Especialistas em histórias da arte atribuem ao corpo humano nu um dos temas mais importantes de pesquisa. Escultores e pintores consagrados retiraram as vestes dos personagens e se eternizaram desde a Grécia Antiga. David, de Michelângelo, e O Pensador, de Rodin, são exemplos de obras que atravessaram os séculos para serem admiradas. No Brasil do século 21, nem mesmo a exposição na TV, cinema e espaços públicos eliminou o tabu. Quem trabalha com imagem ainda estranha por que o nu masculino, em particular, gera tantos preconceitos e representações machistas.
O fotógrafo André Araújo, de 22 anos, por exemplo especializou-se na fotografia do nu masculino. O reconhecimento já existe além das fronteiras com exposições em Roma, Canadá e Londres. Com mais de 33 mil seguidores no Instagram, André arrecadou fundos para rodar o seu mais novo projeto, a revista Nudos Magazine.
“O nu feminino é mais comum, primeiro porque é mais aceito diferente do masculino, que por conta do machismo é visto como algo vulgar”, afirma. Para ele, o corpo tem sido excessivamente valorizado como um padrão. Por isso, a fotografia do nu seria libertadora.
Araújo começou a fotografar amigos que topavam a experiência. “No começo, minha família achava ruim, no sentido de ‘por que você está fazendo isso?’. Hoje em dia veem como uma superação, porque sabem que sempre fui voltado para a arte, principalmente fotografia e dança.
Atualmente, as imagens são feitas ainda com um quê de proibido. “Como a maioria não tem casa para ceder, então procuro buscar lugares sem tanto movimento já que não quero ser preso. Fotografo em lugares reservados e no nascer do sol, a luz é melhor e não tem gente na rua para atrapalhar. Costumo fotografar em plantações, cachoeiras e no telhado do meu prédio”.
A professora de comunicação Elis Regina Araújo abordou o tema no livro “O corpo nu”, resultado da tese de doutorado. A obra retrata as representações sociais do corpo masculino, discute gênero, identidade e o tabu sobre o corpo do homem, mostrando que assim como ocorre com as mulheres, existem padrões de estética que também prevalecem no universo masculino e pode ser encontrado no site da Annablume.
O trabalho traz os resultados de pesquisa sobre as fotografias de nudez masculina publicadas na revista G Magazine e Sex Boys, duas publicações destinadas ao público gay. Para isso, foram analisadas quase mil fotografias durante o período de 1997 a 2005. “O objetivo era identificar se havia um padrão de nudez e como essa nudez era representada socialmente. O que o leitor dessas publicações encontraria nos ensaios e de que forma essas representações possuíam significados coletivos sobre beleza, masculinidade, homossexualidade, sensualidade, entre outros pontos”, afirma.
A investigação científica abordou a construção social e histórica do nu masculino. Com os resultados, ela constatou que havia nos ensaios e nas capas das revistas um predomínio de um tipo físico de boa proporção muscular, moreno bronzeado, de menos de 30 anos e de corpo trabalhado em academia. “Homens negros ou efeminados raramente apareciam nos ensaios e isso não era somente uma questão editorial. Os homens entrevistados para a pesquisa também idealizavam modelos que convergiam com os apresentados nas publicações. Por outro lado, homens muito másculos eram fotografados em poses convencionalmente consideradas femininas, ou seja, os ensaios eram ambíguos em termos de gênero.
Confira entrevista com a professora
⇒ Por que a senhora decidiu falar sobre o nu artístico em seu trabalho?
Escolhi trabalhar com esse tema, porque no mestrado investiguei a questão da identidade homossexual a partir das cartas de leitores enviadas à revista G Magazine. Cheguei a ir a São Paulo e entrevistei longamente a criadora da G, Ana Fadigas. Como os ensaios eram a parte preferida da revista pelos leitores e a G investia muito nisso, considerei interessante abordar essas imagens e investigar os elementos de identificação social que havia, pensando no corpo a partir dos conceitos de gênero e dos estudos feministas.
⇒Qual a repercussão que o seu livro tomou?
A repercussão do livro foi principalmente de ordem acadêmica já que ele foi lançado em um dos maiores congressos de comunicação do país – a Intercom. O congresso que ocorre anualmente aconteceu no ano passado no Rio de Janeiro, mas fiz o lançamento também em Brasília, e, no geral, a aceitação tem sido boa.
⇒ Como foi para fazer a analise do projeto?
Gostei muito de realizar a pesquisa porque foi possível, por meio da investigação, discutir temas que ainda são tabu, tais como nudez masculina, erotismo, pornografia e relações homo afetivas.
Por Ana Carolina Bianchini e Giovana Marques