Ceilândia, anos 1980, em meio ao crescimento da cultura urbana, por meio do funk, um garoto negro descobria um novo som que falava diretamente à sua realidade.
A primeira música de hip-hop que ouviu foi na rádio, a “Planet Rock” do cantor americano Afrika Bambaataa, que de acordo com o brasiliense Rivas Alibi, 54 anos, foi um clássico da época.
Para ele, a primeira vez que ouviu a música foi uma surpresa. Aquele som era diferente de tudo o que ele já tinha escutado.
“A gente começou a ouvir música, a assistir alguns filmes que chegavam na década de 80, tipo Beat Street, e nesse filme tinha grafite, tinha break, tinha rap, DJ ‘s, e era uma cultura que a gente ainda não conhecia tanto”.
Foto: Nathália Maciel
Hip hop
Em Ceilândia, cidade onde Rivas Alibi vive desde criança, a cultura do hip-hop gerou uma forte identificação em muitas pessoas.
A partir desse ponto, os grupos de dança, o grafite e o estilo musical passaram a ganhar força e a se desenvolver na comunidade.
Depois de se apaixonar pelo estilo musical, em 1986, Rivas, o irmão falecido DJ Jamaica e o amigo Calaco tiveram a ideia de criar um dos primeiros grupos de hip-hop da época, o BSB Boys.
A partir dali, a cultura hip-hop deixou de ser uma curiosidade e passou a fazer parte da vida do jovem.
4 elementos
Como líder de um dos primeiros grupos de hip-hop do Distrito Federal, Rivas mergulhou nos quatro elementos da cultura: “Dessa década para cá, a gente vem evoluindo dentro dos quatro elementos mesmo, com o break, rap, graffiti e DJ”.
Hoje, com mais de 40 anos de experiência, o artista brasiliense dedica-se ao empreendedorismo, à produção musical e aos trabalhos como grafiteiro, rapper, MC e Bboy, além de projetos sociais em escolas de Ceilândia e Sol Nascente.
Representação
Para Rivas, essa identificação é clara em Ceilândia, um lugar com muitos talentos que se tornou importante no hip-hop de Brasília e do Brasil.
Para ele, os artistas famosos da cidade surgiram para levar a sua arte para outros lugares, enquanto a comunidade local continua a cuidar e fortalecer essa cultura, como se fosse uma forma de falar, um espaço para ser livre e uma força muito grande para as pessoas que moram lá.

Foto: Nathália Maciel
No entanto, essa forma de arte, mesmo sendo forte, ainda sofre preconceito.
Segundo o produtor musical, algumas pessoas ainda acham que é uma arte de segunda classe, ligada à rua e ao crime.
“O hip-hop nasce na periferia norte e ele vai para as periferias do mundo inteiro. Ele não vai para um movimento de elite. Ele vai para um movimento de periferia, periférico, de favela. Então, por mais que ele o hip-hop tenha essa ação, ele sofre o preconceito também, porque a sua existência mesmo é de foi criado pelo povo negro”.
Diante dos inúmeros preconceitos enfrentados pela cultura hip-hop, a produtora cultural e esposa de Rivas, Jane Alves, acredita que transformar suas modalidades em esporte é um caminho para desmistificar essa visão na sociedade.
“A discriminação vai acontecer durante muito tempo, assim como várias outras culturas e danças populares do Brasil, como o samba e o skate. São totalmente diferentes, mas ainda sofrem essa discriminação, né? Mesmo, por exemplo, o skate se tornando modalidade olímpica, e a dança da cultura hip-hop, que é o break, também se tornou modalidade olímpica”.
Uma oportunidade
Além da oportunidade de criar contato com uma realidade muito parecida com a da favela, o hip-hop tem apresentado bons resultados quando o assunto é o seu talento.
No final de março, um.evento transformou a cidade em uma galeria a céu aberto.
As paredes, com o azul como pano de fundo, exibiam obras de arte em seus retoques finais, impossíveis de ignorar para quem passava a caminho do metrô.
Algumas pessoas pararam, admirados com as cores vibrantes, até o som do trem interromper a contemplação.
Outros, vestindo camisetas de hip-hop ou com a foto da cidade, pareciam familiarizados com a arte e aproveitavam para cumprimentar os artistas.
Denise Menezes, por exemplo, parou em frente à estação por cerca de uma hora para observar as artes.
O motivo de ir ao metrô naquele dia era assistir ao seu irmão, o grafiteiro Kupido, que participava do evento.
Para ela, ver o irmão grafitar é um prazer, pois o grafite é uma arte sem preconceitos onde cada um tem a chance de criar seu próprio estilo.
Foto: Nathália Maciel
Em Ceilândia, Kupido também iniciou sua jornada no hip-hop nos anos 90, começando pela pixação antes de se aprofundar na arte do grafite. A arte foi uma forma de não ir para a criminalidade.
“No meu caso, o grafite salvou minha vida. Porque na Ceilândia a gente tem as escolhas de ou ir para criminalidade, ou jogar bola, ou fazer arte. Eu fui pela arte. Então, acho que adiantou”.
Segundo Rivas, coordenador do projeto que tem apoio do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC), a exposição de grafite é crucial para que a população compreenda que a arte é acessível a todos, independentemente de onde vivem.
“Para a gente, a essência do projeto é levar o hip-hop, levar o grafite para onde? Para lugares onde a comunidade vai ver diretamente. A gente tem também projetos para fazer os mutirões de grafite no Sol Nascente, ou seja, locais onde possam estar degradados, que no caso aqui no metrô não é porque ele estava degradado, mas é pela visibilidade onde toda a Ceilândia passa aqui”.
Arte urbana
A especialista em intervenção urbana, Maria Fernanda Derntl, explica que em Brasília o grafite tem sido usado por artistas para contar histórias da própria cidade.
Segundo ela, é possível observar isso em Ceilândia, onde as artes de grafite em sua maioria relatam momentos ou visões daquele local.
Entretanto, essas artes nem sempre seguem um sentido único, podendo mesclar fatos históricos com outras referências, como explica a especialista. “E aí em Ceilândia, também existem os temas da história local, só que misturados com temas mais globais, o você não precisa ir no não preciso ir noque fica bem interessante. Então, às vezes, tem um personagem que lembra mangá, mas está vestido como nordestino, tem feições de nordestino”.
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Por Nathália Maciel
Com supervisão de Luiz Claudio Ferreira