A verdadeira face da inflação (conhecido pelo cidadão como o fenômeno que faz o preço ficar mais elevado) não está nos números. As porcentagens não representam a angústia de verificar no supermercado que tudo está mais caro. Em Brasília, os números divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram que se trata da capital com a maior alta do país (1,69%) na primeira semana de outubro. Fato é que essa quantia está expressa nas taxas de água, luz, transporte, remédio. Com as crises econômica e política, diferentes setores ligados ao comércio e os serviços aproveitaram para impor reajustes que ninguém estava preparado. Quem sofre mais são aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social. A rotina de consumo se altera e novas prioridades dão as caras nas vidas das pessoas. A reportagem da agência foi às ruas para tentar traduzir, na prática, o que os jargões econômicos não dão conta de explicar. Conheça diferentes faces da inflação

Diane Santana, 30 anos, vende água no sinal de trânsito para os poucos motoristas e passageiros que notam sua presença. Com o aumento dos preços dos alimentos e do transporte, Diane Santana atrasou o aluguel. “Já atrasei o aluguel porque ainda não consegui pagar. Os custos só fazem subir”. Para ela, os alimentos que mais aumentaram foram os mais importantes. “Os produtos que sinto falta são os principais. Não da mais para comprar carne, leite. Tudo aumentou”.
Maria Cardoso é cabeleireira e acredita que, para ela, o que está mais difícil é pagar a passagem de ônibus, cesta básica e principalmente gás. Deixar de sair se tornou uma opção para diminuir gastos, visita aos amigos já não é mais tão frequente “Visitar alguém não pode porque o dinheiro que você gastava em transporte durante em um mês, agora gasta em 15 dias”. A cabelereira se lembra exatamente de uma época quando a economia também estava difícil para o Brasil “Antes do plano real, ia no supermercado de manhã era um preço, a tarde era outro e a noite era outro”. Ela diz que não tem medo de perder emprego, mas que é evidente que o número de clientes vem diminuindo, pois as que frequentavam o salão quinzenalmente agora vão uma vez por mês.
Reinaldo Pereira é microempresário no ramo alimentício e diz que tudo mudou com a crise financeira. Os produtos que compra para vender em sua lanchonete aumentaram, mas para o consumidor os preços permanecem “Se aumentar o cliente não compra. A gente compra caro e vende barato o lucro é quase nada. Refrigerante já aumentou três vezes e eu não pude aumentar nenhuma”. A baixa nas vendas já afeta a vida pessoal de Reinaldo, com o feriado próximo viajar ficou somente nos planos “Uma semana antes do recesso o freguês já vai sumindo, vai economizando para poder viajar aí o movimento fica fraco e não ganho quase nada”. Circular de carro é quase um luxo com a alta da gasolina. O microempresário tem deixado o seu automóvel de lado para andar de ônibus e a pé.
Em um dos trabalhos mais criticados pela população, Francisco de Souza, 54 anos, conta ser flanelinha, vigia e lava carros. Sem uma renda mensal fixa, a preocupação toma conta ao ver os alimentos e serviços aumentarem constantemente. “Aqui o preço aumenta muito. Fica apertado para mim e para todo mundo”.
Recepcionista de um salão há 13 anos, Sônia Santos tem sentido o peso no bolso e no local de trabalho. O aumento do transporte no Distrito Federal a pegou de surpresa e impactou as despesas, pois o salário continua o mesmo. No salão, preços exorbitantes dos esmaltes, por exemplo, aumentam os custos com materiais. Cuidados como guardar dinheiro na caderneta de poupança, não são mais possíveis, pois não sobra dinheiro no final do mês. Na casa de Sônia moram muitas pessoas e o consumo é sempre um pouco maior. Mas, devido as circunstâncias a conta de água tem pesado na hora do pagamento até por ser essencial “A luz qualquer coisa você corta, a água é o que mais pesa porque você não vive sem”. No governo Sarney, ela trabalhava em supermercado e recorda o que era feito em sua rotina “Todo dia tinha que remarcar mercadoria”.
Desempregada, Sandra Neves, 33 anos, precisa sustentar quatro filhos na capital entregando panfletos no sinal. “Está tudo mais caro. O custo de vida subiu bastante no Brasil e Brasília é o mais caro”. Ela esclarece a dificuldade de comprar os alimentos que necessita para o convívio familiar adequado. “Os principais produtos da cesta básica, do dia-a-dia, foram os que mais aumentaram.

José Fernandes Leite é funcionário público e diz que o poder de consumo reduziu bastante nos últimos meses “Já deixei de comprar algumas coisas, deixei de viajar, a própria alimentação eu reduzi”. Além dos altos gastos com comida, remédio é um dos produtos que está mais difícil de controlar a compra “Remédio e comida tem que comprar se não, não sobrevive”. A diarista Silvia Barbosa diz também que os preços dos remédios estão cada vez mais absurdos “Antes eu já não fazia muita coisa, agora então. Com as coisas caras desse jeito, a gente se vira como pode”. A estudante de direito Kárita Soares tinha o hábito de fazer compras pela internet por ser mais barato, mas com o aumento de impostos tem deixado a preferência de lado. Outras despesas tem afetado seu orçamento “Não ando mais de carro, aí a passagem do ônibus aumenta e o vale transporte do estágio não fica difícil”.
Edmar Furtado, 58 anos, sustenta seus três filhos e sua esposa com o salário de porteiro. Acredita que Brasília está cada vez mais caro. “O custo de vida mais caro está em Brasília, mesmo sendo bom de se trabalhar”. Furtado amplia seu horário de trabalho para lavar os carros dos moradores visando aumentar sua renda mensal, mas mesmo assim está difícil. “Vários produtos aumentaram de preço. Está difícil comprar carne e outros alimentos. Tudo aumenta, mas não fica compatível com nosso salário que continua o mesmo”.
Por Júlia Campos e Lucas Valença
Arte: Camila Campos


