Em meio às comemorações do aniversário de 65 anos de Brasília, três grafiteiros defendem que a arte que realizam é democrática, importante para o cenário da cidade, mas cercada de preconceitos.
“Meus pais não gostavam”
Artista conhecido como Vulgo descobriu o grafite ainda na infância, fascinado pelas pichações e letras estampadas em muros altos.
Aos 14 anos, começou a pesquisar e praticar, enfrentando a desconfiança da família.
“Meus pais não gostavam, porque muitas vezes a gente faz coisas ilegais”, conta.
Mesmo assim, um workshop incentivado pela mãe marcou o início de uma jornada solitária, mas determinada.
Hoje, ele vê o grafite como “a arte mais democrática que existe” — ainda que carregue o estigma de ser “coisa de marginal”.
Tripa fazendo arte na Rua/ Vídeo de divulgação
Outro artista, o Pato teve seu primeiro contato com o grafite ao passar pelo mural do artista Gurulino na Asa Sul.
“Arte nunca morre”, lia-se na parede — frase que ecoou em sua mente.
Foi com o amigo Tripa que ele segurou uma lata de spray pela primeira vez.
“Foi amor à primeira vista”, diz.
Mas o preconceito ainda persiste: “No trabalho, quando falo que faço grafite, já me perguntam: ‘Não é pichação, né?'”.
Já o Tripa cresceu em uma casa rígida, onde sair à rua era raro.
Por isso, as marcas nas paredes o intrigavam. “Alguém fez aquilo porque quis, e eu achava incrível”, lembra.
Seu primeiro grafite foi um “trip” minúsculo, feito com nervosismo. Hoje, ele vê a dualidade da recepção: de um lado, pessoas que os ameaçam; de outro, comunidades que os recebem com festa.
“Uma vez, um senhor de cadeira de rodas nos chamou pra pintar sua casa. No final, virou uma celebração.”
Riscos, resistência e reconhecimento
Fazer grafite em Brasília — ou em qualquer cidade — não é só sobre estética. É sobre ocupação, enfrentamento e, muitas vezes, perigo.
Vulgo já foi detido aos 14 anos ao pintar uma passarela no Eixão. Pato teve uma arma apontada para si enquanto pintava.
Tripa já ajudou um homem em crise de drogas no meio da madrugada, durante uma ação. “O maior perigo é a galera de cabeça fechada”, resume.
Apesar dos riscos, os três veem mudanças. “Antes, os grafiteiros tinham que correr para que hoje a gente pudesse andar”, reflete Vulgo.
Editais do GDF, eventos e a popularização do hip-hop ajudaram a trazer o grafite para o mainstream. Pato acredita que a internet e a revolta juvenil impulsionam a cena: “As pessoas estão vendo a hipocrisia do sistema. Enquanto a polícia para pra me abordar, crimes reais acontecem ali perto”.
Patrimônio vivo
Neste aniversário de 65 anos, Brasília se reinventa não só nos palácios, mas também nas ruas.
O grafite, antes visto como vandalismo, hoje dialoga com o plano piloto de Niemeyer — seja em muros abandonados, seja em projetos autorizados.
Para Tripa, essa arte é “inclusiva, que abraça todo mundo”. Para Pato, é sobre “meter as caras e não abaixar a cabeça”. E para Vulgo, é a prova de que “arte não tem dono”.
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Por Caio Figueiredo e André Araújo
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira