Sob inspiração da música Paratodos
No auditório, o silêncio tem som: o dos instrumentos. Na Escola de Música de Brasília (EBM), o barulho dos passos apressados mistura-se ao do violoncelo que ecoa das salas e a do clarinete. Mais do que sons, o espaço mescla pensamentos que fluem e fazem a mente se acalmar. As notas se entrelaçam como estrelas no céu, um remédio para a alma. Transformação do sentimento. Um poema onde risos e lágrimas se encontram em harmonia. A Escola de Música de Brasília é um local onde os sonhos viram realidade.
Para o saxofonista Marcos Paulo Oliveira Melo, de 25 anos, é um refúgio. Tão jovem e ainda colhendo os frutos de sua harmoniosa decisão. Em julho deste ano, Marcos foi contemplado com uma bolsa de estudos para o conservatório “Rayonnement”, em Rouen, na França. Mas a sua história começa muito antes dessa conquista.
Em dia de ensaio, os integrantes da orquestra observam os movimentos iniciais do maestro, ainda se posicionando no tablado. Todos atentos. Do lado esquerdo do “comandante”, Marcos começa a soprar as notas como se cada movimento respiratório fosse um sopro de vida, transformada em melodia que vibra e dança em harmonia com os demais integrantes da orquestra.
Confira um trecho do ensaio
Afinando o instrumento
O primeiro contato de Marcos com a música instrumental foi em 2014, quando se encantou com a Banda Sinfônica Tocando Sonhos, do projeto Música e Cidadania, no Paranoá. Na época, nem passava pela cabeça do Marcos que a música seria a sua maior paixão e futura profissão. Foi sentado na cadeira do auditório, sem entender muito bem o que estava acontecendo, que nasceu o encanto pela música.
“Quando eu vi a banda sinfônica se apresentando, eu falei: Caramba… eu quero entrar nesse projeto e quero tocar nessa banda”.
O medo de perder algum ente querido era aterrorizante. Por sua mãe ter diabetes, Marcos fez uma reclusão total. Não saía de casa por nada, era apenas ele e a mãe dentro de um “quadradinho” com medo de não saber o que aconteceria. A paixão pela música dava lugar à angústia.
Os dias foram passando e com eles a esperança de que tudo voltasse ao normal. A imagem do auditório com todos os integrantes da orquestra em sintonia com o maestro parecia uma miragem. Um sonho distante. O voltar a tocar saxofone. O novo normal sufocava a esperança de um dia reviver aquela união que somente a orquestra lhe proporciona.
Aos poucos sua paixão pela música foi minguando. O encanto pelo saxofone dava lugar à incerteza. Uma mistura de sentimentos que o fez até mesmo cogitar abandonar de vez o sonho de viver e sobreviver da música.
“Essa profissão é muito instável, não é para mim, eu acho que não tenho talento, vou passar fome… tive aquela crise de querer parar de tocar”.
A única afinidade que Marcos tinha além da música era com a culinária. Passou por um período onde foi excluindo o que era a música para ele. E se Marcos um dia pensou em largar a música, lá estava ela para lembrar que nenhuma outra profissão no mundo iria fazê-lo sentir o que sente com a música.
E foi dentro do seu lar que assistiu um vídeo de uma orquestra tocando “Dois Corações” no Festival de Gramado, em 2022. Foi ouvir e ver a paixão reacender.
“Quando vi aquela apresentação no Festival de Gramado e senti aquela energia de novo, desabei”.
Incertezas
Se a pandemia foi um momento de incerteza e dúvidas, o pós-covid veio para mostrar que a música de fato era a sua paixão eterna. Uma união que parece ter nascido na eternidade. No destino traçado e escrito em uma pauta musical.
No mesmo ano, entrou para a Escola de Música de Brasília e deu início a uma nova etapa de sua vida. Aquela forte energia que reacendeu em Marcos fez com que ele voltasse para a música em ritmo acelerado. Em seu primeiro ano na escola tocou em todas as bandas possíveis e logo foi chamado pelo maestro para tocar na dos professores.
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Espaço privilegiado
Subir no palco de um lugar tão representativo como a da Orquestra do Teatro Nacional Claudio Santoro era algo que nunca passou pela sua cabeça. E quando as luzes do palco se apagaram e o maestro começou a reger.
“Eu não esperava um dia sentar naquela cadeira da Orquestra do Teatro Nacional. Quando eu cheguei lá eu falei: não é possível que eu esteja aqui”, diz surpreso.
Nos meses seguintes, ele tocou outras três vezes na Orquestra do Teatro Nacional e uma vez na Filarmônica de Brasília. Mas foi em julho que o seu maior sonho virou realidade. Marcos participou da Academia Claude Brendel, evento musical de prática e regência ministrado pelo maestro francês Claude Brendel. Foram duas semanas de muito ensaio e dedicação até o concerto que mudaria a sua vida.
E foi no último dia do evento no Espaço Cultural Renato Russo, localizado na 508 Sul, que recebeu a notícia mais feliz de sua vida. Marcos chegou e logo se alocou no palco. Seu ritual padrão é de sentar, afinar o instrumento e se preparar para a apresentação. Ao final do concerto, o regente anunciou os premiados das categorias: músicos destaques, mirins e bolsista. Marcos ganhou para músico destaque e se sentiu realizado, o que não esperava era levar a categoria de bolsista também.
Passou um filme em sua cabeça de tudo que tinha vivido até aquele momento de ouro. Desde o primeiro contato com o instrumento, até o período de incerteza que quase o fez desistir.
Acordes
Na lateral do palco e sentada com seu contrabaixo estava Amanda Sucupira, contrabaixista na Escola de Música e amiga do saxofonista. Amanda parecia prever que seu companheiro de orquestra seria contemplado com a bolsa de estudos para a França. Parecia não. Na verdade, tinha certeza de que seu colega seria recompensado depois de todo esforço e tudo que passou nesses últimos anos.
“Vai ser muito legal ele indo pra França. Vai ter uma outra imersão em uma nova cultura. Conhecer gente nova e diferente só vai enriquecer a experiência dele como músico e pessoa”.
O maestro da Escola de Música de Brasília, Henrique Cesar de Souza Pereira, 49 anos, destacou que a oportunidade que Marcos recebeu de estudar em um conservatório na França é fruto da sua dedicação e paixão pela música.
“Quando ele recebeu a bolsa, não me causou estranheza. É o processo natural de um cara que está estudando seriamente, tocando em vários grupos da cidade e sempre com um comportamento e um desempenho muito bom”.
O próximo acorde dessa sinfonia de vida é estudar na França durante um ano, com a possibilidade de renovação. Agora, é viabilizar economicamente o cumprimento dessa jornada, que já tem data marcada para começar: setembro de 2025.
“Vou ter que arrecadar quase 50 mil reais até lá. Já estou com alguns projetos. Vou criar uma vaquinha, fazer concertos beneficentes e também pretendo dar aulas particulares”.
Mesmo com receio de deixar a família e os amigos no Brasil, o saxofonista se sente grato pela conquista.
“Penso muito na questão de estar lá sozinho, longe da família, dos amigos, de estar com a economia à risca”. Ele diz estar realizado com todas essas conquistas e se sente reconhecido.
A história de Marcos é mais uma entre tantos artistas espalhados pelo país. E está apenas começando, apesar da sequência de fatos já vividos, a oportunidade por ele conquistada é singular, rara. O que faz dele um personagem especial dessa galeria de talentos emergentes que têm a chance de ganhar o mundo levando a essência do que é ser um artista brasileiro.
Por Rodrigo Fontão
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira e Gilberto Costa