A creche Alecrim ainda está no escuro quando as crianças acordam. Junto com as mães, catadoras que trabalham no lixão da Estrutural, caminham entre as ruas não pavimentadas e os barracos de tapume até a creche. Lá recebem a primeira refeição, às vezes depois de passar um final de semana inteiro com fome.
O espaço surgiu do sonho de uma ex-catadora de lixo, ao verificar que não poderia trabalhar no lixão com a filha recém-nascida. Maria de Jesus Pereira começou a receber em casa as crianças dos vizinhos para que eles pudessem trabalhar. As quatro salas hoje recebem 137 crianças, de recém-nascidas a seis anos de idade. No entanto, a capacidade seria para apenas 60, de acordo com a própria diretora da creche.
Confira vídeo institucional da creche
Com o tempo, o pequeno barraco ficou pequeno para o número de crianças. Para atendê-las, foi preciso se mudar para um local maior. Hoje, o espaço concede quatro refeições por dia, além de oferecer brincadeiras, higienização e cuidados através de voluntários.
Recursos
A instituição se mantém apenas por meio de doações e trabalho voluntário, mas em meio à crise, os recursos diminuíram de forma constante. Já os preços dos alimentos, produtos de limpeza e higiene, devido à inflação, têm sido mais um problema para a unidade. “Ainda não fechamos a creche porque temos estocados muitos produtos, mas 50% das doações já caíram e não temos como repor tudo isso se a situação não melhorar”, relata a fundadora. O maior medo de Maria de Jesus é que a creche feche até o final do ano. “As crianças vão acabar voltando para o lixão, esse é meu maior medo. Temos crianças muito vulneráveis”, conta.
Para tentar manter o orçamento em dia, as voluntárias do local fazem bazar de roupas usadas, aprenderam a reaproveitar alimentos em um curso e reutilizam todos os objetos possíveis. “Aqui não jogamos nada no lixo, até as cascas de fruta são reutilizadas para alimentar as crianças, mas quando aperta e o dinheiro falta, temos que diminuir a quantidade de lanches”, diz o diretor Wendslau Dutra. Por serem mais caros, os alimentos que mais faltam são carnes e frutas, nutrientes importantes para a alimentação das crianças, especialmente as do berçário. Quando não há esses alimentos, as crianças menores se alimentam apenas de mingau e leite.
O local da creche é apertado, mal cabem todas as crianças. Na hora de dormir, elas têm que dividir os colchonetes e acabam apertadas. “No começo do ano, já deixamos vagas de sobra para crianças que podem ser encaminhadas pela assistente social. Mas são tantas crianças sofridas que estamos superlotados”, lamenta o diretor. A creche tem uma fila de espera de mais outras 60 crianças. Segundo ele, porém, é impossível dizer “não” a um pedido de assistentes sociais. “São histórias de maltrato e negligência, não tem como não receber a criança nessas situações”, explica. Na creche, muitas vezes, as crianças encaminhadas chegam sem nem conseguir falar, mas vão sendo tratadas e cuidadas gradualmente, até conseguirem interagir com as demais.
A fundadora afirma que, mesmo com as dificuldades financeiras, não será diminuído o número de crianças da creche. “Todas as crianças aqui precisam de alguma ajuda, todas têm famílias e histórias muito sofridas. Não tem como eu escolher quem vai ficar ou sair da creche”, relata. Para Maria de Jesus, é preferível ver a creche fechada a ter que escolher quais crianças serão atendidas. “Não sei o que seria da minha vida se essa creche fechasse. Prefiro nem pensar, aqui é minha vida”, resume.
Por Marina Silva