Durante o mês de agosto deste ano, quatro naufrágios marítimos e fluviais somaram 55 mortes. Dois dos acidentes ocorreram no Pará, um em Roraima e outro na Bahia. A visibilidade das ocorrências trouxe à tona as problemáticas de um tipo de transporte que não costuma receber a mesma atenção do que o tráfego urbano e nas estradas. O fato é que esses naufrágios estão longe de serem isolados. Desde o início de 2017, o Brasil somou 107 ocorrências do gênero. O número mantém uma média trágica dos últimos anos, quando foram registrados mais de uma centena de acidentes (confira gráfico abaixo).
A Marinha é o órgão incumbido de investigar esse tipo de acidente. Desde o início do ano, os militares já haviam aberto 561 inquéritos de acidentes marinhos. O conceito usado é que a investigação não tem finalidade punitiva, mas com foco na prevenção de eventuais futuros acidentes levando-se em conta “fatores subjacentes”. Não há prazo para encerramento da investigação. Entretanto, a Marinha informa que, a qualquer momento durante uma apuração, se houver descoberta de dados que possam ser informados aos operadores das embarcações, serão publicados “atos de interferência ilícita” para alertar os navegadores, fabricantes e autoridades.
Investigação
O processo de investigação da Marinha é composto por seis etapas. Primeiro, é feito uma coleta dos dados relativos à ocorrência, quando a investigação busca coletar informações relacionadas ao pessoal, tarefas, equipamentos e condições ambientais. Nessa fase, a recomendação é fazer entrevistas com as testemunhas, tripulação, pessoas perto do local ou envolvidas no pós-acidente, além de autoridades e especialistas relevantes para a ocorrência. A Etapa 2 é determinar a sequência de eventos feita através da organização dos dados coletados na primeira etapa.
Na Etapa 3, as informações organizadas são usadas para identificar fatores que contribuíram para o acidente. A Marinha define três tipos de ações causadoras: ato, decisão ou condição insegura. O ato é “um erro ou violação que é cometido na presença de um perigo potencial”. Uma decisão insegura são ações que aparentemente não apresentam resultados, mas depois revelam consequências negativas. Já a condição insegura é um evento/circunstância que tem o potencial de provocar um acidente. Um mesmo acidente pode acumular atos, decisões e condições inseguras.
Quando identificado os atos, condições ou decisões inseguras, a Marinha inicia a quarta etapa. Nela, a busca é em saber se a ação foi voluntária ou involuntária e qual categoria de erro se insere a falha. Há quatro tipos de erros: engano, lapso (descuido), erro e transgressão. O engano e o lapso são considerados ações involuntárias. No caso do engano, o motivo é a falta de atenção e no lapso, falha da memória. O erro é uma ação intencional, considerado erro de planejamento. E a transgressão é quando há uma decisão de não seguir uma regra ou plano e isso acarretar um acidente.
A penúltima etapa tem o principal objetivo de determinar se haviam fatores no “sistema de trabalho que possam ter facilitado o surgimento de uma falha”. A recomendação da Marinha é de reexaminar todas as etapas anteriores, seus atos, condições e decisões inseguras. A Etapa 6 é a identificação de problemas de segurança e a indicação de medidas preventivas, com base nos fatores encontrados na etapa anterior. No final, um relatório é feito, com todas etapas descritas, mas a Força Naval tornou públicos apenas 27 relatórios de acidentes ocorridos entre 1998 e 2014.
Agosto trágico
No dia 2 de agosto, um empurrador de balsas da empresa Transportes Bertolini se chocou com um navio da empresa Mercosul Line, que carregava contêineres, em um trecho do Rio Amazonas, perto da região de Óbidos (PA). Nove pessoas da tripulação permanecem desaparecidas e o empurrador CXX está afundado a mais de 63 metros. A suspeita do Corpo dos Bombeiros é que os corpos das vítimas desaparecidas estejam localizadas junto com o empurrador.
No rio Xingu, no Pará, a embarcação Capitão Ribeiro naufragou na manhã do dia 25 de agosto. O barco havia saído com 30 toneladas de Santarém e, com o passar da viagem, foi despachando mercadorias e chegou a pesar 7 toneladas. A embarcação levava de forma ilegal, segundo o delegado que ouviu o depoimento do dono da embarcação, um carro e duas motos além de ter cargas armazenadas de forma incorreta. O número final de sobreviventes foi 29 e a tragédia contabilizou 23 mortes, oito eram crianças com idade que ia de 18 meses a dez anos.
Dois dias depois, uma embarcação naufragou na Baía de Todos os Santos. A embarcação Cavalo Marinho I fazia o transporte de 129 pessoas entre Salvador e a Ilha de Itaparica. O Ministério Público da Bahia já havia entrado com ações que alertavam sobre a precariedade do transporte marítimo daquela região, principalmente sobre irregularidades no transporte e da falta de equipamentos que permitisse a segurança. Em nota oficial, a CL transporte, empresa responsável pela Cavalo Marinho I, afirmou que a embarcação suporta até 160 passageiros mais 4 tripulantes e que, no dia do acidente, 13 pessoas não embarcaram dos 129 bilhetes vendidos. A última contagem de mortos registrou dezenove pessoas, entre elas duas crianças de dois anos e um bebê de seis meses.
Uma canoa naufragou e deixou quatro mortos, todas crianças e adolescentes entre 4 e 14 anos, no sul da Roraima, no dia 27 de agosto. Segundo o Corpo de Bombeiros de Roraima, havia uma superlotação na embarcação, considerando que se tratava de uma canoa de 3 metros ocupada por dez pessoas.
Por Larissa Lustoza
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira