A cada último sábado do mês, é dia de remar na canoa, sentir as águas do Lago Paranoá molharem os pés e também saborear um vento de esperança.
Para crianças e adolescentes em vulnerabilidade e em situação de acolhimento no Distrito Federal, o projeto de empreendedorismo social “Filhos da Nação” significa mais do que o movimento do remo. A ideia é atender, em breve, pelo menos 300 meninas e meninos. O projeto iniciou vendas de roupas esportivas para colaborar com o presente e o futuro de quem parecia sem perspectiva.
O projeto foi criado pela terapeuta Gabriela Speziale e pelo marido, o fotógrafo Tiago Souzza. A ideia do projeto Filhos da Nação era inicialmente promover a prática de canoagem havaiana e Sup (stand up paddle) para crianças que residem em instituições de acolhimento.

Intenções
O projeto acontece todo último sábado do mês, no clube da Ascade, e buscava, inicialmente, proporcionar positividade e bem-estar para esses jovens em situação de vulnerabilidade social.
No começo de 2017, quando iniciou, o projeto tinha uma estrutura com apenas cinco pranchas para a prática, e era feito na Prainha do Lago Norte (banhada pelo Lago Paranoá).
“A gente viu que o lugar lá era inadequado porque, quando chegou o verão, comerciantes começaram a servir cachaça na bandeja. A gente sabia que os meninos atendidos pelo projeto tinham histórico de alcoolismo na família. Não podiam ficar vendo aquilo”, explica a terapeuta Gabriela.

Impactos
Já no final daquele ano, eles conseguiram fazer uma parceria com o clube Ascade, quando o local criou a escola de SUP. O casal levou o projeto para lá com o propósito de gerar um impacto social.
Um dos impactos foi na vida de Cauã*. Ele foi adotado em 2017 por uma família italiana, quando o garoto tinha apenas 11 anos de idade. Cauã tinha outros três irmãos, mas apenas um deles foi levado com ele. Após um ano, os garotos foram devolvidos e voltaram ao Brasil. Cauã ficou abalado e se fechou para o mundo.
O Projeto Filhos da Nação mudou o olhar. Ao se ver remando em uma foto do dia de projeto, Cauã viu que era capaz, e disse que não tinha mais vergonha. Hoje, o garoto tem 18 anos e foi adotado por outra família Italiana.
Parcerias
“No final de 2021, com o projeto no clube, uma outra escola de canoagem havaiana, a CPP Extreme, chamou a gente para entrar como sócios dele”, conta Gabriela.
Atualmente, o projeto conta com uma média de 10 a 15 crianças por aula, majoritariamente, as crianças ajudadas pelo Filhos da Nação vêm de cidades de duas entidades assistenciais periféricas, das regiões de Ceilândia e Sobradinho. A quantidade de alunos é o suficiente para encher duas canoas havaianas.

Cada uma tem capacidade de seis pessoas, e, caso necessário, utilizando também das pranchas de SUP. Com auxílio da sua formação em psicoterapia junguiana, Gabriela desenvolveu uma tecnologia social com objetivo de conectar as crianças com o autoconhecimento, esporte e a natureza.
Financiamento
Como forma de busca de mais financiamento, eles inscreveram o projeto na Lei nº 11.438/06 – Lei de Incentivo ao Esporte (LIE).
De acordo com o portal do Ministério do Esporte, a lei “permite que recursos provenientes de renúncia fiscal sejam aplicados em projetos das diversas manifestações desportivas e paradesportivas distribuídos por todo o território nacional”.
Com o projeto aprovado na lei, o casal quer atender até 300 crianças por ano. Para isso, eles precisam da captação de recursos através de empresas que declaram lucro real.
Assim, utilizando da estratégia pitch, que consiste em vender a sua ideia para um investidor em potencial num curto período de tempo, Gabriela e Tiago correram atrás de empresas e apresentaram o potencial do seu projeto.
“A gente teve uma apresentação de pitch . Ela é bancada, quem banca é a Neoenergia. Faremos no dia 15 de junho agora, um Remo Day, que vai ser bancado pela empresa. A gente vai trazer outros 30 adolescentes que nunca vieram remar com a gente para remarem uma tarde aqui”, contou Gabriela.
Marca
Em 2023, o casal criou a marca OndaSup, que significa Onda de Superação. Através do programa ALI Transformação Digital, promovido pelo Sebrar, implementaram uma ferramenta digital para aumentar a produtividade da empresa.
Assim, eles iniciaram a venda de roupas relacionadas à canoagem e ao SUP através de um site profissional, obtendo apoio com cursos e acelerações de marcas como a Reserva, para que pudessem ter mais retorno financeiro e investir no projeto social.
“É assim, a gente coloca tudo no bojo da Onda Sup. É como se fosse a Onda Sup fosse a holding. Na CPP, a gente tem um sócio, no Onda Sup Club a gente tem outros dois sócios, mas está tudo conectado”, explicou a coordenadora do projeto.
Investimentos
As escolas OndaSup Club e a CPP Extreme se tornaram investimentos voltados para o financiamento e desenvolvimento do próprio projeto social, tendo rendido até R$ 8 mil mensais no ano passado.
Em busca de ajudar mais crianças, eles pretendem expandir e melhorar seus negócios para alcançar maior estabilidade financeira para poderem ampliar os locais de aulas e melhorias nos materiais utilizados nas aulas, além da estrutura para captação de mais crianças para o projeto “Filhos da Nação”.
Gabriela e Tiago destacam que o projeto sempre terá foco na ajuda para crianças em situação de vulnerabilidade social, contando que cadastraram suas empresas como “empresas com fins semi-lucrativos”, mas voltando grande parte de seus lucros para melhorias no Filhos da Nação.
Isso porque, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Distrito Federal tem 404 crianças em lares de acolhimento, sendo 81 delas aptas para serem adotadas.
Por Caetano Yamamoto, Iago Mac Cord e Lucas Alarcão
Fotos: Tiago Souzza/Divulgação
Sob supervisão do professor Luiz Claudio Ferreira