As faculdades e universidades, para milhões de alunos no Brasil e ao redor do mundo, se tornam oportunidades para lapidar as habilidades necessárias rumo às tão sonhadas profissões. Para muitos desses alunos, no entanto, há um desafio: o preconceito.
Estudantes universitários mais velhos, ao não se encaixarem na faixa de idade padrão dos ambientes de ensino superior, em grande maioria, por jovens adultos, dizem sofrer com a rejeição por parte de colegas mais jovens. Esta atitude em específico carrega o nome de etarismo.
O etarismo diz respeito a estereótipos, preconceitos e discriminações com base na idade de uma pessoa. Apesar de acontecer com mais frequência diante de pessoas idosas, não deixam de marcar presença diante dos mais jovens.
Nos ambientes universitários também não é diferente. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2022, levantado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) anualmente, a quantidade de novos alunos com 40 anos ou mais em instituições desta natureza no Brasil cresceu 171,1% entre os anos de 2012 e 2021.
Em 2022, um total de 599.997 mil calouros na mesma faixa etária ingressaram em faculdades, quase o triplo do número registrado em 2012, 221.337 mil. O problema, no entanto, está justamente nas discriminações que essas pessoas sofrem.
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De acordo com relatório produzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022, o “Relatório Mundial sobre o Idadismo”, um em cada dois indivíduos cometem etarismo diante de pessoas idosas ao redor do mundo. O preconceito, dessa forma, prejudica a saúde física e mental das vítimas.
O incomum é o alvo
Para a psicóloga Lucianna Brasil, especialista em ansiedade e depressão, o etarismo acaba sendo uma forma preconceituosa de discriminar quem tem uma idade diferente daquela que seria a “comum” para determinada fase da vida.
A especialista explica que o aluno que apresenta uma disparidade da média de idade nas universidades acaba se tornando o alvo.
“São nesses momentos que vemos os maiores casos de preconceito diante de idades, tanto para mais, quanto para menos. Basta ser diferente da maioria. O jovem está muito conectado com o mundo, mas desconectado de outras realidades que não são as deles. Por isso, inclusive, costumo dizer que o idoso que sabe de informática é ‘perigoso’, pois ele tem experiência de vida e conhecimento sobre algo contemporâneo”, exemplifica.
Bullying
Na visão da também psicóloga Laís Torres, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental, esse tipo de preconceito também se constrói como um bullying.
“As pessoas tem impressão que aquilo que se deseja realizar deve ser feito durante a juventude, aos 18, 20 anos. Mas e aos 40? Principalmente algo que mude tanto a vida de alguém como uma faculdade?”
Ela avalia que a faculdade ou mesmo voltar à escola no ensino médio só se transforma em prioridade em outros momentos da vida.
“O problema é que muitos não enxergam isso. É preciso muita coragem para voltar a esses ambientes, ainda mais nesses tempos”, explicita.
Estímulos
Na contramão do chamado etarismo, há iniciativas que incentivam o ingresso de pessoas mais experientes em ambiente universitário.
É o caso do Programa Universidade do Envelhecer da Universidade de Brasília, o UniSER, que se estabelece como a grande referência na cidade quando o assunto é o envolvimento de indivíduos em faixas etárias mais avançadas com processos educativos.
Instaurado para receber pessoas de 45 anos ou mais, o programa se estabelece como um curso de três semestres cujo principal objetivo é promover a educação continuada ao longo da vida, por meio do curso de Educador Político Social em Gerontologia – o estudo do processo de envelhecimento nas dimensões biológico, social e psicológico. Ou seja, um lugar onde os alunos possam envelhecer bem.
Capacitação
Segundo Camila Areda, coordenadora do programa, o curso se torna prazeroso para os alunos não só por acolher, mas também por proporcionar capacitações onde eles possam conhecer os próprios direitos, escolher uma boa qualidade de vida ao saber lidar com medicamentos, com a organização das casas para evitar acidentes e ainda se envolver com cultura, através da dança e do artesanato, por exemplo.
“Promovemos essa série de coisas para que eles possam se motivar a estudar e ainda a se envolver com outros tipos de atividade, como exercícios físicos e outras práticas manuais. Ele serve para qualquer nível de conhecimento e abraça a todos. Os alunos fazem um ano de aulas e no final têm um TCC, têm atividades complementares e até uma fase de estágio ”, explica ela.

A UniSER recebe alunos na faixa etária de 40 anos ou mais
Crédito: UniSER
O programa ainda oferece uma integração entre alunos mais velhos e de estudantes mais jovens, de diversos cursos da graduação da própria universidade.
Os mais novos, em todas as disciplinas ofertadas na UniSER, trabalham como monitores e convivem diariamente com os idosos, o que fortalece a missão de combater questões como o etarismo. Lá, atuam nas vivências ao lado dos colegas mais velhos através de diversos projetos.
Entre eles, estão iniciativas literárias, esportivas, onde, inclusive, os capacitam para se tornarem árbitros em Jogos Escolares e até programas para que aprendam a mexer em celulares e computadores e identificar Fake News.
“Existem vários projetos auxiliados pelos mais novos. Um deles é o ‘Fale comigo’, onde os mais velhos usam de um período de tempo para desabafar, falar sobre os problemas, por exemplo, o que é muito tocante. Tem de tudo. O objetivo principal é justamente de integrar, para que se perca essa imagem do velho como um ser incapaz por conta da idade. Pelo contrário, são os que mais sabem das coisas e mais têm coisas a transmitir”, avalia.
Na visão dela, o que é preciso fazer é alinhar o contato entre as gerações, principalmente em decorrência da disparidade nas maneiras de enxergar o mundo. “Quando conseguimos fazer essa integração é muito válido. Isso aproxima esses dois elos”, explicita.
Experiências universitárias
A prova do sucesso do programa se personifica em Gilberto Amaro e Cleunice Castro.
Ex-alunos e atuais membros da equipe da UniSER nas funções de comunicador e gestora de eventos, respectivamente, os tutores de turma e hoje educadores já formados pelo programa enxergam no curso uma oportunidade para promover o valor da pessoa idosa.
Na opinião de Cleunice, a ‘Nice’, de 66 anos de idade, as atividades promovidas na organização são especiais, sobretudo, por reunirem histórias diversas.
“Aqui vemos de tudo, mas nunca desrespeito. Tudo o que fazemos é para engrandecer, ajudar a construir, nunca de forma conflitante. É, também, uma forma de prevenir que preconceitos surjam. Na minha sala, inclusive, até casamento já rolou. Dois colegas se conheceram no curso, começaram a namorar e se juntaram de vez”, sorri.
Para Gilberto, que também é colunista na revista Girassóis da própria UniSER, o segredo para desmantelar preconceitos como o etarismo em locais como as universidades jamais será o confronto.
Na visão do aluno de 64 anos, atitudes como a manutenção do silêncio e a promoção da conscientização através da educação são recursos “imbatíveis”.
“O velho precisa ser respeitado por toda a bagagem que tem, que é valiosíssima. Mas, de qualquer forma, a solução é estarmos juntos, e não digo apenas em relação aos velhos, mas para todos. É de suma importância o entendimento que todos nós somos humanos. Eu até brinco em sala com os mais jovens, eu os digo: ‘eu sou vocês no futuro’”, conta ele.

Depois de formado, Gilberto se tornou tutor de turma na UniSER
Crédito: acervo pessoal
Por Gabriel Botelho
Sob a supervisão de Isa Stacciarini e Luiz Claudio Ferreira