Duas reprovações escolares. Piadinhas entre os colegas de sala e falta de paciência da família para entender as limitações de concentração logo nos primeiros anos de vida. Essas foram algumas das situações já enfrentadas por João Riveira, 18.
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Proativo e divertido, o estudante do segundo ano do ensino médio, faz uso da ritalina desde os 12 anos de idade, quando os pais começaram a observar a dificuldade do jovem para cumprir os deveres escolares. “Eu sabia da minha limitação e sempre sofri bullying na escola mas nunca levei isso a sério”, comenta. Segundo ele, as notas melhoraram 90% quando ele passou a seguir o tratamento. “Me sinto mais concentrado e mais focado. Se eu não tomo o remédio, me distraio com qualquer coisa e mal consigo completar um parágrafo de alguma leitura”, diz.
Ele brinca que, se está estudando e passa uma mosca, o inseto consegue toda a atenção dele sem esforços. “Toco violão, cavaquinho e viola e, quando o assunto é música, não tenho grandes dificuldades de concentração”, explica. Para João a maior necessidade em tomar o remédio é para conseguir passar de ano. “Tenho consciência de que, sem o remédio, eu não passo de ano. Tanto que quando eu ainda não tomava, reprovei duas vezes”. O jovem já aprendeu a lidar com a situação e relata que o remédio já faz parte da rotina, mas que não toma nas férias e nem aos finais de semana. Além disso, o adolescente nunca sentiu nenhum efeito colateral e não considera o tratamento uma doença. “É uma dificuldade que eu tenho e ainda bem que já comecei a tratar desde muito novo”, pontua.
Casos como os de João têm sido mais comuns, de acordo com o Boletim de Farmacoepidemiologia da Anvisa. O consumo da droga aumentou 75% em crianças com idade de 6 a 16 anos, entre 2009 e 2011, no Brasil. Segundo especialistas, a situação ainda é recorrente. “A busca por uma solução rápida tem feito aumentar a demanda de pais de adolescentes. Nós, como profissionais, temos que analisar bastante o caso e fazer os devidos exames, para não autorizar a medicação sem o diagnóstico correto. Caso contrário, os efeitos colaterais podem ser severos”, explica o neurologista Arthur de Carvalho.
De acordo com ele, não existe o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade somente em um local, como na escola, por exemplo. “É necessário ter o problema de concentração em mais de um ambiente, caso contrário, TDAH pode não ser o diagnóstico”, pondera. Ele diz que o número de pessoas que procuram o consultório e que não têm o transtorno é maior do que o número de pessoas que têm. “A melhora na qualidade de vida para aqueles que possuem o transtorno é significativo”, reforça.
Indicado para este o tratamento de TDAH, o metilfenidato, nome científico da ritalina, gera bons resultados para os que possuem o problema, mas também pode ser um grande vilão para os que se auto medicam sem prescrição médica. O diagnóstico deve ser feito por uma equipe multidisciplinar formada por neurologistas, psiquiatras e psicólogos, que também contam com a ajuda da família e de professores para entender a origem da desatenção, da hiperatividade e de outras características do distúrbio.
A mãe de João, Somaria Andrade, 52, observa a diferença no filho muito mais do que ele mesmo. Para ela, sem o medicamento ele fica mais agitado e disperso, mas nada que atrapalhe as relações dentro de casa. “O remédio é fundamental e eu não pretendo parar o tratamento enquanto ele não terminar o ensino médio”, diz. Ela assume ter medo de o medicamento trazer consequências futuras para o filho João, mas que não se arrepende pelo uso, já que os resultados são imediatos. “O boletim dele melhorou muito e sei que ele está melhor em sala de aula, pois a escola sempre me da feedbacks”, conta. Para ela, a construção do futuro dele é o que importa. “No momento eu me preocupo muito com o desempenho dele e se tem tratamento, por que não seguir?”, desabafa.
O TDAH são questões do mundo moderno. Essa é a visão da psicóloga Luísa Villela que entende que as crianças estão em um contexto de vida em que são bombardeadas por informações 24 horas por dia, desde os primeiros anos de vida. “Jovens têm que se adaptar a um modelo escolar antigo e tradicional. Os adolescentes estão muito à frente disso, principalmente por conta das tecnologias”, analisa. Para ela, essa situação confunde os pais e faz que com que muitos recorram à medicação. “Temos, cada dia mais, devido a vida agitada, dificuldade de educar e lidar com as próprias emoções. E isso é fundamental”, conta. A psicóloga acredita que não ensinar os jovens a lidarem com suas próprias experiências emocionais, pode ser motivo de desorganização familiar, escolar e de vida. “Às vezes tiramos o valor da experiência humana e depositamos todas as expectativas em um conjunto de necessidades e idealizações financeiras, por exemplo”, explica. Ela define que o papel da psicoterapia é buscar compreender a experiência do paciente para entender como lidar com as dificuldades. “É importante identificar um sintoma mas entender que a pessoa não é somente um sintoma”, pontua.
Por Mariana Areias (texto, foto e vídeo)