“Vende-se monografia”: flagrantes do comércio ilegal

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

Eles trabalham com horário marcado, parcelamento em até cinco vezes e ainda com garantia de entrega no prazo. Anunciam em postes, folhetos e ganharam força em sites de comércio na internet. No entanto, é ilegal o comércio de monografias (trabalho acadêmico solicitado na maior parte das vezes no final do curso de graduação). A fraude pode ser enquadrada no crime de falsidade ideológica. “Vendedor” e comprador podem responder pela contravenção que pode render até cinco anos de cadeia. Os comerciantes se apresentam como professores e se dispõem a, em contato com uma “equipe”, escrever sobre qualquer tipo de assunto. Todo cidadão pode denunciar o crime caso tenha conhecimento para a Polícia Civil ou mesmo para o Ministério Público. Professores de instituições de ensino superior também devem ficar de olho vivo para não compactuar com uma farsa no que deveria ser um importante rito de passagem.

A equipe de reportagem encontrou o serviço oferecido por preços que variaram de R$ 300 a R$ 3.000. De acordo com o delegado da Divisão de Comunicação da Polícia Civil, Paulo Henrique de Almeida, a polícia trabalha com a expectativa de receber denúncias para ajudar na fiscalização e na elucidação desse tipo de crime. Segundo o delegado, são poucos os casos que chegam à delegacia. “Muitas vezes já são resolvidos na própria esfera acadêmica. O trabalho é anulado e aluno é reprovado e isso não vai ao ambiente policial”, afirmou.

Confira entrevista com o delegado:

O policial esclarece que é permitido contratar terceiros para fazer correção ortográfica do trabalho ou até colaborar para orientação sobre as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). O que não se pode é que a propriedade intelectual seja atribuída a alguém que não fez o trabalho. Cientes dessa diferenciação, muitos dos vendedores de monografias usam termos cuidadosos, como “orientação” e “instrução” para “ajudar” o aluno a fazer o trabalho e dificultar que descubram que fazem o estudo acadêmico pela pessoa que está a um passo de se formar.

Segundo o artigo da Polícia Civil do Estado de Goiás de 2013, alguns juristas ainda categorizam o crime no artigo 184 do Código Penal, pois se trata de utilização de direito autoral do autor (violação). De acordo com um dos entrevistados que vendia monografia pela internet, ele cede os direitos autorais para o aluno que adquire seus serviços. Porém, ele ainda se enquadra em caso de falsidade ideológica.

Arte: Lorena Lima
Entenda o que é o crime de  falsidade ideológica. Arte: Lorena Lima. (Clique na imagem para amplia-la)

O delegado Paulo Henrique relata uma estratégia que os vendedores de monografia utilizam para tentar escapar da mira das instituições de ensino e da polícia. “É puro plágio, eles pegam monografias prontas, copiam de vários trabalhos e embaralham todos eles para driblar os programas de computador”, disse o delegado Paulo Almeida.

A instituição

Essa situação surpreendente preocupa os educadores. Para eles, o aluno não só não vai adquirir conhecimento, mas vai ao mercado de trabalho sem o devido preparo. Para a professora Renata Bittencourt, que ministra a disciplina de Metodologia Científica, o objetivo do trabalho acadêmico de conclusão de curso é fazer com que o aluno esteja apto a pensar, desenvolver o próprio raciocínio, refletir e criar a partir de seus conhecimentos e suas experiências no assunto. Habilidades que não seriam possíveis de serem desenvolvidas por intermédio da compra do trabalho.

Segundo a docente, o diferencial hoje para a atuação no mercado de trabalho é ser competente para fazer coisas diferentes e criar novos cenários. “Quando você faz monografia rápida só para cumprir aquilo, você não está se preparando para modificar as estruturas já existentes do mercado, você está no máximo se preparando para dar continuidade àquilo que tá ali, do jeito que está e pronto”.

A professora explica ainda que, no decorrer do processo de produção do trabalho científico, é necessário que o orientador perceba como está o andamento o trabalho, se o aluno tem envolvimento com o tema e é possível desconfiar quando ele não entende nada das observações nos encontros e entrega um texto completo. “Se ele não participou do processo de orientação, eu não me responsabilizo, pois também é meu nome que vai como orientadora daquele aluno”, exemplificou.

Monografias são livremente vendidas nas páginas da web
Monografias são livremente vendidas nas páginas da web. (Clique para aumentar)

A diferença entre a graduação e um curso técnico é ter como base o ensino, a pesquisa e a extensão. “O ensino é esse conteúdo obrigatório, a pesquisa te faz aprender a pensar, ter seu próprio conhecimento e avançar o conhecimento em determinada área e a extensão para trazer realmente essa parte da responsabilidade dele como cidadão”, explica Renata Bittencourt.

Para a professora Claudia Busato, que também é orientadora em métodos de pesquisa, esse é um trabalho que tem certo tempo de maturação e que requer uma reflexão e análise. De acordo com ela, não há possibilidade de se queimar etapas nesse processo. “O estudo suscita um pensamento individual, é um trabalho autoral e supõe uma investigação a partir do objeto de pesquisa exploratória, então, nesse sentido há uma ética acadêmica pressuposta nesse processo”, argumentou.

Segundo a professora, aderir a esses serviços de compra de monografia pode ser altamente prejudicial para o futuro do profissional que está se formando. “O aluno que recorre a isso se auto descredencia do ponto de vista acadêmico. É uma mancha no seu currículo e essas situações pessoais se eventualmente não tiver um projeção externa certamente vão ter uma repercussão interna muito negativa”, afirmou a docente.

Quem faz?

As repórteres encontraram pelo menos cinco anúncios de vendas de monografias em Brasília e em outros estados. A Agência de notícias UniCEUB acompanhou o contato de alunos que simularam estarem interessados no trabalho acadêmico.

Uma vendedora identificada somente como Jana disse que está acostumada a fazer esse tipo de serviço. Ela informou que conhece os modelos de monografia de todas as instituições do DF. A fabricante de TCCs, contudo, informou que só dá mais detalhes em reuniões. Quando a equipe da agência pediu uma entrevista, Jana se negou a dar depoimentos, disse que não agia contra a lei e ainda chamou as repórteres de “desocupadas”.

Ouça áudio de flagrante da vendedora Jana:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200061477″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

Ouça a entrevista com a Jana:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200060332″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

Outro vendedor que se identifica como Jadson Sousa também negou fazer as monografias pelos alunos. Ele, que afirma trabalhar em escritório de advocacia, disse que apenas auxilia e orienta os alunos com o trabalho. Entretanto, é possível constatar em áudio gravado que garante fazer todo o trabalho, oferece dicas de temas e ainda ensina o que fazer para que o aluno não seja flagrado. Jadson alegou que dá a “orientação” desde 2007.

Ouça o áudio de flagrante do Jadson:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200060113″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

Ouça a entrevista com Jadson:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200234486″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

“A gente faz monografia. Eu tenho uma equipe”. A frase foi dita por uma “vendedora” de trabalho de conclusão de curso. Identificada somente como Renata, ela disse que a monografia é feita por um pessoal especializado e que há a garantia de entrega de produção. Há também casos em que professores já formados comercializam esse material. Entre eles, pedagogos, advogados, publicitários. Renata informou que tem um site, no qual, o contratante tem que preencher um formulário com as preferências de trabalho.  A reportagem não conseguiu entrar em contato com Renata para comentar o assunto.

Ouça a entrevista com Renata:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200234577″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

Os “fabricantes” de monografia têm os livros, vão às bibliotecas e estudam o material. Há casos em que eles pedem para que o contratante leve os livros – principalmente – para citar as referências recomendadas pelo orientador. Esse é o caso de Cinthia, que disse fazer a monografia. Ela prefere que o aluno-comprador acompanhe o trabalho. “Para não dar problema depois”, alegou.

Ouça o áudio de flagrante da Cinthia: 

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200059921″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

Ouça a entrevista com a Cinthia:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200234426″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

Quando a reportagem ligou para saber do serviço questionando se ela faz orientação ou se faz a monografia pelo aluno ela disse que faz os dois, mas atualmente está mais auxiliando. Na segunda vez, quando a equipe de reportagem se apresentou, Cinthia negou. “Quando não faz do jeito que eles (alunos) querem, que entrega e fala ‘faz’, aí eles vão procurar outra pessoa”.

O vendedor Luciano é do Rio de Janeiro, mas disse que atende o Brasil todo. Segundo ele, basta apenas que o estudante envie a proposta de trabalho por e-mail. Luciano também disse que há um grupo que desenvolve o trabalho com ele.  “Atendo. Tenho gente nessa área (publicidade) aqui”. O vendedor cobra apenas R$ 300 por monografia.  A reportagem não conseguiu entrar em contato com o vendedor depois da primeira entrevista.

Ouça a entrevista com Luciano:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200216468″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

Uma vendedora não identificada só faz trabalho de conclusão de curso na área de Direito. Segundo o site em que trabalha, a empresa faz os serviços desde 2007. Ela informou que conhece todos os procedimentos e que manda o texto em partes para que o orientador não descubra. Ela também disse que já tem clientes para esse semestre e que o estudante não precisa se preocupar com o trabalho.

Ouça o áudio do flagrante:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200244786″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

Ouça a entrevista de vendedora que não se identificou:

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/200249278″ params=”auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true” width=”100%” height=”80″ iframe=”true” /]

 

Após a simulação, a equipe de reportagem entrou em contato com os anunciantes e questionou a venda. Em geral, os entrevistados negaram que fazem a monografia e, também, contestaram o que o delegado disse e alegaram não ser crime a venda da monografia.

Ela disse que o serviço que presta é para completar a educação dada no ensino superior. Segundo ela, as faculdades não ensinam o aluno a fazer a monografia e, por isso, não há embasamento para fazer o trabalho. Ela alegou que apenas faz o serviço para o aluno, mas que não tem responsabilidade sobre ele. “O que um aluno for fazer depois é problema do aluno”, disse.

Por Jade Abreu e Regina Arruda. Produção de Bruna Goularte e Felipe Oliveira.

Arte Lorena Lima

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress