O romance Dias Perfeitos, do autor brasileiro Raphael Montes, lançado originalmente em 2014, é um livro que mexe com quem lê, não porque ele seja bonito ou confortável, mas um livro perturbador, inteligente e cruel.
Uma minissérie inspirada no livro estreia nesta quinta na Globoplay com oito episódios.
O livro acompanha um protagonista que, à primeira vista, parece “comum”. No entanto, à medida que a história avança, o leitor é confrontado com um jogo psicológico que desafia as fronteiras entre amor, controle e loucura.
Desequilíbrio
O protagonista é Téo, um estudante de medicina que vive no Rio de Janeiro com a mãe paraplégica. Solitário e emocionalmente reprimido, ele carrega traços de uma mente claramente desequilibrada.
A única “confidente” dele é Gertrudes, um cadáver utilizado nas aulas de anatomia com quem mantém uma relação de apego pouco comum.
A trama acompanha Teo, introspectivo e metódico, cuja vida toma um rumo inesperado ao conhecer Clarice, uma jovem roteirista livre, espontânea e cheia de planos, praticamente seu oposto, como um espelho invertido.
O encontro, à primeira vista, casual, desperta nele uma fascinação obsessiva, levando-o a acreditar que estão destinados a ficar juntos para sempre.
A partir daí, a relação evolui para um jogo perigoso marcado por obsessão, sequestro e manipulação. Pois convencido de que estão destinados a ficar juntos, ele toma uma decisão extrema: sequestrar Clarice para “garantir” o futuro que ele idealizou na tentativa de conquistar sua amada.
O enredo é construído em ritmo crescente, alternando momentos de aparente calmaria com cenas de forte tensão. A narrativa em terceira pessoa mergulha na mente de Téo, revelando gradualmente suas motivações e justificativas, o que intensifica o desconforto do leitor e levanta questões sobre limites morais e psicológicos.
A ambientação brasileira, somada ao uso de referências culturais locais, reforça a autenticidade da obra e aproxima o leitor da realidade dos personagens.
Foto: Divulgação (Globo)
Psicopatia
O Téo tem traços de estereótipos, mas ele não é apenas um. Raphael Montes usa elementos de arquétipos mas molda o Téo com tanta frieza e sutileza, que ele escapa de ser apenas um vilão genérico.
Téo traz muitos traços que lembram um estereótipo de psicopata clássico: Inteligente, calmo, planejador, frio, sem empatia, manipulador, obcecado por controle e Inofensivo à primeira vista.
Mas o livro não para por aí. Ele não transforma o Téo num vilão ao extremo, mas não o faz “brilhar” como certos personagens psicopatas da ficção.
Téo representa o homem que vê mulheres como propriedade, nunca ouve um “não” como resposta e usa sua posição social pra escapar das consequências.
Clarice: a mulher que não se curva
Em Dias Perfeitos, Clarice não é só a mulher que sofre um sequestro. Ela é, acima de tudo, a voz que insiste em existir mesmo sob controle extremo.
Ao contrário de muitos estereótipos femininos em thrillers psicológicos, ela não é submissa, frágil ou passiva. Clarice é inteligente, irônica, corajosa, demonstrando uma força enorme em resistir, lutar e tentar manter sua identidade mesmo quando tudo ao redor tenta apagá-la.
Clarice é muito mais do que uma simples vítima dentro da história, ela é o coração emocional e o contraponto humano fundamental para o horror que o Téo representa. Ela é a representação de todas as mulheres que não se encaixam no molde de “perfeição” imposto por outros e que pagam um preço por isso.
Por Riânia Melo
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira