O Ramadã, que se encerra no próximo domingo (30), representa especiais significados para a comunidade muçulmana.
Em Brasília, o embaixador religioso da Liga do Mundo Islâmico, Sheikh Mohamed Rasmy Zidan, que está há mais de quatro décadas no Brasil, explica que, entre os ensinamentos, está a autodisciplina, controle e empatia.
Zidan, que concedeu entrevista à Agência Ceub, é diretor substituto do Centro Islâmico de Brasília, nas entrequadras 712/912 norte.

Sagrado
O líder conta, em tom pausado e com sotaque carregado, o significado do Ramadã para a comunidade islâmica local.
“O Ramadã é o mês número nove do calendário islâmico. É um mês sagrado”, explica Zidan.
Durante os cerca de 29 ou 30 dias do mês lunar (tanto a duração quanto o início e fim do mês dependem da lua), muçulmanos ao redor do mundo praticam um rigoroso jejum, abstendo-se completamente de comida e água desde as primeiras luzes da manhã até o pôr do sol.
“Os muçulmanos param de comer às 5h da madrugada até 18h. Nenhuma gota de água”, enfatiza.
Além da prática do jejum, durante o mês do Ramadã o praticante da religião se devota especialmente às orações e à prática da caridade.
Muçulmanos devem se abster de relações sexuais e quaisquer comportamentos ou falas “pecaminosas”. O Ramadã recorda aqueles que são menos afortunados – que passariam 365 dias “com apenas uma refeição, ou até nenhuma.”
Cheiro do Ramadã
No Brasil, e especificamente em Brasília, Zidan observa particularidades culturais em comparação aos países predominantemente islâmicos.
“Dentro dos países islâmicos, você vê (sic) o cheiro do Ramadã porque todos os muçulmanos estão fazendo jejum. Aqui só existe o cheiro do Ramadã no Centro Islâmico. Quando sai na rua, é vida normal.”
Durante o mês, o Centro Islâmico promove diariamente o “Iftar”, refeição coletiva ao entardecer que encerra o jejum.
“A gente recebe [não-muçulmanos que queiram participar] com muito prazer para a quebra de jejum conosco.”.
O Ramadã, explica Zidan, constitui um dos cinco pilares fundamentais do Islã, ao lado da declaração de fé em um Deus único, das orações diárias, da caridade anual conhecida como “Zakat”, e da peregrinação à cidade sagrada de Meca, na Arábia Saudita, feita uma vez na vida do muçulmano, quando esse tiver condições financeiras para tal.
Sobre os desafios físicos e climáticos, ele afirma que praticar o jejum em Brasília não apresenta dificuldades especiais.
“O clima aqui é muito bom.” O sheikh conta com um sorriso sobre ocasiões em que o mês fora passado no Oriente Médio com climas de até 48° Celsius, sem chuvas.
Ele também ressalta que a vivência do muçulmano no país é tranquila.
“O Brasil é um país muito bom. Não tem preconceito.”
Após o término do mês sagrado, ocorre o “Eid al-Fitr”, grande festa comparada pelo sheikh ao Natal dos cristãos, onde famílias celebram o fim do jejum prolongado e o início de um novo mês no calendário lunar. Neste dia, as atividades no Centro Islâmico incluem uma oração especial, um banquete comunitário e atividades para as crianças.
Confira a entrevista na íntegra:
Agência CEUB: Qual é o significado do Ramadã para os muçulmanos?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: O calendário islâmico tem 12 meses. Quando uma lua nova nasce, nasce um mês.
O Ramadã é o mês número nove do calendário islâmico. Mesma coisa de setembro no calendário cristão.
O Ramadã para os muçulmanos é um mês sagrado. Allah (Deus) escreveu alguns versículos no Alcorão, para os muçulmanos fazerem jejum nesse mês do Ramadã.
O mês do Ramadã ele pode ser que tenha 29 dias ou 30 dias, dependendo da lua. Os muçulmanos param de comer 5 horas da madrugada, no horário de hoje. Até o pôr do sol, hoje mais ou menos 18h, 18h25, 18h27, a gente volta a comer. Durante o dia inteiro, desde 5 horas da manhã até 18:30 da tarde, nenhuma gota de água. Jejum total.
Agência CEUB: E eu entendo que é um dos pilares do Islã, certo?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: O Islã tem cinco pilares. O primeiro pilar, acredita em Deus único, absoluto. Testemunha que o profeta Muhammad (Maomé) é mensageiro de Deus e testemunha que o profeta Jesus é mensageiro de Deus – não filho de Deus. Segundo pilar, orações, cinco vezes ao dia. Terceiro pilar, jejum no mês sagrado do Ramadã.
Quarto pilar, “Zakat”, caridade, contribuição, de ano em ano, 2,5% da renda é do Senhor. Quinto pilar, a peregrinação. Uma vez na vida, a gente viaja para a Arábia Saudita, quando tiver condições financeiras.
Agência CEUB: E além do jejum, existe alguma outra prática que vocês costumam observar durante o mês do ramadã?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: Tem atividades no Ramadã, todo dia aqui no Centro Islâmico se oferece o que em árabe a gente chama de “Iftar”. Porque você acorda de manhã, faz o café da manhã. E a noite, aqui, faz o “Iftar”, quebra o jejum aqui. Todos os muçulmanos. Claro que também se um brasileiro muçulmano trouxer o amigo dele, a amiga dele, a gente também recebe eles com muito prazer para a quebra de jejum conosco. Também com essa quebra de jejum tem uma oração especial no Ramadã, chamada “Tarawih”. A gente reza das 20 horas, até 21:15, 21:20, mais ou menos. Só oração.
Agência CEUB: O “Iftar” é feito em conjunto. São muitas pessoas que costumam vir aqui?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: Muitos muçulmanos.
Agência CEUB: O senhor observa alguma diferença na forma como se observa o Ramadã aqui [no Brasil], por conta do clima ou do horário?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: A única coisa diferente, dentro dos países islâmicos, você vê (sic) o cheiro do Ramadã, porque todos os muçulmanos estão fazendo jejum.
Então, diferente daqui, aqui só existe o cheiro do Ramadã aqui por dentro [no Centro Islâmico], porque todo mundo aqui fez jejum.
Aqui, a gente quando sai na rua, é vida normal. Lá é diferente. Fica parado um pouco de dia porque tá todo mundo descansando, dormindo, rezando, lendo o Livro Sagrado (Alcorão).
O movimento lá começa depois da quebra de jejum. Volta normal, rua cheia, mercados, ruas, cafés, tudo cheio até cinco horas do outro dia. A noite inteira acordados, comendo, rezando, conversando.
Agência CEUB: O jejum é um pilar do Islã, mas ele é obrigatório para todos os muçulmanos?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: Não. Quem pode fazer jejum? Pessoas que tenham condições físicas de saúde, jovens, que aguentam 14, 15 horas por dia sem uma gota de água. Esses podem fazer jejum. Mas tem criança também, não tem como fazerem jejum.
De 16 anos para cima, se torna obrigatório o jejum. Mas antes, 15, 14, 13, o pai e a mãe deles treinam eles. Começa fazendo o jejum até 10 horas, até 11 horas, até meio-dia, depois eles comem. Porque o corpo deles precisa.
Outra coisa também, entre as mulheres.
Uma mulher grávida, uma mulher lactante, não tem como fazer jejum. Um homem ou uma mulher que tenha alguma doença, tomando remédio de 8 em 8 horas, de 6 em 6 horas, eles não tem como também fazer jejum.
Pessoal idoso, acima de 70, 80 anos, também não aguenta ficar o dia inteiro sem comer. As mulheres que estejam menstruadas, também quebram o jejum 3, 4 dias. A mulher que esteja amamentando, ela só volta [a cumprir o Ramadã] depois que terminar esse período.
Agência CEUB: E essas pessoas que não vão fazer o jejum podem fazer as orações e estar com as outras pessoas?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: Elas fazem as orações, vem comer.
Agência CEUB: Existe algum desafio para um muçulmano que está vivendo no Brasil para cumprir esse jejum?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: Não, eu não acho. Desde que tenho 36, eu tô aqui e nunca acho muito difícil. Porque aqui o clima é muito bom.
Não tem aquele calor. Uma vez lá o Ramadã caiu em Julho, temperaturas de 48°, 45°. Aqui o máximo é 26°, 25°, 30°. O clima é bom. Também tem chuva, deixa o tempo fresquinho. Não acho difícil fazer jejum aqui.
Agência CEUB: E para além do Ramadã, é tranquila a vivência do muçulmano no Brasil, um país em sua maioria não-muçulmano?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: Tranquilo. Uma coisa é verdade, o Brasil é um país muito bom. Não tem preconceito. Ninguém xinga a gente, ninguém reclama, a gente faz as orações normal. Ninguém mexe com a gente aqui no Centro. Normal, como num país muçulmano. Tem muito respeito.
Agência CEUB: Além do “Iftar”, existem outros eventos durante esse mês?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: Quando termina o Ramadã, sendo 29 ou 30 dias, às 8 horas do dia seguinte começa o mês novo. Então naquele primeiro dia do outro mês, a gente faz uma oração grande, todo mundo vem, depois temos uma festa aqui para todos os muçulmanos. Temos um parque, coisas para as crianças, é um dia muito feliz.
Agência CEUB: Esse é o “Eid”?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: Eid. Eid al-Fitr. É como para vocês o Natal. É uma festa grande. Homens, mulheres, crianças. As embaixadas ficam fechadas. O muçulmano brasileiro recebe um documento para entregar ao chefe dele, para ele passar o dia aqui [no Centro]. O dia inteiro, se ele quiser.
Agência CEUB: Para alguém que tenha o desejo de conhecer o Islã e a tradição do Ramadã, o que o senhor deixa?
Sheikh Mohamed Rasmy Zidan: Qualquer brasileiro, irmão brasileiro ou irmã brasileira que queira saber alguma coisa sobre o Islã, sobre o Ramadã, pode vir aqui no Centro Islâmico.
A gente senta, conversa com ele, dá para ele livros e o Alcorão Sagrado, se eles quiserem. Com muito prazer, sem custo nenhum. A gente tem também durante o ano inteiro um curso de árabe aqui, curso também de religião. E também durante o ano inteiro essas orações diárias acontecem aqui. Desde 4h30 da manhã até a última oração, 21h30.
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Confira o site do Centro Islâmico
Por Luana Aires
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira