Antes de Fernanda Torres conquistar o Brasil com sua nomeação ao Oscar de melhor atriz pelo filme “Ainda Estou Aqui”, ao entrar em contato com fornecedores de arquitetura para tentar alugar peças para a decoração dos sets de filmagem, a produtora de objetos Bella Alves, 26 anos, já esperaria ouvir um “não” logo de cara.

“Ironicamente ou não, as pessoas estão se mostrando muito mais abertas a falar comigo agora. Ontem eu passei quase uma hora presa numa loja porque a moça estava muito feliz com o Oscar”, conta a cineasta.
Ela se formou na graduação de cinema durante a pandemia de covid-19.
A produtora de objetos — encarregada de adquirir os objetos que compõem a cenografia do filme — atua na cena brasiliense há cinco anos.
“Em vários lugares que eu cheguei comentando que trabalho com cinema as pessoas me receberam com mais alegria, com mais abertura mesmo, mais interessados em saber o que eu faço”, diz.
“Começaram a pensar que pessoas efetivamente trabalham com cinema, que não é um amontoado de gente sugando dinheiro da lei de sonegação para fazer qualquer coisa, que eles realmente fazem uma coisa séria”, analisa.
Perspectivas
Com três indicações ao Oscar — melhor filme internacional, melhor filme e melhor atriz para Fernanda Torres —, Ainda Estou Aqui tem mudado a perspectiva dos brasileiros sobre a indústria cinematográfica nacional e os patamares que ela pode alcançar.
Na visão da produtora, 2024 foi um forte ano do cinema nacional, mesmo para além do projeto dirigido por Walter Salles e inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva.
“A gente teve três grandes bilheterias. Teve o Ainda Estou Aqui, o Auto da Compadecida 2 e o Minha Irmã e Eu. Foram três filmes que levantaram uma galera para ir ao cinema, público brasileiro indo ver filmes brasileiros, e a cereja do bolo é o Ainda Estou Aqui no Oscar.”
Otimismo
Para o produtor de platô — profissional responsável pela logística do set de filmagem — Marcos Rohrig, 39 anos, essa é a melhor chance que o Brasil já teve de receber um Oscar.
Marcolino, como é conhecido pelos colegas de set, acredita que Fernanda Torres tem grandes chances de levar a estatueta para casa.
“Eu fico brincando sempre que ela vai voltar em cima do caminhão dos bombeiros. E essa coisa é importante para o brasileiro, ter ídolos. Sempre teve no esporte, e é legal isso mudar para a arte assim”, ressalta.
O cineasta lembra que já trabalhou com a Fernanda Montenegro.
“Eu sinto que o brasileiro também vai sentir isso porque vai passar a ver a sua produção como um pouquinho mais séria. A gente está no time de gente grande”, defende o cineasta.

Brasília tomando espaço
Ambos, Bella e Marcolino, possuem extensa experiência na cena da capital federal.
O que as oportunidades de trabalhar com profissionais do Rio de Janeiro e de São Paulo mostram é que, aqui, os acervos costumam ser mais limitados e o escopo dos filmes acaba sendo, em geral, mais restrito a filmes de época.
“Os acervos aqui são muito menores. Como eles têm essa cultura também da novela, que estão sempre filmando alguma coisa, todos os dias tem coisa rolando, os acervos têm uma variedade maior, porque também tem essa coisa de já ter feito outros momentos de época, outros estilos de filme. Aqui em Brasília, a gente tem dois ou três acervos de figurino, bem reduzido quando se compara com o que vem de Rio e São Paulo”, relata Bella Alves.
Apesar de não ser nativo da capital, Marcolino filma em Brasília desde 2018.
Para ele, contudo, o mercado de cinema da cidade tem crescido nos últimos anos, ganhando espaço que já foi de Porto Alegre (RS).
O produtor de platô lembra que Brasília, pela proximidade de localidades ricas do ecoturismo do Goiás, como Pirenópolis, Chapada dos Veadeiros, entre outros, também tem atraído parte do mercado que visa utilizar essas áreas como locações.
Além disso, destaca a proximidade aos investimentos do agronegócio e o Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC) como outros fortes incentivos.
“E também por toda situação do agro e do dinheiro, que também vem junto com o agro. O setor publicitário de carros precisa dessas coisas, da fazenda e tal, e está vindo bastante também. E tem outro fator muito atrativo daqui de Brasília que é o FAC”.

“Netflix” 100% brasileiro
No final de janeiro, o Ministério da Cultura divulgou que trabalha para colocar no ar um serviço de streaming público totalmente nacional ainda em 2025.
A promessa do ministério é a disponibilização gratuita de um conjunto de produções audiovisuais com o objetivo de ampliar o acesso e a difusão do cinema nacional, além de fomentar a formação de público.
Marcolino se mostra ansioso com a possibilidade. Para o produtor, seria uma boa maneira de democratizar o acesso do público ao cinema brasileiro e ampliar a visibilidade de produções nacionais independentes ou que dependem de recursos que não se originam nas maiores redes produtoras.
“Tira um pouco do monopólio Globo, de só ela ter filmes bons brasileiros. Porque ela tem grande parte do elenco, ela tem o orçamento, ela tem o know-how, ela tem um monte de coisa que as outras produtoras não conseguem chegar muitas vezes”, explica.
Para o casal de produtores, a iniciativa é animadora.
“Esse streaming vai ajudar a melhorar porque filmes brilhantes acabam passando só em festivais porque não têm esse espaço com as emissoras ou com nenhum streaming maior”.
Ele disse que o streaming ainda quer pagar para o produtor é muito abaixo do que realmente se merece por um filme.
“Inclusive, filmes mais antigos brasileiros que são difíceis de encontrar seriam mais facilmente acessíveis”.
Por: Henrique Fregonasse
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira