Comprometimento do sistema respiratório. Exposição a substâncias mortais. Flerte com o vício. A quem pensa que o cigarro eletrônico é apenas uma boa alternativa para se livrar do uso crônico do cigarro convencional, é hora de se atualizar.
Em relação aos malefícios causados pelos dispositivos, o médico Ricardo Martins, da Faculdade de Medicina da UnB, e pneumologista no Hospital Universitário de Brasília, avalia que perigo que paira sobre os usuários, quanto na dificuldade e combater a indústria fabricante dos DEF’s.
De acordo com ele, os malefícios da versão eletrônica são os mesmos de um cigarro convencional. Em decorrência da introdução do conteúdo ali presente, sobretudo nas vias aéreas, é possível que os adeptos, ao entrarem em contato com a combustão realizada no aparelho, sofram queimaduras em certas partes do corpo, como nos pulmões.
“O produto foi customizado para ser justamente algo fisicamente mais atrativo, de design mais moderno, em forma de pen drive. Além disso, podem ser comprados em qualquer esquina. A proibição imposta pela Anvisa, muitas vezes, não faz diferença”, explica ele.
A tendência, porém, é de piora quando se trata de problemas causados pelo uso. O problema inicial de toda a questão, de acordo com Ricardo, foi a capacidade dos fabricantes em inovar constantemente em novas estratégias de venda. O principal objetivo é mitigar os malefícios promovidos pelo uso.
Outra questão debatida pelo pneumologista foi justamente a noção de que o uso do cigarro eletrônico seria uma alternativa para diminuir o uso do comum. Isso, para ele, não passa de uma saída para que a indústria possa vender os produtos com mais eficiência.
Nicotina
O que acontece, na realidade, é justamente o contrário. Em decorrência da presença da nicotina, substância que, segundo o especialista, chega ao cérebro em apenas 10 segundos, a dependência, inicialmente o que se desejava eliminar, se torna ainda maior.
“Nesses dispositivos, por conta da absorção do líquido ser maior, o usuário acaba fumando muito mais do que faria com um cigarro convencional. os compradores do produto o adquirem sem nem saber as substâncias que ali estão presentes, pois não há qualquer tipo de fiscalização”, ressalta.
“Se o dispositivo não possuir nicotina, o usuário não se viciará. Essa substância é a responsável por garantir o retorno dos ‘clientes’ do cigarro eletrônico. À medida que a pessoa vai fumando, o cérebro aumenta receptores específicos para a substância, o que aumenta a dependência. Afirmar que isso vai resolver o problema de um fumante, é uma mentira. Um cigarro eletrônico sem a nicotina, mesmo não viciando, causaria os mesmos malefícios de um portador da substância”, acrescentou ele.
Formato
As inúmeras espécies de aparelhos do tipo se disfarçam bem. Elas passam a imagem de algo recreativo. Há fatores para que isso aconteça. Com sabores, designs e cheiros distintos, muitas vezes para imitar frutas, os chamados Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF’s) chegam às mãos de consumidores como algo atrativo. Principalmente, sob a condição de pouco desagradável, ao contrário do cigarro branco, por exemplo.
Enquanto os fumáveis convencionais espalham o forte cheiro da combustão do filtro com a nicotina, os DEF’s acabam, muitas vezes, tolerados em espaços públicos. Eles, inclusive, tiveram o próprio uso aderido sob a justificativa de que ajudavam os viciados em nicotina a abandonar a espécie ‘analógica’. Um mito.
Detalhes como este acabam como determinantes para o crescimento por entre a população. E é exatamente por isso que o cenário de consumo se torna ainda mais perigoso.
Doenças
A capacidade destrutiva desses aparelhinhos é mais do que apenas expressiva. Segundo a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, os malefícios à saúde não se limitam a questões como câncer e problemas respiratórios. O usuário frequente pode desenvolver, além disso, doenças cardiovasculares, como infarto, hipertensão arterial e morte súbita. O uso pode fazer mais mal, inclusive, do que do próprio tabaco convencional.
Por estes motivos, tornou-se alvo estridente da lei. No último mês de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atualizou a regulação de cigarros eletrônicos no Brasil, e manteve a proibição. A vedação está em vigor desde 2009.
Além de não ser permitido o armazenamento e o transporte, os instrumentos não podem ser nem mesmo fabricados, importados, comercializados ou distribuídos. Até mesmo propagandas, de quaisquer espécies, são proibidas. A importação através de bagagens de um viajante também não é permitida.
O contexto, no entanto, se torna preocupante quando mencionada a presença tamanha dos pequenos objetos pelo território brasileiro. De acordo com pesquisa realizada pelo instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), divulgada no último mês de janeiro, 2,9 milhões de brasileiros são usuários de DEF’s.
Em 2018, o número de adeptos chegava a 500 mil. Em 2023, chegou perto da casa do terceiro milhão. O crescimento representa aumento de 600%.
Ainda segundo a pesquisa, o Distrito Federal (3,7%) está entre os estados com maiores registros de uso dos aparelhos. Apenas Paraná (4,5%) e Mato Grosso do Sul (4%) ficam à frente. Outro fator que torna complicada a erradicação são as múltiplas alternativas de formatos do aparato disponíveis para os interessados.
Existem os tipos que aquecem o tabaco, mas sem queimá-lo. Também existe a possibilidade de utilizar os que produzem vapor a partir de um líquido saborizado. Alguns possuem nicotina. Outros, substâncias distintas, como maconha, por exemplo. Há ainda os descartáveis, os recarregáveis, os vaporizadores, as canetas e os cartuchos. Ou seja, não faltam opções.
Saúde mental
Existem diversas explicações para que os DEF’s sejam algo tão popular entre a sociedade brasileira. Muitas delas, inclusive, psicológicas. É isso o que salienta a psicóloga Luana Ribeiro, especialista em Saúde Mental, Psicologia Social, Neuropsicologia e Psicopatologia.
O vício em questões como o uso de cigarros eletrônicos é, sobretudo, situacional. Ou seja, parte da associação a contextos.
“O vício é tanto um fator social, que funciona como um fator de sociabilidade, no caso do álcool, por exemplo, onde muitas pessoas saem para beber juntas, e acabam se acostumando com isso, se viciando com isso”, explica a psicóloga.
Fatores como a predisposição genética para desenvolver vícios, a fuga da realidade e as sensações de calma e tranquilidade, também são aspectos contribuintes. “Esses pontos influenciam no desenvolvimento do vício de qualquer coisa”. O que torna o aparelho tão atraente, em especial aos adolescentes, é justamente o fato de se tratar de algo que está em evidência a nível público. Para eles, estão atrelados à inclusão social e à afirmação de identidade.
“Suponhamos que um jovem fumante decide que vai largar o vício. Num determinado dia, sai com alguns amigos e presencia todos fumando. Por isso, se torna complicado que ela resista à tentação. É algo que possui fácil acesso, e que, por conta da substância tão viciante que é a nicotina, entra fortemente na vida dos usuários”, esmiuçou Luana.
Para diminuir os adeptos dos DEF’s, é preciso, ainda de acordo com a psicóloga, mostrar aos usuários que os pontos positivos do fumo, a curto prazo, não são superiores aos fortes malefícios causados a longo prazo. Um ótimo caminho é fazer com que foquem em atividades capazes de gerarem outros prazeres, assim como outros hormônios. A prática esportiva, por exemplo, é uma alternativa.
Experiência para esquecer
Jairo, chamado dessa maneira pela reportagem por não querer se identificar, é apenas um dos diversos jovens expressivamente prejudicados pelo uso excessivo de cigarros eletrônicos. O estudante de direito conta que se envolveu com os aparelhos quando já fazia uso recreativo de maconha.
Ao ver os DEF’s aparecerem com cada vez mais constância na faculdade em que estuda, principalmente, nas mãos de amigos, passou a se interessar. Logo, se tornou um adepto. “Comecei a fumar o ‘pod’ pois sempre via os outros usando. Além do cheiro bom, o gosto bom era um forte atrativo. Passei a fumar constantemente, até comprar um. Mesmo quando não estava com o meu, sempre tinha um amigo pra emprestar”.
A partir daí, o consumo só aumentava. Em dado momento, percebeu o início e a incidência de alguns sintomas. A princípio, os elencava apenas como fruto da mudança brusca de clima em Brasília. Um resfriado, talvez. “Comecei a semana tossindo e com o nariz escorrendo, mas, naquele momento, pensei que estava assim somente por conta da mudança de clima, e continuei fumando normalmente”. No entanto, se impressionou com a piora brusca deste cenário.
Já entregue ao cigarro eletrônico, Jairo explica que, durante a própria festa de aniversário, enfrentou sinais estridentes de mal estar. Além de fortes dores no peito, sentia incômodos igualmente ruins na garganta e na região do abdômen. De acordo com ele, os problemas persistem até para a realização de tarefas simples, como comer, falar, respirar e tossir. Preocupado, resolveu ir ao hospital em busca de um diagnóstico. Porém, após a realização de diversos exames, como de sangue, de influenza, dengue e até Covid-19, se surpreendeu.
“Tudo dava negativo, até o momento em que foi detectada uma infecção bacteriana nos meus pulmões. Por isso, precisei fazer outros exames. O médico, então, chegou e disse que eu tinha uma grande bolha de ar no peito. Isso só poderia acontecer caso eu fosse um piloto de caça, um mergulhador, ou um fumante de cigarros eletrônicos. E assim, tive minha resposta”, relembra.
Diante da necessidade de ser internado, Jairo foi posteriormente diagnosticado com pneumonia e pneumomediastino, condição a que se denomina a presença da bolha de ar no peito. Com inflamação expressiva em ambos os pulmões, o estudante conta que, em decorrência da fumaça petrificada e da essência do cigarro eletrônico, desenvolveu uma crosta em volta dos órgãos.
Com isso, teve os brônquios, que se originam da traqueia, e penetram dos pulmões e se ramificam, tampados. Por isso, enfrentou a falta de ar e a infecção. “Passei cinco dias internado para tratar de todos esses problemas, e, desde então, resolvi me afastar de tudo. Nada disso vale a pena. Coloquei minha saúde em sério risco por conta de algo fútil”, avaliou.
Saiba mais sobre os vapes
Gabriel Botelho
Sob a supervisão de Luiz Cláudio Ferreira