No Dia das Mães e em todos os outros 364 dias do ano, as 397 crianças e adolescentes que moram em 18 abrigos no Distrito Federal sabem quem devem abraçar. O carinho vai para pessoas como Eidicleia Pereira, de 50 anos de idade. Há 12, ela atua como mãe social. ““Tive uma filha que saiu para casar e hoje tem a casa dela. Outro saiu e passou na faculdade!”, emociona-se. Ouça abaixo entrevista.
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano e Social – SEDHS, atualmente, no Distrito Federal, das instituições de acolhimento, duas são mantidas e organizadas pelo próprio poder público, outras oito conveniadas e mais nove não conveniadas. Todas ofertam o atendimento em sistema de “Abrigo Institucional”, “Casas Lares Descentralizadas” ou “Casas em Condomínio”. Sete delas oferecem o serviço em Casas Lares Descentralizadas.
Maternagem
As mães sociais são profissionais da maternagem. Elas são mulheres que atuam nos abrigos para crianças e adolescentes que foram abandonados ou afastados de suas famílias por medida judicial, e são responsáveis pela organização da rotina das crianças abrigadas. Entretanto, o trabalho de mãe social vai muito além da assistência em tarefas diárias. As mães sociais formam vínculos com as crianças e relacionamentos que são baseados no respeito, no amor e no cuidado diferenciado.
No caso de Eidicléia Pereira, ela trabalha há doze anos nas Aldeias Sociais Infantis SOS Brasil . “Eu já criei muito menino.” Nem sempre a criança permanece na casa-lar. Há casos de crianças que são adotadas e deixam os abrigos, ou são reintegradas às suas famílias de origem. Mas, algumas vezes, as crianças e adolescentes residem nas casas-lares até os 18 anos, que é a idade máxima de permanência nessas residências. Eidicléia lembra com carinho dos filhos que saíram do abrigo para uma vida feliz. Ela lembra da despedida de uma de suas filhas: “Tia, estou indo embora, mas eu nunca vou te esquecer!”.
Legislação
Segundo a lei 7.644 de dezembro de 1987, mãe social é aquela que, dedicando-se à assistência ao menor abandonado, exerça o encargo em nível social, dentro do sistema de casas-lares. A lei define casas lares como unidades residenciais que abrigam os menores e a mãe social para criar um contexto o mais semelhante possível a um núcleo familiar. A lei determina que as casas lares sejam unidades residenciais que abriguem até no máximo dez crianças. Nas casas-lares podem residir desde bebês até adolescentes menores de 18 anos.
Para Rosineide da Silva, que tem 46 anos, e é mãe social há oito em Aldeias Sociais, ter essa profissão é um trabalho para ser exercido com amor e paciência. “Tem que gostar, tem que ter o dom!”. Romilda Mantalvão, de 37 anos e mãe social há oito, e Rosângela Oliveira, de 48, mãe social há três anos, trabalham no abrigo Nosso Lar e concordam ao afirmar que, para ser mãe social, é fundamental gostar de crianças e gostar de cuidar. Mas elas também concordam quanto às dificuldades da função. “As crianças que chegam têm histórias muito difíceis de sofrimento, de violência, às vezes”, lamenta Romilda.
Dificuldades
Formar um laço de confiança não é tarefa fácil. “Tem que ter muito amor e muita paciência para se aproximar no começo, mas aí a gente vai vendo a evolução no comportamento delas”, explica Rosângela. Mães sociais entrevistadas são unânimes ao ressaltar que, além de gostar do trabalho, das crianças e de terem muito amor para doar, elas também precisam ter muito apoio para cuidarem de si e, assim, exercerem o cuidado com qualidade. Rosineide conta que a carga horária é grande. “A gente tem que lidar com muitas emoções das crianças. No meio de tantos sentimentos, a gente também precisa de apoio pra cuidar dos nossos. Aqui, nas Aldeias Sociais, a gente tem muito suporte. Tanto pra cuidar da gente, como pra receber capacitação para cuidar das crianças”.
Romilda e Rosângela também destacam a importância da atuação da equipe de profissionais que promovem um espaço de escuta e atenção às necessidades das mães. Além de todas as dificuldades, as mães sociais também sofrem com sentimentos contraditórios na hora que precisam se despedir das crianças a quem tanto se afeiçoaram. Elas compartilham histórias de despedidas em que se sentiram felizes pelas crianças e adolescentes terem saído do abrigo, ao mesmo tempo em que sentiram a tristeza da partida.
Medo
Rosângela se lembra do misto de receio e alegria que sentiu quando acompanhou quatro crianças até Salvador para serem recebidas pela nova família. “Eu fiquei com medo deles não terem a atenção adequada porque a família tinha outros filhos. Foi maravilhoso chegar lá e ver que a família tinha preparado tudo, as vagas na escola, os quartos. Dá uma tristeza da despedida, mas dá muita alegria também”.
Já Rosineide resume o conflito ao afirmar: “A gente tem que saber que a criança não vai ficar no acolhimento. Elas vão sair, seja para formarem suas famílias ou para serem adotadas. É assim que tem que ser, afinal amar é deixar ir, né?”.
Por Ticiana Penatti
Arte: Camila Campos