A brasiliense Luciane Vidal, de 42 anos, viveu parte da vida no Marrocos e na Tunísia. Apesar de destacar o acolhimento e a generosidade do país, ela revela que a convivência com uma cultura muçulmana a fez refletir profundamente sobre o papel da mulher na sociedade.
“Se no Brasil a questão da mulher ainda tem muito a evoluir, na Tunísia e no Marrocos, ainda mais. Como mulheres, sofremos a desigualdade com relação ao nosso gênero”, desabafa. Ela diz que se sentiu mal ao perceber que os direitos femininos ainda avançam a passos lentos na cultura muçulmana.
Na Tunísia, o choque foi ainda mais duro
A brasileira enfrentou episódios de preconceito e xenofobia. Ao perceberem que a família brasileira não falava a língua, os acusavam de ‘esnobar’ a própria cultura.
“Quando conversava em português, o tratamento também era diferente, eram grossos e ríspidos, sofri com maus olhares e provocações, sem contar que tentavam a todo custo diminuir a cultura brasileira ”, conta Luciane.
Ainda assim, a brasiliense não renega as experiências vividas, que enriqueceram a visão de mundo e acrescentaram novas expressões e hábitos ao cotidiano.
Preconceito
Anualmente cerca de 400 mil brasileiros deixam o país todos os anos, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, em busca de melhores oportunidades de trabalho, estudo ou qualidade de vida. Porém, longe de casa, muitos se deparam com um desafio invisível e doloroso: a xenofobia.
Esse preconceito, que se manifesta em atitudes discriminatórias, estereótipos e até agressões, acompanha uma parcela significativa de quem tenta construir uma vida no exterior, o que dificulta a integração e convivência em novos ambientes.
A brasileira Natália Machado, mora em Portugal há nove anos, e conta que, apesar de nunca ter sido alvo direto de preconceito, o receio de enfrentar estereótipos, especialmente sobre mulheres brasileiras, sempre esteve presente.
“Meu maior medo era ser enquadrada no padrão de que a mulher brasileira é fácil, algo que felizmente não aconteceu comigo, mas que existe na cabeça de muita gente.”
Natália chama atenção para o contexto atual em Portugal, onde a presença crescente de estrangeiros tem provocando reações políticas e sociais.
“Hoje, cerca de 10% da população que vive em Portugal é estrangeira, e essa mudança tem gerado um discurso contra imigrantes em algumas forças políticas, o que pode agravar a situação.”
Natália aconselha quem pensa em morar no exterior: Se sofrer xenofobia, tem que denunciar à polícia. Não se deve ficar calado, porque isso é crime.”
Foto: Arquivo pessoal
“Me sinto mal por estar longe de casa”
Aos 19 anos, Eduarda Spina Simões vive em Toulouse, no Sul da França, há dois anos. A primeira experiência francesa, ainda na infância, durou cerca de quatro a cinco anos, perto de Paris.
O país enfrenta desafios significativos em relação à xenofobia, especialmente contra imigrantes de países árabes e do Norte da África, com os quais a França tem uma história colonial complexa.
A ascensão da extrema-direita tem dificultado a condição para imigrantes e muitos que estão na França, e não são legalizados, não têm acesso às políticas sociais e de saúde do país.
Apesar de ter cidadania francesa e o acesso a benefícios sociais, Eduarda já sentiu o peso do estereótipo e do preconceito.
A entrada em uma classe de estrangeiros, onde todos eram “diferentes”, ajudou a reduzir o impacto inicial. Mas ela conta que as atitudes de estranhamento de alunos mais velhos eram perceptíveis. No entanto, a estudante já foi alvo de comentários racistas na rua, confundida com uma pessoa árabe.
Uma lembrança marcante da infância em Paris é a de uma vizinha que, ao decorar a casa para o Natal, disse: “Viram, aqui na França é assim o Natal”, presumindo que Eduarda e o pai, por serem imigrantes, não saberiam sobre a tradição, associando-os a muçulmanos que não celebram a data.
A fluência no idioma e a ausência de sotaque são fatores cruciais que influenciam a manifestação da xenofobia, segundo Eduarda. Saber falar e escrever bem o francês faz uma “diferença muito grande” na forma como se é percebido.
A estudante, que no passado sentiu a necessidade de se adaptar e “esconder” a origem brasileira, hoje abraça a identidade estrangeira. “Hoje em dia, eu não tenho a menor necessidade de me sentir francesa, a última coisa que eu quero na minha vida é me sentir francesa”, afirma. Ela destaca a riqueza da cultura brasileira, que muitas vezes é subestimada, e critica as políticas migratórias francesas.
Foto: Arquivo pessoal
Especialista alerta sobre os efeitos da xenofobia
A psicóloga Fabiana Reis, que trabalha há mais de 20 anos na área da psicologia e que atualmente também atende pacientes brasileiros que moram no exterior, diz que a xenofobia traz consequências, tanto para quem sofre, quanto para a sociedade de forma geral, principalmente nos âmbitos emocionais, profissionais e sociais.
Ela destaca também que a xenofobia pode ser diferente dependendo da faixa etária, com crianças e adolescentes sendo mais suscetíveis a esse tipo de preconceito.
“Nós vemos muitas crianças e adolescentes sofrendo tipos diferentes de preconceito, pois esses indivíduos vão entrar em escolas ou ambientes de ensino nas quais eles podem ser alvos fáceis de bullying e acabam sendo mais vulneráveis a essas influências externas, diferentemente de adultos ou idosos.”
Fabiana também destaca como a xenofobia afeta as pessoas em relação à ansiedade e até na autoestima. Ela diz que o sentimento de não pertencimento e inferioridade causam uma desvalorização da própria imagem, internalizando o pensamento negativo que se não forem devidamente tratados, podem gerar traumas e transtornos psicológicos mais sérios à longo prazo.
Ela cita que o ambiente hostil causado pela xenofobia pode prejudicar a adaptação e a evolução pessoal e profissional do indivíduo pelo fato da implantação de “barreiras” que esse preconceito pode gerar em inúmeras áreas da sociedade.
Por Arthur Lopes, Átila Malheiro, Catherine Machado, Maria Eduarda Medina, Morgana Williams e Rafael Lins
Sob supervisão de Isa Stacciarini e Luiz Claudio Ferreira