Brindes do Cerrado: inovação e dupla poda transformam o DF em novo polo vitivinícola nacional

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Longe da tradição do Sul e Nordeste do país, o planalto central emerge como uma fronteira promissora para a vitivinicultura.

No Distrito Federal, produtores rurais têm superado o desafio do clima tropical com o uso de técnicas agrícolas e tecnologias de ponta para produzir rótulos de alta qualidade, colecionando prêmios internacionais e impulsionando um novo nicho de agronegócio e turismo.

Esta é a terceira reportagem da série Brindes do Cerrado, projeto cujo objetivo é jogar luz sobre as produções de bebidas artesanais no Distrito Federal. A proposta é entender como funcionam a produção, apreciação e consumo dessas bebidas no planalto central, e como a paixão por elas leva pessoas a adentrar nesses setores produtivos.

Vinhos da Ercoara. Foto: Henrique Fregonasse

A produção local, concentrada principalmente no Programa de Assentamento Dirigido do Distrito Federal (PAD-DF), onde se encontra a fazenda Ercoara – Cordeiro e Vinho, representa um movimento de diversificação econômica para as propriedades rurais produtoras do local. Sócio-proprietário da Ercoara, Erbert Correia de Araújo, o Bebeto, explica que a busca por diversificar os produtos, unida à tradição de ovinocultura da fazenda, fez com que o vinho se encaixasse “muito bem dentro dessa proposta” de incluir novos produtos de alto valor agregado.

Outras propriedades agrícolas da região também embarcaram na experimentação com o plantio de uvas. Visando baratear os custos da produção de vinhos, dez famílias produtoras do PAD-DF formaram o consórcio Vinícola Brasília, onde parte da produção é feita em conjunto.

“Surgiu a oportunidade de formar a Vinícola Brasília, que é um grupo de dez produtores da nossa região onde nós fazemos a vinificação dos nossos vinhos em conjunto. A partir daí, o projeto de enoturismo também foi introduzido para que a gente pudesse apresentar esse produto para o consumidor final e promover a nossa marca”, explica Bebeto.

Erbert Correia de Araújo (Bebeto), sócio-proprietário da Ercoara.

Importância do enoturismo

Apesar de ainda ser considerado em estágio embrionário, principalmente em comparação às regiões Sul e Nordeste — em 2022, eram 60 hectares plantados e mais de 30 produtores no DF, o que equivale a menos de 1% das produções dessas regiões —, o setor vitivinícola do Cerrado encontrou um aliado fundamental no enoturismo.

Dados do Enotur Lab, de 2023, mostram que, na capital, as atividades turísticas — que incluem visitas guiadas, degustações e eventos vínicos — são responsáveis por cerca de 75% do faturamento das vinícolas do PAD-DF. Para os produtores, essa é a forma de apresentar o produto e fortalecer a marca.

Segredos do sucesso

O fator-chave para o sucesso da produção de uvas no Cerrado é a adoção da técnica de dupla poda, ou poda invertida. Desenvolvida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) no início dos anos 2000, essa prática altera o ciclo natural da videira, transferindo a colheita, que ocorreria no verão, para o inverno. O resultado é que as uvas amadurecem em um período mais frio e seco, garantindo uma qualidade superior ao vinho.

Outras características do meio-ambiente também influenciam a qualidade dos vinhos. Francisco Sousa Lima, sommelier e viticultor na Ercoara, explica a diferença entre os fatores que compõem o produto: “A tipicidade do vinho vem do solo para baixo”. Ou seja, as características do terroir são definidas pelo solo. Já a qualidade depende do fator climático, que é corrigido pela técnica: “A qualidade é do solo para cima. Mas para ter qualidade, eu preciso ter um clima favorável. Por isso a importância da dupla poda e colheita de inverno”, reforça.

Francisco Sousa Lima, sommelier de vinhos e viticultor na Ercoara

O sommelier que não bebe

A paixão pelo vinho na região é vivida de diversas formas. Francisco, que chegou à fazenda em 2019 e acompanhou o projeto desde o plantio, é responsável por cuidar das videiras e servir os vinhos. Sua história, porém, traz uma peculiaridade: ele é um sommelier abstêmio.

Francisco revela que a decisão de parar de beber veio com o nascimento da primeira filha. No entanto, isso não o impediu de se aprofundar na profissão. “Eu descobri que eu poderia degustar o vinho na boca e poderia fazer o descarte dele. Fazendo isso, eu iria entender a complexidade do vinho na boca, e no nariz eu já tinha mais facilidade”, conta. 

A abstemia tem sido uma prática defendida por muitos sommeliers renomados ao redor do mundo, que alegam que a sobriedade aguça seus sentidos, essenciais para o serviço, sem alterar a paixão pela bebida. Francisco se sente realizado: “Eu me encontrei na viticultura. Me considero privilegiado de sair da minha casa e vir para um ambiente onde eu tenho uma alegria de estar, no meio das plantas”.

Promove conexões

O vinho transcende a técnica e toca o aspecto cultural e afetivo, como pontua Paulo Mondego, um consumidor que se encantou com a bebida. Para ele, o vinho é um veículo de conexões afetivas: “Você vai tomar um vinho geralmente à mesa, você vai estar cercado de pessoas, você vai ter comida… se você tá numa fossa, ele vai ser a sua companhia”.

Paulo Mondego possui uma mini adega em sua casa.

Apesar da qualidade e do potencial, o setor local enfrenta o desafio da divulgação. Paulo, por exemplo, acredita que a produção do DF ainda é desconhecida do público. “Eu acho que as pessoas não sabem que existe produção de vinho no Cerrado, porque, quando se pensa em uvas, não se imagina o clima do Cerrado”, afirma.

Com uma coleção de premiações, o vinho brasiliense já demonstra grande qualidade e é promissor. O desafio dos produtores passa a ser aumentar a sua divulgação e transformar a região em um polo reconhecido nacional e internacionalmente, solidificando o Distrito Federal no mapa da vitivinicultura brasileira.

Assista o terceiro episódio do Brindes do Cerrado em vídeo:

Por Henrique Fregonasse e Luana Nogueira

Produção: Ana Clara Neves e Maria Clara Batista

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