O Oriente Médio vive mais um momento de tensão máxima. Em junho de 2025, Israel lançou um ataque aéreo contra alvos militares no Irã, em uma ação que rompeu décadas de contenção e reacendeu o risco de uma guerra regional de grandes proporções.

Com apoio dos Estados Unidos, a ofensiva teve como justificativa o avanço do programa nuclear iraniano, que o governo israelense classifica como uma ameaça direta à sua existência. Para o especialista em Oriente Médio, o professor Danilo Vieira, o ataque não foi um ponto fora da curva, mas o desenrolar de anos de antagonismo crescente entre dois dos principais atores da região.
Histórico
Desde a Revolução Islâmica de 1979, que instaurou um regime teocrático xiita em Teerã, Israel e Irã se tornaram adversários ideológicos e estratégicos.
Ao longo de décadas, os dois países travaram uma guerra indireta, marcada por ataques cibernéticos, sabotagens, espionagem e financiamento de grupos armados. O Irã apoia diretamente organizações como o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, na Faixa de Gaza, ambas consideradas inimigas de Israel.
O ponto mais recente ocorreu em 7 de outubro de 2023, quando o Hamas realizou um ataque coordenado contra Israel, com apoio logístico do Hezbollah. Tel Aviv atribuiu o planejamento indireto da ofensiva ao Irã. A partir daquele momento, o clima político e militar passou a se deteriorar com rapidez.
Segundo o pesquisador Danilo Vieira, o ataque israelense em junho foi resultado de um planejamento de longa data.
“Esse plano de ataque de Israel, justificado pelo projeto nuclear iraniano, já vem de longa data”, afirmou.
Ele explica que a ação só se tornou viável agora por dois motivos: a participação do Irã nos ataques de 2023 e a mudança na postura dos Estados Unidos, que deixaram de conter as intenções militares israelenses.
“Houve um aval claro à operação, ainda que com restrições, como o veto a uma ação fatal contra o líder supremo Ali Khamenei”.
O programa nuclear iraniano
O Irã iniciou seu programa nuclear ainda na década de 1970, durante o regime do Xá* Mohammad Reza Pahlavi, então aliado do Ocidente e de Israel.
Naquele período, o país recebeu tecnologia estrangeira para desenvolver energia nuclear com fins civis. A Revolução Islâmica interrompeu essa parceria e transformou o Irã em alvo de desconfiança das potências ocidentais.
Desde os anos 2000, os Estados Unidos e Israel acusam Teerã de utilizar seu programa como fachada para a produção de armas nucleares, o que é negado pelo governo iraniano.
Diversos acordos e inspeções internacionais tentaram conter o avanço, incluindo o Plano de Ação Conjunto Global, firmado em 2015 entre o Irã e um grupo de potências liderado pelos EUA. O pacto foi abandonado unilateralmente por Donald Trump em 2018, reabrindo espaço para novas tensões.
Danilo Vieira lembra que parte do conhecimento técnico do Irã foi adquirida por vias clandestinas. “Posteriormente, parte dessa tecnologia foi adquirida por meio de Abdul Khan, pai da bomba atômica paquistanesa. Existe grande suspeita de que os iranianos já tenham o know-how para a construção da bomba”, afirmou.
Geopolítica
O ataque israelense só foi possível graças a um contexto internacional favorável. Os Estados Unidos, sob influência da política externa da era Trump, endureceram a retórica contra o Irã e passaram a tolerar ações mais agressivas por parte de Israel.
“Os americanos estão envolvidos até o pescoço em relação a isso. O governo Trump quis, por meio de uma ação israelense, mostrar o que pode acontecer e o que pode se intensificar”, analisou o pesquisador.
Do outro lado, o Irã mantém alianças estratégicas com potências como Rússia e China. Moscou, envolvida na guerra da Ucrânia, condenou os ataques israelenses e reiterou sua parceria com Teerã.
Recentemente, os dois países assinaram acordos econômicos e militares, incluindo o fornecimento de drones e sistemas de defesa aérea.
A China, que tem interesses econômicos no Irã, também tende a apoiar o país em votações na ONU, embora com mais cautela.
Nesse cenário, a Organização das Nações Unidas se mostra novamente limitada. O Conselho de Segurança, onde cinco países têm poder de veto, está travado.
“Temos a ilusão de que a ONU é um Estado mundial, e não é. A estrutura de representação, pensada no pós-Segunda Guerra Mundial, se perdeu”, avaliou Vieira.
O risco de escalada
Militarmente, Israel possui superioridade tecnológica indiscutível. O país investe fortemente em defesa, possui um dos sistemas de mísseis mais avançados do mundo, o Domo de Ferro. E é amplamente considerado uma potência nuclear, apesar de nunca ter reconhecido oficialmente essa condição.
Enquanto o Irã, por sua vez, opera com uma frota aérea obsoleta, composta por caças F-5 e F-14 da década de 1970, adquiridos ainda durante o regime do Xá. Ainda assim, possui um exército numeroso e capacidade de articulação de ataques assimétricos por meio de grupos aliados e milícias armadas.
“O Irã está em desvantagem em termos de armamentos tradicionais. Mas tem vantagem em contingente pessoal e influência regional. Não há condições de guerra em terra, então o confronto tende a ser aéreo, por meio de bombardeios, drones e mísseis”, explicou Vieira.
Ele também alertou para o risco de ataques jihadistas isolados como forma de retaliação.
O impasse nuclear
A maior incerteza está na dimensão nuclear do conflito. O Irã alega não possuir armas atômicas. Israel não confirma nem nega sua capacidade, mas há consenso internacional sobre sua existência. Danilo Vieira resume o dilema com clareza: “a grande incógnita é qual o poderio nuclear real de Irã e Israel.”
O ataque de junho de 2025 evidencia que o sistema internacional está passando por uma transição. As instituições multilaterais, como a ONU, perdem força diante de uma nova lógica de poder, mais polarizada e instável. Para o pesquisador, o cenário atual lembra os rearranjos geopolíticos do século XIX, que antecederam conflitos de grande escala.
“Estamos vendo uma transição dos agentes políticos e, com ela, tensionamentos. Só esperamos que a falta de bom senso não nos leve a um conflito mundial.”
Por Natália Santos
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira