A magia do contador de histórias

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Da oralidade ao papel, crianças vivenciam a contação de histórias como fruto de conhecimento e gesto de carinho. Pais, avós, educadores e contadores de histórias fazem dos contos lições de vida e mantêm forte a tradição da leitura. No olhar do fundador da Associação Amigos das Histórias, William Reis, a paixão pelo trabalho de contador de histórias vai além das barreiras financeiras e é guiada pela vontade de transmitir afeto por meio das palavras. “O contador de histórias é o mediador da leitura, pessoa valorosa no despertar no gosto pela curiosidade, encantamento e compartilhamento daquilo que lê e interpreta”, conta William.

Para a psicopedagoga Anna Cristina de Araújo, a presença das histórias e da ficção na vida de jovens e adultos é de extrema importância. Mas, já que as crianças giram em torno do mundo da fantasia, para elas a contação tem a missão de explorar os encantos da imaginação. “Nenhuma sociedade ignora o valor do contador de histórias, mas com a vida contemporânea algumas famílias perderam esse hábito, por isso os contadores têm assumido a tarefa em espetáculos, feiras, saraus e encontros”, acrescenta a psicopedagoga. Segundo Anna Cristina, ser um contador de histórias vai além de ler livros em voz alta. “O contador é performático, são artistas que decoram textos e muitas vezes se vestem de forma adequada para dar a luz da fantasia”.

Voz nas ruas

Já que o carinho recebido dos pequenos é a grande realização no trabalho dos contadores de histórias, encontros voluntários são a essência da profissão. Seguindo o modelo de afetividade familiar, a psicóloga Laís Melo lê para crianças nos jardins da 315 norte aos domingos e o único pagamento são sorrisos estampados no rosto da criançada.  Nomeado História em Quadrinhas, o projeto tem como objetivo incentivar o hábito da leitura em ambientes descontraídos e proporcionar a troca de carinho por meio dos livros. “A ideia é poder levar a leitura para um lugar diferente, aberto, onde a gente possa sentar no chão, na sombra das árvores e se divertir”, acrescenta a psicóloga. Como explica Laís, História em Quadrinhas surgiu de uma paixão de infância, que voltou a florescer depois de participar de um curso do meio.

A ideia é fazer com que o projeto se espalhe pelas demais quadras de Brasília e tenha representantes em cada canto da cidade. “Fica aberto para os querem participar, até as crianças mais velhas leem para as mais novas”, ressalta. “Quero incentivar as pessoas e fazer com que os pais leiam para os filhos também”. Segundo Laís, os livros proporcionam momentos inesquecíveis para quem conta e escuta. “Já presenciei momentos em que os pais estavam lendo pela primeira vez aos filhos e fiquei emocionada, as crianças se encantam”, completa.

Para conquistar o mundo

“Tanto a contação de histórias quanto o teatro tornam a língua mais lúdica e quebram a barreira com um novo idioma”. A atriz e contadora de histórias, Julianna Zancanaro, despertou o olhar para a contação por meio das artes cênicas. Hoje, além de atuar em espetáculos, ela trabalha com histórias em espanhol no instituto Cervantes. Segundo Julianna, por mais que a criança não tenha conhecimento do idioma, o interesse e a vontade em aprender sempre predominam no ambiente. “Já que a língua é diferente, sempre faço gestos que ajudam na compreensão. Por mais que diga que se não entenderem também posso falar em português, eles nunca pedem”, completa a atriz. Como explica Julianna, até adultos sem filhos vão participar da leitura, porque já que escutar o sotaque de um idioma estrangeiro ajuda no aprendizado, a melhor maneira de assimilar uma língua é estimulando a mente e escutando contos.

Paixão de todas as idades

“A minha história como contadora parte da minha história como leitora”, escritora e jornalista, Alessandra Roscoe se denomina mediadora de leitura. “A contação é um recurso a mais para chegar aos livros”, segundo ela, o incentivo à leitura é de extrema importância para todas as faixas etárias e, do trabalho com bebês aos idosos, é preciso usar a arte da conquista. “Meus trabalhos têm públicos muito específicos e preciso fazer parte do mundo deles e respeitar o tempo”, conta. Segundo ela, já que trabalha com a contação dos próprios livros e faz leitura para bebês e idosos, principalmente pacientes de Alzheimer, não importa a idade, os contos encantam a todos. “A leitura para bebê e idoso tem o fio condutor do afeto”, completa a escritora.

Para Alessandra, os livros precisam fazer parte do mundo de determinado público e ter um contexto especial. “Tem livros que falam de criança, mas não falam para a criança; o mundo de muitos escritores não faz parte da vivência da criançada de hoje”. Segundo ela, o segredo da contação é fazer com que os ouvintes tenham gosto pelo conto. “Às vezes o livro não é legal, mas a maneira de apresentar toca a pessoa”.

Por experiências pessoais, a escritora afirma que as histórias têm o poder de guardar laços afetivos. “Comecei a fazer leituras para idosos de uma maneira inesperada, fui convidada para fazer uma contação na UnB e achava que era para crianças, só que quando cheguei lá eram pessoas mais velhas”. Ao lembrar do momento, Alessandra se emociona e diz: “Li a história Caixinha para guardar o tempo e depois pedi para cada um contar o que guardaria na caixinha da memória. Entre tantas respostas, um senhor contou detalhes da vida na infância e quando descobri que ele não falava há seis anos pelos problemas da doença, me emocionei”. Segundo Alessandra, por meio das histórias, se pode despertar a vontade de viver.

Da raiz à capital

Conhecido como contador de histórias da Amazônia, o ator Joca Monteiro veio do Norte a Brasília para mostrar à criançada os encantos da cultura brasileira. Por meio dos contos, ele dá voz a narrativas cheias de poesias e de lembranças indígenas a tradições de interior incentiva os pequenos da cidade grande a valorizar a simplicidade. “Gosto de coletar histórias peculiares de cada local e de ter uma relação muito próxima com grandes mestres para transmitir aprendizados de um jeito fiel à cultura tradicional”, conta Joca. “As possibilidades para contar historias são muitas e não me prendo a uma forma específica, gosto de proporcionar um ambiente de misticismo, mas há várias possibilidades de fazer isso”. Segundo ele, já que é palhaço, usar a palhaçaria como ferramenta para a arte de contar histórias é um dos diferenciais do trabalho.

Música e festa

Já Rita de Cássia construiu a carreira de contadora de histórias em ritmo de música. “Antes eu pensava que era uma cantora que contava histórias, agora me vejo como uma contadora de histórias que canta”. Segundo Rita, que pelas crianças é conhecida como Tia Maroca, depois de se envolver com a magia dos contos sua vida mudou. Há 18 anos no ofício, ela trabalha com a família animando festas de aniversário, além de fazer parte da Associação Amigos da História. “Dinheiro não é nosso foco, queremos realizar sonhos e independente do que nos paguem, o sonho é mais bonito”.

“As crianças ficam hipnotizadas e sempre se envolvem por completo na narrativa e nas músicas”, nas palavras de Tia Maroca, em meio a tanta tecnologia, as histórias têm o papel de incentivar o lúdico. “Além de desenvolver o interesse pela leitura, a contação de histórias ensina o amor à natureza e às regras da sociedade; uma criança que escuta, vai crescer um adulto mais esclarecido”, explica. Para ela, os livros ao alcance da mão são a chave para uma viagem única e em lugares inimagináveis. “Me sinto privilegiada, porque são poucas as pessoas que se dispõe a viver essa aventura; quando a gente vive a história, não somos contadores, somos personagens que narram”, completa.

Profissionalização

“Acreditamos no fortalecimento da profissão, e já que é um trabalho feito com amor está baseado no social”, nas palavras de Maristela Papa, presidente da Associação Amigos da História, o mercado é promissor e abriga muitos talentos, mas ainda precisa ser valorizado. Há 21 anos no cenário brasiliense, a Associação Amigos da História contempla mais de 60 profissionais, que defendem a necessidade de uma formação adequada para transmitir o conhecimento. “Trabalhamos interferindo em outras áreas, que vão desde costureiras a bonequeiros e cenógrafos”, conta a contadora.

Segundo Maristela, não basta saber ler para ser um profissional do meio, para dar voz aos contos é necessário dominar a arte encenação e ter disposição para brincar. “Quando falamos da profissionalização, não podemos esquecer dos métodos que já existem e da oralidade passada por gerações, mas destacamos a utilização correta da voz e do corpo”, acrescenta a educadora. Como explica Maristela, o reconhecimento desses profissionais é desejado em todo o Brasil, e, já que em Brasília se comemora a semana do contador de histórias, o próximo passo é conquistar uma celebração nacional e conseguir a profissionalização da atividade. “O nosso dia internacional, 20 de março, nasceu na Suíça e é comemorado na capital brasileira há cinco anos”, conta.

Em 2014, Willian Reis, criador da Associação, pediu um Projeto de Lei para que haja a semana nacional dos contadores de histórias, a ser comemorada na data de morte de Câmara Cascudo – 30 de julho. O projeto está em tramitação na câmara dos deputados e pode ser votado em abril de 2016. “Vamos mostrar ao mundo que o Dia internacional do Contador de Histórias nasceu na Suíça, mas é comemorado no Brasil, na cidade Patrimônio Cultural da Humanidade que é bela, não apenas por sua arquitetura, mas pelas pessoas que amam viver da arte”, completa William Reis.

Um outro Projeto de Lei, que visa estabelecer os requisitos para ser um contador de história está nas mãos da deputada Erika Kokay. Segundo ela, as histórias proporcionam o conhecimento da nossa cultura, por isso a valorização profissional do contador ajuda na educação e geração de renda. “Os contos são instrumentos culturais que resgatam a riqueza do Brasil e a medida que se desenvolve familiaridade com o fantástico se vence medos e aprende a crescer em sociedade”, acrescenta Erika. Para ela, antes do projeto entrar em tramitação é preciso estabelecer uma mesa de debate, com o objetivo de avaliar as condições necessárias para se nomear contador de histórias como cargo público. “Quando regulamenta a profissão,  se diz qual é a capacitação da pessoa para educar e passar o gosto pela vida por meio das histórias”, completa a deputada.

Palavra de casa

Amor pela contação

Mãe de Mariah e Francisco, Marina Machado ressalta que a contação de histórias estimula a criatividade, expressividade e aumenta o contato com as construções culturais. “As histórias funcionam como mediadoras de temáticas importantes para o diálogo entre pais e filhos, além de favorecer um momento lúdico entre crianças e adultos”, conta. Segundo ela, mesmo com deficiência auditiva, os filhos acompanham as narrativas com a ajuda de recursos visuais, porém, ela acredita que as atividades precisam ser mais inclusivas.  “A inclusão faz com que crianças em diferentes condições de desenvolvimento tenham a possibilidade de entrar em contato com a riqueza da história a partir da utilização de recursos variados”, acrescenta. A família gosta de frequentar as contações do CCBB, aos domingos, e para Marina, o grande elogio aos contadores é a capacidade de fantasiar e se expressar com o corpo, “A história contada é só a porta de entrada para um mundo de brincadeiras”.

No lar

“A forma como meu filho interage com as histórias é muito viva, ele participa da fantasia”, mãe do pequeno Ian, Ananda Yamasaki diz que aos três anos o filho desperta a curiosidade por meio das histórias. “A forma como ele vivência os contos é intensa, a sensação que eu tenho é que a história é uma realidade para ele”, conta. Segundo Ananda, desde a hora de dormir até nas brincadeiras a contação está presente, mas a diversão é sempre em família. Animada para apresentar ao pequeno uma forma diferente de apreciar as histórias, Ananda pretende levar o filho a uma contação profissional em breve e compartilhar com outras crianças a maneira preferida de dar voz à imaginação.

A criançada aprova

Mariana Sobreira – 12 anos

(Povo Fala) Mariana Sobreira_ Credito Fabiano Sobreira

Aos 12 anos, Mariana Sobreira é apaixonada por livros de aventura. Desde pequena os pais, Fabiano e Deolinda, influenciaram esse hábito com contações de histórias que retratam a fantasia da cultura brasileira. Segundo ela, enquanto menor, o livro favorito era Menina do laço de fita e hoje é As 39 pistas. Para Mariana, a parte mais legal dos contadores de história é a alegria a hora de apresentar os contos, “Eu gosto da atuação das pessoas com gestos e roupas coloridas”.

 

 

 

Mariah Machado – 5 anos

(Povo fala) Marina e Mariah (Credito Jacqueline Lisboa)1Aos cinco anos, a pequena Mariah adora livros que tem o lobo como personagem, mas, como muitas meninas da sua idade, também se encanta com histórias de princesas. Já que ela frequenta a contação de histórias do CCBB aos domingos e a mãe sempre estimula as brincadeiras lúdicas em casa, Mariah adora se divertir com as peripécias dos contadores de histórias.

 

 

 

 

 

 

Ana Clara – 8 anos

(Povo fala) Ana Clara(Crédito Íris Cruz)1“Eu gosto da história que o príncipe salva a princesa de um Dragão”, segundo a pequena Ana Clara, seus contadores de histórias favoritos são o pai e a mãe. Contos inventados pela família a deixam feliz e marcam momentos especiais ao lado das pessoas que mais ama.

 

 

 

 

Por Íris Cruz

 

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