Caso do Rio Melchior simboliza histórico de racismo ambiental

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O movimento social Salve o Rio Melchior marcou presença no Amazon Climate Hub, promovido pelo Instituto Internacional Arayara, espaço paralelo às negociações oficiais na COP 30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que aconteceu entre os dias 10 e 21 novembro de 2025, na cidade de Belém (PA). 

O movimento é representado por Newton Vieira e Alzirenio Carvalho, que lutam para que o Córrego Melchior, que perpassa por Samambaia, Ceilândia e Sol Nascente, no Distrito Federal (DF), seja foco de políticas públicas de saneamento básico para a despoluição do rio, que abastece a população das cidades das regiões administrativas do DF.

O Rio Melchior acumula denúncias para sua revitalização e reivindicações contra a construção de uma Usina Termelétrica de Brasília – UTE Brasília, na região de Samambaia. A movimentação resultou em uma investigação realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Rio Melchior, que avalia a legalidade da instalação da usina e do estado em que o rio se encontra.

Em sua movimentação mais recente, do dia 30 de outubro, a presidente da CPI, a deputada Paula Belmonte (Cidadania), divulgou, na 16ª reunião, que o relatório final da comissão será apresentado no dia 15 de dezembro de 2025.

Sofrendo com inúmero problemas ambientais, o rio está na classe 4 , a mais degradada, de acordo com a classificação dos corpos d’água pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e recebe também lançamentos do Aterro Sanitário de Brasília (ASB) e de um grande abatedouro de aves do DF. A Estação de Tratamento de Esgoto Melchior, que fica na cidade e é administrada pela Companhia Ambiental de Saneamento do DF (Caesb), e tem despejado em quantidade de efluentes tratados, o dobro da vazão média do rio, cerca de 1400 litros/segundo. 

A classificação dos corpos d’água feita pelo Conama, disposta na Resolução nº 357, de 2005, corresponde a cinco classes: especial,1, 2, 3 e 4, em águas doces, e é determinada por um processo  que considera a qualidade da água no período atual e os usos prioritários. Essa separação por enquadramento dos corpos d’água estabelece um nível de qualidade da água a ser alcançado ou mantido ao longo do tempo. 

Em águas doces, cada classe possui o seguinte destino:
– Classe especial: à preservação do equilíbrio natural das comunidade aquáticas, à preservação de ambientes aquáticos em unidade de conservação de proteção integral e ao abastecimento para consumo humano com desinfecção;

– Classe 1: à recreação de contato primário; abastecimento para o consumo humano após tratamento simplificado; proteção às comunidades aquáticas; à irrigação de hortaliças de consumo cru e à proteção das comunidades aquáticas em terras indígenas.


– Classe 2:  aquicultura e atividade de pesca, abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional; à proteção das comunidades aquáticas, recreação de contato primário; à irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e locais com os quais o público possa vir a ter contato direto;

– Classe 3: pesca amadora; abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado; à irrigação de culturas arbóreas; à recreação de contato secundário e ao consumo de água potável para animais;

– Classe 4: à navegação e à harmonia paisagística.

http://pbapgo.meioambiente.go.gov.br/wp-content/uploads/2021/10/RT-05-Enquadramento-UPGRH-Rio-Meia-Ponte-V05.pdf – pg. 15
Fonte: http://pbapgo.meioambiente.go.gov.br/wp-content/uploads/2021/10/RT-05-Enquadramento-UPGRH-Rio-Meia-Ponte-V05.pdf – pg. 15

A luta do Movimento Social Salve o Rio Melchior avança para incluir uma Ação Civil Pública. O Instituto Arayara protocolou um ofício à presidência CPI do Rio Melchior solicitando para incluir liminar na Ação Civil que suspendeu as outorgas de uso da água e a outorga de lançamentos do efluentes que foram concedidas a empresa que pretende instalar uma Usina Termelétrica em Samambaia, a Termo Norte Energia Ltda. Segundo a ação judicial, há falhas nos estudos técnicos apresentados no processo de licenciamento ambiental ultrapassados e em desacordo com o Termo de Referência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Buscando o apoio da comunidade e representando a população que sofre diariamente com a degradação do Rio, “Salve o Rio Melchior” assim como outros grupos, em parceria com o projeto Memórias do Rio, mobilizam uma petição que reinvidica a criação de um Parque Distrital que possibilite a preservação, a educação, o turismo comunitário e ecológico e a despoluição das águas do rio.

Comunidade periférica sofre com o racismo ambiental

O Rio Melchior é uma é uma representação emblemática do racismo ambiental, tema que esteve presente na COP 30. Juliano Bueno, conselheiro do Conama e um dos diretores e fundador do Instituto Arayara e doutor em riscos e emergências ambientais explica que o racismo se materializa ao “estar na periferia ou ser a comunidade que não é dona, não é a detentora da tomada de decisão do que pode ou não ser feito com o seu território”. 

A expressão “racismo ambiental” foi criado por Benjamin Franklin Chavis Junior, reverendo, químico e lider do movimento negro nos Estados Unidos, quando 3 em cada 4 dos depósitos de rejeitos químicos perigosos estavam em bairros com a população majoritariamente negra. Hoje, o conceito se ampliou e compreende as injustiças sociais e o forte impacto das degradações ambientais nos grupos raciais vulneráveis e mais marginalizados pela sociedade. Como é o caso dos impactos em Samambaia, Ceilândia e Sol Nascente. Essas regiões administrativas, juntas, contém mais de 600 mil habitantes e a renda mensal média é de R$ 889,38.

O impacto dos desastres ambientais, a poluição dos rios e bacias hidrográficas nas áreas de despejo de resíduos tende afetar mais diretamente as populações periféricas nas cidades, que abrange a maior parte da população negra no Brasil. As vilas, favelas e assentamentos, que pouco recebem políticas públicas eficazes de saneamento e infraestrutura, acabam por não ter como se proteger dos efeitos causados por essas ações.  

Quando a escolha do local onde será instalado um projeto altamente lesivo, como a usina termelétrica, costuma ser em áreas mais distantes, e como consequência há redução da qualidade de vida daquela população, além da desvalorização dos preços dos imóveis no local. As regiões selecionadas para servir como área de sacrifício, onde são depositados os dejetos, onde estão sujeitos a sediarem empreendimentos como este, possuem a população majoritariamente negra e parda, de menor renda e acesso à educação. “Então, o racismo ambiental ele se dá por várias características, uma delas é: Eu estou escolhendo um lugar porque nesse lugar tem pessoas com menos conhecimento. Essas pessoas, elas vão ter dificuldades de se defender.” explica Bueno.

A pensadora Tania Pacheco, entende que o racismo ambiental não se materializa apenas em ações que sejam intencionalmente racistas, mas ações que tenham um impacto racial apesar da intenção que tenha originado. Além disso, estas regiões presenciam a falta de acesso à água potável, saneamento básico, boas condições de moradia, de modo que passam por grandes dificuldades nos períodos de chuvas, com as  enchentes e deslizamentos.

Salve o Rio Melchior: movimento social de pressão política

Alzirenio Carvalho e Newton Vieira, do movimento “Salve o Rio Melchior”, cresceram usufruindo direta e indiretamente desses recursos hídricos e lutam para que eles não sejam destruídos. Eles elucidam que a função do movimento é de mostrar o problema e cobrar soluções. Alzirenio alerta para o uso da água contaminada pelos produtores rurais: “Qual é a origem da procedência desses alimentos que nós estamos consumindo no Distrito Federal? Então, o rio vai matar o pobre, vai matar qualquer pessoa, não vai escolher classe para matar.”

Especialistas e representantes da população das regiões de Ceilândia, Samambaia e Sol Nascente, como Newton, denunciam a falta de políticas públicas voltadas para o saneamento básico na região e uma possível revitalização do rio e sua subsequente reclassificação, “a cada R$ 1 investido em saneamento básico, você economiza R$ 4 no SUS” ele também destaca que “saneamento básico é um investimento, é um investimento na saúde pública”, aponta o ativista.

Com o uso indevido do Rio Melchior para despejar resíduos sólidos e não tratados, a poluição se agrava. Alzirenio reclama que as empresas que fazem esse uso, precisam ter responsabilidade jurídica, e que com a fiscalização do rio, seja possível identificar  o que está sendo despejado lá e se há algo sendo feito para combater o assoreamento no local.

Reportagem Mural de Jornalismo Ambiental

Este e outros conteúdos estiveram presentes na 2ª edição da “Reportagem Mural – COP 30: um olhar sobre a emergência climática”, que foi realizada pelos estudantes de jornalismo da disciplina de Jornalismo Científico e Ambiental entre os dias 29 de outubro e 05 de novembro, sob orientação da  professora Mônica Prado. Com o objetivo de tratar sobre temas fundamentais a serem discutidos da COP 30, as reportagens se debruçaram sobre diversos assuntos e trouxeram uma construção visual exposta no corredor do Bloco 12 do Centro Universitário de Brasília – CEUB. 

Foram 7 murais apresentados que trabalharam com temas como: a percepção da juventude sobre a crise climática, a presença e a contribuição dos povos originários para o combate à crise climática, o racismo ambiental retratado no caso do Rio Melchior, o financiamento climático e o mecanismo para manter as florestas tropicais em pé, as questões que envolvem Soluções Baseadas na Natureza para a adaptação climática, o que jovens que lutam por um cerrado vivo querem da COP 30, e a alta nos preços em Belém com a conferência sediada na cidade da Amazônia. 

A reportagem mural também contou com uma sessão participativa, em que estudantes universitários, professores e funcionários poderiam deixar suas opiniões a partir de perguntas motivadoras sobre as mudanças climáticas. O objetivo era incentivar que os visitantes da Reportagem refletissem sobre o que fazem quanto à crise climática.

Por Fernanda Diniz

Supervisão de Mônica Prado

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