de Honestino com carinho. “É uma decepção muito grande quando eu vejo gente pedindo a ditadura, eu perdi muitos amigos nessa época. O sentimento é de impotência, tristeza e se não houver uma conscientização muito séria eles podem voltar.” O sobrevivente conclui: “O mundo hoje banaliza a dor e a crueldade”. 

Cartaz na Universidade de Brasília. Foto: Maria Beatriz Giusti

Por Júlia Lopes, Juliana Sousa e Maria Beatriz Giusti 

Supervisão: Luiz Claudio Ferreira 

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