De área rural à UnB: professor dormia no campus Darcy Ribeiro até se formar em física

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Professor que morava em Brazlândia conta em detalhes a sua experiência de morar na
UnB.

Foto: reprodução colégio CIMAN

O professor de física, Leonardo Kuhn, 42, ex-aluno da Universidade de Brasília
(UnB), compartilha os desafios que enfrentou durante a jornada acadêmica, dando
destaque às dificuldades de sair de casa e à luta diária para sobreviver no Plano Piloto.

“Eu me lembro, por exemplo, de passar o dia inteiro estudando na biblioteca da UnB. Agora,
para mim, esse não foi o maior desafio. Mas foi o dia a dia mesmo. Encontrar um lugar para
tomar banho, conseguir comer alguma coisa, encontrar um lugar para dormir.”

O educador também revela momentos de tensão e superação, como noites
dormidas em paradas de ônibus na L2 e W3 Norte e banho gelado no campus.

“Eu tomava banho segurando a minha toalha, minha roupa limpa, em cima de mim. Era um momento
tenso”.

Porém, mesmo repleto de adversidades, o professor encontrou maneiras de
continuar os estudos e de se formar na universidade. “Eu pensava em desistir quase todo
dia. Mas o que me motivou a persistir foi a falta de perspectiva se eu não fizesse.”

Confira abaixo a entrevista

Qual foi a sua experiência como aluno da UnB?

De que forma você venceu o desafio de morar longe e ter que ficar durante a semana no plano piloto para estudar? Foram muitos desafios diferentes. O desafio intelectual, claro, de fazer física, enfrentar as
matérias de cálculos. Eu me lembro, por exemplo, de passar o dia inteiro estudando na
biblioteca da UnB. Agora, para mim, esse não foi o maior desafio. Mas foi o dia a dia
mesmo. Encontrar um lugar para tomar banho, conseguir comer alguma coisa, encontrar
um lugar para dormir. Isso foi um tipo de desafio que acaba sendo mais difícil.

Tinha chuveiro lá?
Eu tomava banho lá no banheiro da UnB. Não tinha chuveiro, era só o cano saindo com
uma água geladíssima. E eu deixava para tomar banho à noite, porque tinha menos gente
lá no campus. Eu tomava banho segurando a minha toalha, minha roupa limpa, em cima de
mim. Era um momento tenso. Sempre pensava o horário, o lugar em que eu ia. Muito tenso

Como era a rotina do dia a dia? Onde você se alimentava, onde você dormia, essas
coisas?
Para comer, a opção mais barata era o RU, restaurante universitário. Eu não sei quanto é
hoje, mas na época eram R$ 0,50. O problema do RU pra mim era porque a alimentação só
era servida no almoço e no jantar. Então, eu costumava pegar frutas na hora do almoço que
eram entregues como sobremesa e quando acabava de almoçar, eu enchia os bolsos de
frutas. E a minha ideia sempre era guardar para no dia seguinte, comer no café da manhã.
No final de semana eu ia ao mercado e comprava sal e miojo. Aí eu fazia miojo no
microondas que tinha no Centro Acadêmico de Física. Eu fazia o miojo no microondas e
botava o miojo dentro do pão. Um buraco no pão para botar o miojo.

Houve momentos em que você pensou em desistir e o que te motivou a continuar em
frente?

Eu pensava em desistir quase todo dia. Mas o que me motivou a perseguir foi a falta de
perspectiva se eu não fizesse. “Se eu não continuar, o que vai ser de mim? Eu pensei, não,
vou ter uma vida muito lascada. Então, vai passar, vai ser ruim, mas vou ter que fazer.”

Quais foram os maiores desafios que você enfrentou morando lá?
O lugar para dormir. Algumas vezes eu dormia dentro do CA, Centro Acadêmico da UnB, no
sofá. Mas, às vezes, a galera ficava lá estudando durante a noite, tinha muita gente que
ficava no CA estudando à noite. E aí eu não conseguia dormir lá. Por isso, eu procurava
outros lugares para dormir, e sempre eram experiências ruins. Dormia em parada de ônibus
na L2, ou então na W3, que era ainda pior. Eu dormia do lado antigo do prédio da Secretaria
de Educação, que era na L2 Norte. Ali eram uns dos melhores lugares que eu dormia,
quando não era no CA. Lá eu pelo menos tinha uns arbustos que eu conseguia botar para
conseguir dormir.

E quais conselhos você daria aos alunos que estão passando por dificuldades
financeiras enquanto estudam?

Não desistir. Eu acho que tem um conselho melhor que esse. Continuar na luta, porque não
tem outra opção.

Se você pudesse voltar no tempo, você repetiria tudo de novo ou mudaria alguma
coisa?

Tudo de novo.

Qual foi a situação mais difícil que você já passou dormindo lá? Você se lembra de
alguma situação que foi diferente?

De ser constrangido à noite. Lembro de dormir, por exemplo, em parada, e acordar com a
polícia, botando o holofote, mandando levantar, esculachando, mandando sair. Eu acordava
sem saber o que estava acontecendo, meio assustado e tal, e saindo sem pensar porque eu
tinha que sair. Talvez tenha sido a pior situação.

Você sentiu em algum momento negligenciado pelo governo ou pela instituição UnB
ou de alguma forma assim?

Acho que dava para ter tido talvez um suporte maior. Mas não me incomodou tanto, porque
eu sei que as pessoas que conseguiram as pessoas precisavam mais do que eu. Eu acabei
aceitando numa boa. Mas podia ter mais vagas.

Você recebeu algum tipo de apoio de seus colegas, professores ou personagens da
faculdade?

De colegas, sim. Alguns colegas me deixavam de vez em quando dormir na casa, levavam
para lavar roupa, tomar banho quente… De vez em quando eles me convidavam no final de
semana ou algum dia à noite. Até de pagar o RU eu recebi o suporte dos meus colegas.

Qual foi o nível de dificuldade que você encontrou para conseguir emprego na área,
mesmo não sendo formado?

Quase zero. No meu segundo semestre eu consegui um emprego num cursinho comunitário na Candangolândia, eles não pagavam muito bem o funcionário. E no terceiro semestre eu
consegui pegar contrato com a Secretaria de Educação, o que melhorou bastante na minha
vida. E depois disso, consegui pagar aluguel em uma quitinete. Com isso eu montei uma
república, porque senão eu ia gastar quase todo o meu salário pagando o aluguel lá. E aí a
vida melhorou. Nisso começou a sobrar um pouquinho de dinheiro, eu comprei um carro
usado.

Por Carolina Chendes, Beatriz Vasconcelos, Giovanna Torres e Letícia Corrêa

Supervisão de Isa Stacciarini

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A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

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