FEUB e a luta pela liberdade na primavera de 68

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

Sob inspiração da música “Angélica” – Chico Buarque


No dia 29 de agosto de 2024, completou 56 anos da invasão militar na UnB, em que foram presos 7 alunos, entre eles Honestino Guimarães, figura influente no movimento estudantil brasiliense. O objetivo dos militares era prender todos os membros da Federação de Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB), uma entidade estudantil para organização de atividades culturais, muitas vezes utilizada para orquestrar movimentos políticos. Na visão do governo militar vigente na época, essa federação era vista como um grupo terrorista e subversivo.

“A FEUB era a entidade estudantil que marcou os primeiros tempos da UnB, uma instituição que no seu início era carente de espaços de socialização”, acrescenta Paulo Parucker, historiador e membro da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília (CATMV/UnB). “A importância foi ainda maior se considerarmos a carga de novidade que a própria UnB trouxe consigo, inovando com o fim da organização tradicional por cátedras e a criação de entrecruzamentos de disciplinas e, portanto, de professores e estudantes, de ideias e posições políticas, em um mundo que se abria para o novo, com a revolução vitoriosa em Cuba, as lutas de independência e descolonização na África, enfim, um mundo em efervescência. Muitas lideranças estudantis e uma importante massa crítica se formaram nesses primeiros tempos de FEUB, acompanhando as mudanças de comportamento e contestação ao ‘establishment’, que marcaram globalmente o ano de 1968, como o Maio francês, mas também com movimentos fortes nos Estados Unidos, no México, no Brasil, na Alemanha, no Japão e em tantos outros lugares”.

Alunos fugindo da invasão em 1964, protegendo a boca e os olhos dos efeitos da bomba de gás lacrimogêneo – Foto: Arquivo Central / UNB


As invasões


No dia 9 de abril de 1964, o mesmo dia em que o Ato Institucional N°1 foi outorgado, ocorreu a primeira invasão militar na UnB. Os militares do Exército e da Polícia Militar de Minas Gerais realizaram a busca e apreensão de 12 professores por portarem supostos materiais de propaganda comunista na universidade.

No dia 11 de outubro do ano seguinte ocorreu a segunda invasão. Alunos membros da FEUB decidem realizar um protesto contra a demissão dos professores Ernani Maria de Fiori, Edna Soter de Oliveira e Roberto Décio de Las Casas por motivações políticas. O então reitor na época, Laerte Ramos de Carvalho, decide chamar o batalhão do Exército para conter os manifestantes, pois queria evitar a depredação dos edifícios do campus pelos estudantes.

A terceira e mais “icônica” invasão ocorreu no dia 29 de agosto de 1968. Em um protesto contra a morte do estudante Edson Luis de Lima Souto, assassinado por policiais militares no Rio de Janeiro, o Exército aproveitou para invadir a universidade com metralhadoras, fuzis e bombas de gás lacrimogêneo, concentrando cerca de 300 alunos em uma quadra de basquete para espancar e prender os membros da diretoria da FEUB, entre eles Honestino Guimarães.

A quadra de basquete da UnB com os 300 alunos concentrados em 1968 – Foto: Arquivo Central / UNB


Um líder na FEUB


“O Honestino era uma liderança de primeira qualidade. É evidente que as articulações que ele fez no plano regional, local e nacional, foram extremamente importantes para resistência ao Golpe Militar de 64”, ressalta o professor da UnB especializado em História do Brasil, Marcos Magalhães de Aguiar.

Confira o trecho da fala do professor


Honestino Guimarães, era visto como figura tão carismática e querida pelos alunos da UnB, que sua rápida ascensão à presidência da FEUB não foi inesperada. Ele, como muitos membros da federação, era filiado à Ação Popular (AP), uma organização política de esquerda fundada pelos militantes estudantis da Juventude Universitária Católica. Por esse motivo, ele junto de outros membros da diretoria da FEUB, tornou-se alvo das perseguições do regime autoritário na época. De acordo com o professor Paulo Parucker, o dia 29 de agosto de 1968 era perfeito para sua apreensão:

“Ele era o principal organizador das manifestações políticas importantes em Brasília, como aquelas decorrentes dos protestos pela morte do estudante secundarista Edson Luiz, assassinado pela repressão policial no Rio, durante uma manifestação em torno do restaurante estudantil Calabouço, no início de 1968 (…). A Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade, em sua extensa pesquisa, levantou a perspectiva de que as invasões policiais-militares à UnB em 1968 não tenham sido fatos desconectados, mas sim uma construção preparada com planejamento e escudada no argumento de eliminação do foco subversivo.

A progressiva desarticulação do movimento estudantil, a criação de uma rede estatal de serviços de informações de segurança e o arrocho salarial apoiado na repressão ao movimento sindical não surgiram do dia para a noite. A invasão da UnB em outubro de 68 foi precedida pela invasão em agosto, em que ocorreu uma das prisões de Honestino, e é possível que tenha sido preparada, por exemplo, com uma rádio-patrulha deixada propositalmente para ser objeto de hostilidades pelos estudantes, para produzir imagens e notícias a fim de reforçar o aspecto de desordem e a necessidade de se impor, pela repressão violenta, o retorno à ordem”.

Carro capotado no meio da invasão da UnB de 1968 – Foto: Arquivo Central / UNB


Então na tarde daquele dia, as forças militares invadiram a universidade e prenderam Honestino sob intensa pancadaria. O protesto que estava ocorrendo na hora foi usado oficialmente como justificativa para a truculência daquela operação.

De acordo com os militares, Honestino tinha resistido à prisão e os demais alunos reagiram com pedras, paus e supostamente com armas de fogo, obrigando-os a chamar reforços para controlar a situação. Honestino foi levado para o Pelotão de Investigações Criminais de Brasília, onde foi torturado, sendo só liberado através de um pedido de habeas corpus em dezembro do mesmo ano.

As repercussões


Quatro dias depois, no dia 2 de setembro de 1968, o deputado federal do MDB, Márcio Moreira Alves, foi à Câmara fazer o histórico discurso de boicote ao regime militar. De acordo com o professor Marcos Magalhães de Aguiar, a invasão da universidade seria um dos motivos para tal discurso:

“A invasão de 68 precedeu o AI-5 e ela é inclusive o objeto do famoso discurso que deu ensejo à declaração do AI-5, que foi a tentativa de cassação de mandato parlamentar do deputado Márcio Moreira Alves, isso quer dizer que naquele contexto já não valia mais as licenças concedidas para a cassação de mandato que foram oferecidas pelo AI-1 num primeiro momento, então a ditadura teve que recorrer a procedimentos tradicionais para cassar o mandato do deputado por conta do discurso dele. As consequências foram muitas e duradouras, em especial o acirramento da repressão com o AI-5, houve a instalação da censura prévia e o controle brutal da imprensa, a suspensão do instituto do habeas corpus e a decorrente multiplicação de prisões clandestinas, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres. Somente com a crise econômica de meados dos anos 70 e a forte queda no apoio e sustentação do regime, começaram os sinais de abertura política sob controle militar, que duraria por mais uma década até que a democracia pudesse retornar, ainda timidamente, a partir da segunda metade dos anos 80”.

Confira o trecho da fala do professor

Professores e alunos sendo apreendidos na quadra de basquete da UnB em 1968 – Foto: Arquivo Central / UNB


Trechos da entrevista com o professor Marcos Magalhães de Aguiar


O que era a Federação de Estudantes da UnB (FEUB) e qual foi a importância dela para o movimento estudantil na década de 60?


Por que uma figura como Honestino Guimarães foi tão importante para o movimento estudantil? E que legado ele deixou?


Qual foi o motivo das invasões da UnB pelos militares nos dias 9 de abril de 1964, 11 de outubro de 1965 e 29 de agosto de 1968? Quais foram as consequências que esse evento gerou?


Por Artur Marques

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress