Doze anos depois, a ministra preside a Corte Eleitoral pela segunda vez; Mulheres na magistratura ainda são minoria

Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Depois de 22 anos que o voto feminino foi reconhecido no Brasil, nasceu uma menina na cidade de Montes Claros (MG), em 1954, com vários sonhos, um deles era cursar direito, e conseguiu.
Mal sabia que décadas depois teria uma carreira de sucesso na jurisprudência, se tornando a primeira mulher a ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF) e a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Enquanto exercia o cargo de procuradora do Estado de Minas Gerais, foi escolhida pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em 2006, para ser uma das ministras do STF.
Ela aceitou, e até hoje é a única mulher entre os dez ministros do Supremo. Em 2012, pela primeira vez em 80 anos de Justiça Eleitoral, Cármen Lúcia Antunes Rocha toma posse como primeira mulher presidente do TSE, no governo de Dilma Rousseff.
Depois de doze anos, a ministra voltou a ocupar a cadeira de presidente da Corte Eleitoral.
Aos 70 anos, ela tomou posse na última segunda-feira (3), sendo a primeira mulher a presidir o TSE por duas vezes, com a missão de coordenar as eleições municipais de 2024, que acontecerão em outubro. O mandato da magistrada vai até 2026.
Na cerimônia de posse, o ministro Alexandre de Moraes, antecessor da casa, destacou a atuação feminina, representada por Cármen Lúcia, na Justiça Eleitoral.
“Foi e continuará sendo a grande propulsora da efetividade e da igualdade de participação das mulheres na política e na luta contra a fraude à cota de gênero”.
Durante a história da Corte Eleitoral, foram 48 ministros homens presidentes do TSE em um período de 92 anos. Apenas Cármen Lúcia e Rosa Weber foram as únicas mulheres a ocuparem uma cadeira presidencial no TSE. Rosa Weber foi a segunda mulher a ocupar a presidência, em 2018, e também foi a segunda mulher a ser indicada ao Supremo, em 2011, permanecendo até 2023. Lúcia e Weber também foram as únicas mulheres presidentes do STF.
Normalizar mulheres
Para a cientista social e historiadora Ana Prestes, a posse da ministra Cármen Lúcia na presidência do TSE mostra que é possível chegar a estes espaços e serve como um estímulo ao imaginário popular para que ele comece a normalizar mulheres nas esferas de poder. Apesar do marco, a especialista relembra a dificuldade que é para mulheres chegar nele, porque a estrutura judiciária brasileira ainda é “elitista e machista”.
“Por mais que tenham mulheres com acesso aos recursos educacionais e boas condições de se preparar para os saberes judiciários, ela enfrenta uma barreira cultural que ainda perdura, como o de questionamento do lugar da mulher na esfera decisória e que se manifesta na socialização desde pequenas enquanto meninas, seja em casa, na escola, na igreja e até mesmo na arte e na cultura. Por isso, até em termos de imagens, ainda não estamos acostumados a ver muitas mulheres de toga nos mais altos cargos da magistratura.”
No último relatório da ‘Participação Feminina na Magistratura’ do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 38% dos cargos de magistratura eram ocupados por mulheres, 25% eram de desembargadoras e outros 25% de ministras de tribunais superiores.
Ana Prestes diz que esses dados revelam uma sub-representação, tendo em vista que as mulheres formam mais da metade da população brasileira e não são oficialmente representadas em lugares de poder.
Lideranças
A professora e integrante do Comitê executivo da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas, Michelle Fernandez comenta que as mulheres estão “excessivamente cansadas” com as tarefas de casa e da família, e por isso não conseguem se desenvolver como líderes, em posições de tomada de decisão.
“As tarefas de cuidado acabam sendo um grande empecilho para as mulheres ocuparem lugares de liderança. A gente precisa de políticas públicas que viabilizem, de forma material, liberar mulheres para que elas possam deixar suas casas e suas atividades de cuidado e assim conseguir ocupar outros espaços de liderança (fora de casa)” , destaca Fernandez.
Para Ana Prestes, é preciso políticas de incentivo ao acesso e políticas afirmativas, com reservas de vagas e cadeiras destinadas apenas às mulheres. “É preciso também uma ação política-cultural transversal, que atravesse desde a formação escolar, técnica e universitária até os espaços de trabalho, convivência e lazer”, complementa Prestes, que também é autora e organizadora do livro “100 Anos da Luta das Mulheres pelo Voto”
Por Paloma Castro
Supervisão de Isa Stacciarini e Luiz Claudio Ferreira