Jurista: exoneração na EBC não é banal

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Após a exoneração do presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Ricardo Melo, nesta terça (17), o advogado constitucionalista Eduardo Bastos de Mendonça, doutor em direito público, afirmou que a polêmica precisará ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A lei de criação da empresa prevê que a destituição do diretor-presidente somente poderia ser realizada pelo conselho curador da empresa ou por irregularidades cometidas pelo gestor. “Ele pode impetrar com um mandado de segurança alegando que a lei lhe dá um direito líquido e certo dessa permanência. Acho bem recomendável que haja uma decisão rápida. Isso poderia ser apreciado esta semana ainda”. No entanto, para Mendonça, a situação não é tão simples.

“Em princípio, eu tendo a achar que essa destituição não deveria ser mantida”. No entanto, ele relativiza esse entendimento.  Ele ressalva que a discussão é complexa e existe há “muito tempo” no direito brasileiro. “Não é um ato sem nenhum tipo de embasamento jurisprudencial e normativo, é um ato questionável. (….) A EBC não é um agência. É uma empresa pública. Pela lógica mais tradicional o presidente poderia fazer essa reavaliação política”, afirma.

Enfim, Mendonça acredita que o tema é polêmico. Ele explica que havia no Brasil, durante muito tempo, a visão de que o chefe do poder executivo, pelo poder hierárquico, poderia destituir os dirigentes e entidades da administração direta mesmo quando a lei previsse o prazo da duração dos mandatos. “Esse entendimento foi atenuado em relação às agências reguladoras, na década de 1990, quando esse modelo das agências foi introduzido”.

Para as agências é tradicional que haja mandatos fixos e que o chefe do executivo não possa fazer a destituição antes do prazo, salvo por algumas das hipóteses legais. “Essa lógica não vale exatamente para uma empresa pública, de modo que, não é óbvio que essa disposição da lei deva limitar o poder do chefe do executivo, por isso é um tema polêmico. A jurisprudência que existe tratou das agências reguladoras que tem uma situação diferente das empresas públicas”.

EBC_logo_1024x768“Não é uma questão banal”

Para o constitucionalista, não é uma questão tão simples, como se poderia imaginar apenas lendo a lei. Em virtude da jurisprudência do Supremo, que sempre levou em conta que o poder hierárquico envolve o poder de destituir e nomear outra pessoa, esse caso pode levar a divergência de opiniões. “Em se tratando de uma empresa de comunicação,com previsão legal expressa, eu tendo a achar que não há nada de inválido na lei. Mas é preciso destacar que a questão não é banal”.

O jornalista Ricardo Melo informou nesta terça que vai recorrer à Justiça para reaver o mandato. A diretoria-executiva defendeu a a Lei 11.652/2008, que autorizou a criação da EBC e que, no seu artigo 19, prevê que o diretor-presidente e o diretor-geral sejam nomeados pelo presidente da República para um mandato de quatro anos. “Ao longo do intenso debate público que levou à criação da EBC, firmou-se a concepção de que o diretor-presidente deveria ter mandato fixo, não coincidente com os mandatos de Presidentes da República, para assegurar a independência dos canais públicos, tal como ocorre nos sistemas de radiodifusão pública de outros países democráticos”, explicou a empresa.

Jornalistas: exoneração pode levar a desmantelamento da EBC

O diretor do sindicato dos jornalistas Gésio Passos entende que a demissão é ilegal. “A medida tomada pelo governo interino desrespeita a criação da EBC que para garantir a autonomia da empresa pública estabelece um mandato para o presidente da empresa”, explica. Para ele, a tentativa de substituir afeta a essência de criação de uma empresa de comunicação. “Estamos muito  temerosos porque pode provocar o desmantelamento da empresa pública de comunicação. É um ataque à constituição e pode gerar repercussão nas agências reguladoras”.

Gésio Passos disse que há sérias críticas à gestão do atual presidente, mas a sua retirada afronta a autonomia da empresa. Está programado para sexta-feira (20) uma manifestação dos empregados da empresa, quando serão definidas novas mobilizações contrárias à decisão do governo Temer.

Para a vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, a exoneração do diretor-presidente da EBC, pelo presidente interino, constituiu um ilícito. “Como que um Ministro de Estado, em nome da presidência da república comete um ato ilegal? Isso se caracteriza como improbidade administrativa”. Ela explica que o presidente não pode ser responsável pela “imensa” quantidade de conteúdo produzido pelos veículos ligados à empresa. “Se o Supremo observar a lei número 11.652, que criou a EBC, muito provavelmente ele vai revogar a decisão tomada”.

Em nota, o Conselho Curador da EBC repudiou “veementemente” o que chamou de tentativa de desmonte das garantias legais da empresa. “Repudiamos a decisão do governo interino de destituição ilegal do diretor-presidente em plena vigência de seu mandato”.

A reportagem entrou em contato com o Palácio do Planalto e a Casa Civil, mas não obteve respostas até o momento da publicação.

Por Lucas Valença e Elisa Costa

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