O café faz parte do cotidiano brasileiro de um jeito que vai além do hábito. Ele abre o dia com seu aroma característico, acompanha conversas despreocupadas com amigos, sustenta pausas no trabalho e marca momentos de intimidade consigo mesmo. Em muitos lares, o simples ato de coar café já carrega afeto, memória e companhia.
Esta é a segunda reportagem da série Brindes do Cerrado, projeto cujo objetivo é jogar luz sobre as produções de bebidas artesanais no Distrito Federal. A proposta é entender como funcionam a produção, apreciação e consumo dessas bebidas no planalto central, e como a paixão por elas leva pessoas a adentrar nesses setores produtivos.
A psicóloga aposentada Kelma Dantas sabe bem disso. Apaixonada pela bebida, ela comprou até uma máquina de moer grãos para usar na cozinha de casa. Para ela, o café é mais do que sabor, é um “catalisador” de encontros.
“O café, ele permeia o prazer, ele permeia o afeto, né? Eu acho muito saboroso isso, não só o sabor exatamente estrito do café, mas também esse momento de troca que o café promove”, afirma.

Essa relação afetiva também se reflete nos números: o Brasil segue líder na produção e exportação de café no mundo e aparece como o segundo maior consumidor. Uma pesquisa da Universidade do Café, divulgada em fevereiro deste ano, mostra que a bebida está presente em 91% dos lares brasileiros.
Cafés especiais
Dentro do consumo do café, tem crescido o interesse e a busca por grãos de qualidade superior, que são conhecidos como cafés especiais.
Na casa de Kelma, só entram grãos selecionados. De acordo com ela, o prazer de tomar o café é maior. “Eu acho que o sabor é melhor. É diferenciado, sim. Você consegue buscar notas diferenciadas, e você consegue, naquele encontro, botar o melhor, sair o melhor daquele momento.”
Mas o que exatamente faz um café ser considerado especial? De acordo com Henrique Avogado, barista há mais de 8 anos, a resposta está no cuidado e no manejo dos grãos:
“O café especial é diferente porque ele é minuciosamente colhido, passa por um processo bem cuidadoso para chegar na mesma cliente. Ele passa por uma colheita de grão a grão. Ele é torrado em uma temperatura ideal. Não é torrado para esconder nenhuma impureza. Então, ele é um café realmente especial, como diz o nome”, explica Henrique.

Um café especial é aquele produzido com extremo cuidado em cada etapa, desde a escolha da semente à torra final. Os grãos são colhidos um a um, sempre maduros e sem defeitos, e passam por processos que preservam suas características naturais. Por isso, revelam sabores mais complexos, com notas diferenciadas, aroma mais limpo e textura mais equilibrada.
Flavia Penido, uma pequena produtora de café especial do Distrito Federal explica que o café especial é uma bebida que entrega qualidade porque nasce de dedicação, técnica e atenção aos detalhes.
“Café especial, ele exige dedicação, bastante conhecimento e cuidados, cuidados especiais. Desde a escolha de uma boa semente certificada, a produção da muda por um riveiro que sabe fazer uma boa muda, o plantio, o manejo na cultura, no campo, a colheita, a secagem”, explica. “E na torra também. É um processo onde você pode simplesmente destruir todo o trabalho. Do começo da seleção da semente até o momento da torra”, completa.

Café no DF
Flavia é cafeicultora há quatro anos. Em sua propriedade, o cultivo é feito em sistema agroflorestal, em que o café cresce entre árvores nativas.
De acordo com ela, a técnica melhora o solo e aumenta a qualidade dos grãos: “É um conjunto de plantas que servem para sustentar esse terreno, essa área de plantio de café.”
Flavia detalha os benefícios: “Você tem aí tanto a nutrição do solo quanto a proteção do solo. Cada planta suga do solo o que necessita e deposita no solo alguns nutrientes. Além da sombra, além das folhas no terreno, também protegem para evitar a evaporação da umidade do solo.”
O café mais produzido no Brasil e aqui no Distrito Federal também é o café do tipo Arábica, que, de acordo com Flavia, se adapta bem ao clima local: “Olha, o café arábico é um café mais palatável, mais agradável de se bebe. Aqui nós temos, inclusive, cafés de excelente qualidade, cafés especiais, já adaptados para o nosso clima e solo.”

E a cafeicultura no Distrito Federal está em plena expansão. Segundo a Emater-DF, em 2024 o setor movimentou R$ 23 milhões. São 138 produtores, cultivando 470 hectares e gerando mais de 900 toneladas por ano. A altitude, o clima seco no período da colheita e o solo favorecem a produção, de acordo com a produtora: “tudo para a produção de café é favorável aqui no clima de Brasília, do DF e do Centro-Oeste.”
Café e afeto
Para além do sabor e da qualidade, o café tem o poder de unir pessoas. O café cria encontros, desperta afetos e vira uma desculpa para sentar, olhar no olho e trocar uma ideia.
Quase uma década fazendo café, Henrique testemunhou por diversas vezes a força afetiva do café: “Eu acredito que o café vem não só pra unir, mas trazer uma experiência, memorável para cada pesso. Ele une as pessoas.”
Para Kelma não é diferente: “Eu acho que o café promove a expressão da efetividade. É nesse momento que a gente se coloca, que a gente conversa amenidades, que a gente expressa as nossas mazelas, é nesse momento que a gente faz planos também.”
No Distrito Federal, esse vínculo se reflete também no crescimento das cafeterias. Segundo o projeto Rota do Café, só na Asa Norte existem 40 cafeterias. Na Asa Sul, 24, além de outras 27 espalhadas pelo DF.
Nesses espaços, a bebida é quase um pretexto para oferecer, não só uma simples bebida, mas uma experiência memorável. Para o barista Henrique, o sucesso das cafeterias está diretamente ligado ao cuidado dedicado a cada etapa do preparo:
“O primeiro passo é que quando o grão chega pra gente, a gente tem a ciência de que a gente tem que extrair a melhor qualidade naquele grão… O que a gente mais quer é ver o café chegar na mesa do cliente, eles experimentarem e ver um sorriso de que realmente aquele café foi cuidado.”
Entre aroma, cultivo e afeto, o café produzido no Cerrado brasiliense mostra que a bebida é, ao mesmo tempo, encontro, memória e território.
Assista ao primeiro episódio do Brindes do Cerrado:
Por Luana Nogueira e Henrique Fregonasse
Produção: Ana Clara Neves e Maria Clara Batista


