
Entre potes de tintas, adesivos de carros e sprays para grafite, artistas plásticos da capital federal se inspiraram no Cerrado do Planalto Central para transformarem sucatas de ônibus, Kombis, e antigos veículos populares, como Fuscas e Brasílias, em verdadeiras obras. A ideia é a de sensibilizar e conscientizar a população para preservar o bioma. Uma das autoras das obras, Cida Lemos, disse que a ideia foi realizar uma obra aberta a fim de convidar as pessoas ao replantio. Outro artista plástico, Tão Cascão, afirmou que quis representar em uma Brasília amarela, os seres elementares. O grafiteiro Pedro Sangeon explicou que o desafio dele foi usar carroceria de um ônibus como instalação.
Assista ao vídeo com entrevistas dos artistas
A inspiração
O Cerrado concentra mais de 12.356 espécies de plantas já catalogadas. Segundo o presidente da ONG Ecodata, Donizete Torkaski, que colaborou com a iniciativa e é militante das questões de agroextravismo do cerrado, esse número é praticamente a metade do que existe no bioma amazônico. Além da grande diversidade de espécies de plantas, é daqui do Cerrado que 94% das águas fluem para a bacia de São Francisco. Uma das que nascem no Distrito Federal.
“O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil. Pouco conhecido, pouco valorizado. O PIB agrícola aqui, é muito grande”, afirma Cristianny Villela, especialista em Recursos Hídricos da Agência Nacional das Águas. Torkaski questiona o motivo da maior indignação da população brasileira ao saber de uma árvore tombar na Amazônia, mas não há a mesma sensibilização com as centenas de hectares destruídos todo ano. Em relação a isso, Torkaski aponta ser pela falta de conhecimento da sociedade em que as pessoas daqui do planalto central vivem, por não conhecerem e utilizarem o cerrado. “Nós não utilizamos o cerrado na alimentação, nos condimentos e nos medicamentos. Muito pouco ou quase nada dessa grande diversidade que nós temos”.
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Mais conscientização do que celebração
Segundo presidente da Ecodata, Donizete Tokarzki, a população do Distrito Federal é alimentada por pacotes tecnológicos que não incorporam a diversidade de Brasilia como elemento fundamental para a sobrevivência. “Aqui no DF a água já está acabando. Aqui do DF e na região do entorno temos diversos rios secando”, relata Tokarski.
Confira Especial sobre o Cerrado
A intervenção “Cerrado: Berço das Águas” é uma iniciativa que mistura arte, cultura e lazer. “Todo esse conteúdo de estar pensando nas nossas atitudes, nas nossas formas de consumir. Nós consumimos muito veneno, estamos sendo violentadores das novas gerações, que sofrerão com água e ar poluído”, relata Odécio Rossafa, 58, agrônomo e curador da Intervenção.
Odéssio Rossafa trabalha há 10 anos com catadores de materiais recicláveis do DF. Com eles o agrônomo aprendeu a reutilizar estes materiais, ensinaram o valor do lixo, e o luxo por dentro do simples. Com esta aprendizagem, o agrônomo convidou artistas para trabalharem com as carcaças recolhidas em Águas Lindas, São Sebastião e Luziânia. “São peças que custaram R$ 400, essa carcaça tinha um valor zero, consumindo com tempo as ferrugens, e a partir dai resolvemos transforma-las em obra de arte”, explica o curador.
Segundo a socióloga Lorena Ferraz, 30, que é produtora cultural, a relação arte ecologia é o que tem de mais contemporâneo de fazer artístico hoje. Lorena relata que o objetivo dessa intervenção é contar de alguma maneira o conceito do fazer artístico com a ecologia, com as ideias de sustentabilidade e reuso, ideias de pensar todas as questões de preservação do cerrado e das águas.
De acordo com Torkastki, a intervenção é um resgate não só do Cerrado, mas um resgate dos valores. “Como nós estamos vendo aqui a quantidade de material reciclado que nós jogamos fora. A quantidade de material que foi reutilizado pelos artistas transformando isso em algo que vai nos eternizar”. A intervenção ocorreu durante os dias 1-3 de setembro no estacionamento do Casa Park, onde as sucatas revertidas em obras de arte de vão estar expostas até a segunda fase do projeto, em novembro deste ano.
Por Nabil Sami e Beatriz Castilho