Cerrado em chamas: queimadas ameaçam a biodiversidade; gerente na Chapada diz que é preciso mais adesão para prevenção

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As queimadas no Cerrado brasileiro seguem um padrão cíclico que preocupa especialistas, e os dados revelam a crescente gravidade dessa situação ao longo dos anos. O bioma, conhecido por sua rica biodiversidade e importância para a regulação climática, sofre particularmente nos meses secos.

Entre agosto e setembro, quando as temperaturas elevadas e a baixa umidade do ar intensificam a propagação de incêndios.

Em 2010, o Cerrado viveu um de seus momentos mais críticos, com o assustador registro de 133.394 focos de incêndio ao longo do ano.

Apenas em setembro, o número de focos atingiu 52.491, estabelecendo um recorde devastador que marcou o bioma.

Esta concentração de queimadas durante o pico da seca expõe a fragilidade do Cerrado frente às mudanças climáticas e à ação humana. Com destaque ao desmatamento e o uso descontrolado do fogo para fins agrícolas.

Leia também sobre prevenir as queimadas

Dados (do maior ao menor)

Piores anosNúmeros de queimadas
2010133.394
200388.450
200485.747
200281.784
200580.930
201575.094
202269.148
201968.228
201267.304
200766.358
201365.871
202163.819
201763.719
201161.822
201461.793
200858.934
201658.689
200656.880
202048.329
199847.706
200046.323
200144.809
199943.850
201839.449
200935.899
202334.493
Dados coletados no Programa de Queimadas do INPE

A análise dos dados históricos mostra que a situação não tem se revertido ao longo dos anos. Embora 2022 tenha tido uma redução em relação aos piores momentos, com 69.148 focos de incêndio, 2023 já apresenta sinais de um novo aumento, com agosto atingindo 5.217 focos, um número preocupante e próximo de outros anos críticos, ainda segundo o Inpe.

Entre as médias mensais ao longo da série histórica, agosto e setembro são, sem dúvida, os períodos mais perigosos, reforçando a sazonalidade das queimadas no bioma.

Essa escalada nos focos de incêndio tem consequências devastadoras para a fauna e a flora locais.

O Cerrado, considerado a savana mais biodiversa do planeta, perde espécies inteiras a cada ciclo de queimadas. A regeneração dessas áreas destruídas é lenta e, muitas vezes, incompleta. Além disso, os incêndios contribuem significativamente para as emissões de gases de efeito estufa, acelerando o processo de mudanças climáticas. 

O cenário atual exige ações urgentes de monitoramento e prevenção para reverter o avanço das queimadas e garantir a preservação desse bioma crucial para o equilíbrio ambiental do Brasil e do mundo.

Chapada dos Guimarães 

Brigadistas do Instituto Chico Mendes (ICMBio) e do Ibama/PrevFogo atuaram de forma intensa no combate a incêndios florestais que atingiram áreas dentro e fora do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães.

Com 36.290 hectares queimados, 3.807 deles na área do parque, as regiões mais afetadas incluem Mutuquinha e Fazenda Chafariz. Enquanto as áreas de Coxipó (MT) e Vale da Benção (MT) seguem sendo monitoradas. 

No total, 30 brigadistas estiveram na linha de frente dos combates.

No entanto, as condições climáticas severas, com temperaturas elevadas e ventos fortes, dificultaram a extinção completa dos focos de incêndio.

Diante do aumento dos focos de calor e do risco de novos incêndios, o Parque Nacional fechou todos os seus atrativos turísticos, incluindo a cachoeira Véu de Noiva, formada pelo rio Coxipózinho, que, embora esteja com vazão reduzida devido à estiagem, mantém seu fluxo. 

As principais cabeceiras do rio, protegidas dentro do parque, são responsáveis pelo abastecimento de água para cerca de 40% da população de Cuiabá (MT), o que ressalta a importância estratégica da preservação desse ecossistema.

Prevenção

O gerente regional da APA Estadual de Chapada dos Guimarães, Neuzismar Romualdo da Costa, explica que a situação exige uma abordagem coordenada. Tanto na prevenção quanto no combate aos incêndios florestais. 

“A APA Chapada está sobreposta ao município, então temos certa autonomia para discutir as medidas de combate e prevenção. Grande parte dos incêndios não começam dentro da área de proteção, mas se alastram de fora. Por isso adotamos medidas preventivas, como a notificação de fazendeiros para a criação de aceiros. Além de parcerias estratégicas com a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros para monitoramento”, relata.

Neuzismar da Costa destaca o trabalho com o monitoramento via câmeras instaladas pela Defesa Civil. O que tem permitido rápida detecção e resposta aos focos de incêndio. “Conseguimos, através dessa tecnologia, identificar coordenadas precisas, o que facilita muito a localização do fogo, permitindo uma ação mais rápida.”

Ele também enfatiza a importância das parcerias com a comunidade local: “Temos trabalhado em conjunto com representantes comunitários que conhecem o território e nos auxiliam a chegar rapidamente aos locais críticos. Isso é fundamental para a eficácia das operações de combate”, explica.

No entanto, há desafios, como a falta de interesse de algumas comunidades em se envolver ativamente na prevenção. “Oferecemos cursos de brigadista e equipamentos, mas em algumas localidades não tivemos adesão suficiente”, lamenta.

Sobre a recuperação das áreas afetadas, Neuzismar afirma que será necessário um levantamento especializado para entender as necessidades específicas de cada região. “Parte da vegetação foi severamente atingida, como pastagens e mata fechada, e cada área terá que ser recuperada de forma diferente.”

Por fim, ele chama a atenção para a necessidade de programas de conscientização, que ainda não são suficientes na região, mas que podem ser essenciais para engajar a população na preservação. “Ainda não existem programas robustos, mas estamos nos movimentando para que isso mude”, conclui.

Parque Nacional de Brasília

Através de uma nota à reportagem da Agência Ceub, o ICMBio afirma que o incêndio que devastou 1.473 hectares do Parque Nacional de Brasília está sob controle. E agora a operação entra em uma fase crucial de monitoramento e vigilância. Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) estão focados no resfriamento e na eliminação dos chamados “pontos quentes” – áreas ainda com focos de fumaça e incêndio subterrâneo na camada de turfa. 

Segundo Larissa Diehl, chefe do parque e comandante do incidente, essa etapa é essencial para garantir que o fogo não se reinicie. “O incêndio só será declarado extinto quando não houver mais nenhum ponto de fumaça”, afirmou. Até que se alcance esse status, o parque continuará fechado ao público.

Além da atuação direta no combate às chamas, a operação envolveu também ações preventivas que ajudaram a evitar que o fogo se espalhasse para áreas adjacentes, como a Reserva Biológica da Contagem. O uso de queimas prescritas, medidas adotadas pelo ICMBio no início do ano, provou ser eficaz para conter o avanço das chamas na área. Paralelamente, a fiscalização dentro e fora do parque foi intensificada para coibir a ocorrência de novos incêndios. Lembrando que provocar queimadas é crime ambiental, sujeito a penalidades de até R$ 5 mil por hectare.

Fauna brasiliense

A operação também incluiu o resgate de animais afetados pelo incêndio. Em parceria com o Zoológico de Brasília, o ICMBio está monitorando as áreas queimadas em busca de animais feridos. Até o momento, duas antas foram resgatadas: um macho jovem com queimaduras nas patas, que foi levado ao zoológico para tratamento. E um filhote de fêmea que, embora não tenha sido diretamente afetado pelo fogo, sofreu graves lesões após ser atacado por cachorros. 

O filhote está em estado crítico no Hospital Veterinário do HUB, onde foi diagnosticado com suspeita de pneumonia. Apesar da gravidade, seu quadro de saúde tem apresentado sinais de melhora.

Até agora, não foram identificados outros casos de fauna severamente impactada ou em estado de desnutrição. Razão pela qual o parque informou que, no momento, não está recebendo doações de alimentos para os animais.

Resgate de fauna do cerrado intensificado

O Cerrado tem registrado um aumento expressivo nos focos de calor em 2024. Até 15 de setembro, foram contabilizados 60.056 focos de incêndio no bioma, número que se aproxima dos picos observados em anos anteriores, como os 68.819 focos registrados em 2020.

O avanço das queimadas preocupa ambientalistas e autoridades, devido ao impacto na biodiversidade e nas comunidades locais.

Diante desse cenário, o Ibama, em parceria com os estados e o ICMBio, intensificou as ações de combate aos incêndios, com foco na proteção da fauna silvestre.

Equipes de resgate formadas por veterinários, biólogos e técnicos atuam tanto durante os incêndios quanto após a contenção das chamas. Até o momento, 619 animais foram resgatados em áreas atingidas, recebendo suporte nutricional e água, além de serem realocados quando necessário.

As operações, que também abrangem outros biomas como a Amazônia e o Pantanal, são realizadas em conjunto com investigações para apurar as causas dos incêndios, incluindo possíveis ações criminosas. Segundo os dados mais recentes, 10.793.125 hectares do Cerrado já foram queimados, o equivalente a 5,44% da área total do bioma.

Quando questionado, o órgão Ibama apenas instruiu a conferir os boletins que os órgãos responsáveis estão lançando sobre o andamento das queimadas e os resgates dos animais.

Por Ana Beatriz Cabral Cavalcante

Supervisão de Luiz Cláudio Ferreira

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