Preparou a mala, conferiu os documentos e informou a família sobre onde estaria. A estudante de direito Carla Teixeira, de 20 anos, resolveu viajar sozinha para o Rio de Janeiro. Ouviu alertas de cuidados, mas lá se foi. Carla é um exemplo de como a vontade de viajar e conhecer novos lugares vai além da necessidade de uma companhia. Dados da Federação Brasileira de Albergues da Juventude mostram que 55% dos hóspedes solitários são do sexo feminino.
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No caso de Carla, o costume de embarcar em aventuras solitárias começou no ano passado. “Criei coragem e comecei a viajar sozinha há pouco tempo. A liberdade é tudo. É isso que me motiva. Às vezes preciso de um tempo só para mim”. Carla é uma entre tantas mulheres que encaram esse tipo de aventura, mesmo rodeadas por família e amigos.
De acordo com mulheres entrevistadas, a busca por aventuras, liberdade, momentos relaxantes, novos lugares, independência e autoconfiança estão entre os principais motivos para as mulheres que optam por uma viagem sozinha. Elas, que se planejam e superam preconceitos, medos e inseguranças, surpreendem e distorcem ideias que ouviram, ao longo da vida, de que são o sexo frágil.

Conquista
A psicóloga Keila Britto explica que a vontade de viajar sozinha pode estar relacionada a motivos como incompatibilidade com os gostos de pessoas próximas, tempo disponível ou apenas uma necessidade de estar só. “É um momento de transição para a mulher e a independência nesse aspecto está se tornando mais forte a cada dia. Ainda existem muitos preconceitos sobre essa iniciativa, isso é fato. Mas o importante é que é mais uma conquista feminina”, comemora a psicóloga.
Esse fenômeno ocorre em outros países. Uma pesquisa feita pelo site Booking.com com mulheres entre 25 e 45 anos do Reino Unido, Canadá, Austrália, Estados Unidos e Alemanha mostrou que o número de mulheres que viajam sozinhas aumentou em 50% nos últimos cinco anos. Ao todo, 65% das mulheres que viajam assim, se sentem mais corajosas do que com medo, aumentando sua autoestima e autoconfiança. As brasilienses não ficam atrás.
A servidora pública Cláudia Souza, 41, está sempre viajando sozinha. Conta que na maioria das vezes é por falta de companhia. “Sou solteira e não tenho filhos. No começo, viajava sozinha por falta de companhia. Quando me acostumei, vi o tanto que a prática me fazia bem. É bom dar um tempo da rotina, desestressar, pensar”, afirma Cláudia. Já passou por Trancoso, em Porto Seguro, por Araxá, em Minas Gerais e, frequentemente, vai para São Paulo.
Preconceito
A busca dessas mulheres por novas experiências pode ser perigosa se elas não tomarem cuidados. Dados do Serviço Britânico para Estrangeiros, colhidos em 2014, apontam que as queixas nos consulados sobre agressão sexual de mulheres aumentaram em até 12%. No Brasil, a situação não é diferente. As entrevistadas, embora passeiem solitárias, não deixam de se sentir inseguras e “com olhos e ouvidos atentos”.
A estudante de engenharia ambiental Victória Alves, 25, lembra que, em uma das viagens para Fortaleza (CE), passou aperto. “Logo quando cheguei à pousada, o dono me informou que ‘os gringos ficavam ali por perto’. Ficou ai uma dúvida, mas resolvi ficar calada. Em uma das noites fui seguida por um hippie quando voltava para lá. Ele andava atrás de mim e tentava conversar de forma forçada. Fiquei tão desesperada que entrei em um restaurante e passei um tempo por lá para ver se despistava o homem. Foi horrível”, relata. Victória garante que, em várias de suas viagens, pediu apoio a policiais, que debocharam da situação e não prestaram nenhuma ajuda.

tornam mais esperta.
Carla Teixeira também já passou por situações complicadas durante suas viagens. “A minha primeira viagem foi para o Rio de Janeiro. Estava maravilhada e de forma alguma esperava que alguma coisa acontecesse comigo. A gente sempre vê essas coisas na televisão e ouve histórias, mas nunca acha que podemos ser vitimas. Eu era muito inocente”, conta. A jovem se sentiu obrigada a ir embora da praia, quando notou que estava sendo observada de forma estranha por um rapaz.
As histórias não param por ai. Cláudia não esconde a decepção ao falar sobre as faltas de respeito que sofreu. “Eu ficava revoltada. Sentava em um restaurante e perguntavam se eu estava esperando alguém, se queria levar para a viagem. As pessoas não entendem que mulheres podem fazer coisas sozinhas e sentir prazer nisso. Sou feliz com os meus momentos”.
Procura
Se por um lado a tendência de mulheres viajando sozinhas tem aumentado, por outro, a procura nas agências de turismo ainda é considerada pequena. Uma operadora de viagens nacional informou que a maioria das mulheres que procura a empresa está acompanhada, mas, as que não estão, são jovens ou senhoras da terceira idade. Enquanto as primeiras recebem indicações para o Nordeste, Maceió e São Paulo, as segundas estão mais interessadas na calmaria de viagens para o exterior. A empresa acrescentou que as mulheres que procuram os serviços costumam se interessar em pacotes especiais para fora do Brasil.
Benefícios
A psicóloga Keila Britto acredita que as vantagens da prática são “infinitas”. Ela ressalta que conhecer lugares novos e adquirir novas habilidades são coisas especiais quando feitas sozinhas. “As mulheres vivenciam coisas que pensavam que só era possível com companhia. Lidar sozinha com possíveis imprevistos, conhecer pessoas, usar a roupa que elas têm vontade e não ter um horário específico para nada pode ser muito libertador”, comenta.
Para as mulheres que acreditam no benefício de ser feliz nos momentos de solidão, a prática é recomendável. Elas recomendam que pesquisa, coragem e muito planejamento são essenciais. A experiência, se feita no momento certo, pode fazer valer a pena cada dificuldade e tornar o momento inesquecível.
Por Amanda Ferreira
Fotos: arquivo pessoal