Imagine o que significa passar a infância, adolescência e juventude, tendo negadas oportunidades de educação. Imagine não ter acesso ao local onde se cultiva amizades, se desperta curiosidades, se abre horizontes para o conhecimento e se dá perspectiva de uma vida produtiva. Imagine um lugar onde a proibição aos estudos é uma ordem e a desobediência, um crime. A pena pode ser prisão ou até mesmo a morte. O corpo docente e o discente são perseguidos. Vivem em medo e se escondem. Esta experiência é vivida pelas pessoas da Fé Bahá’í no Irã em pleno século XXI. A crença prega que deve acabar com qualquer tipo de preconceito e também é a favor dos direitos iguais entre homens e mulheres.
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Perseguidos no Irã reescrevem histórias de vida
A bahá’í Hasti Khoshnam, iraniana de 35 anos, professora de inglês na Escola das Nações em Brasília, mora no Brasil desde 2002. Hasti, assim como milhares de jovens, teve o acesso negado durante a inscrição para a prova da faculdade do governo em Teerã. No país, é obrigatório marcar o campo de religião com a respectiva crença. Hasti preencheu o formulário para fazer a prova, mas quando recebeu a carta de confirmação, percebeu que a universidade alterou a fé. No documento, estava assinalado como se ela fosse islâmica. “Ao retornar à faculdade e mostrar que minha ficha tinha vindo com erro, rapidamente pegaram minha carta de volta e nunca mais tive a oportunidade de fazer a prova”, contou Hasti.
Para a professora Hasti, foram quatro anos de esforço. Ela destaca o caráter único da modalidade de ensino, enfatizando às seis horas diárias necessárias para o aprendizado. “Quem está lá, é porque realmente quer estudar”, explicou Hasti.
Esperança Subterrânea
A comunidade Bahá’í, em 1987 estabeleceu o Instituto Bahá’í de Ensino Superior (BIHE, sigla em inglês). “BIHE não é uma universidade comum como as outras. É um instituto on-line para estudantes bahá’ís, que não têm o direito de entrar em universidades em seu próprio país”, conta uma jovem, formada em Biologia pelo Instituto Bahá’í de Ensino superior, que preferiu não se identificar por questões de segurança.
Mary Aune, no vídeo abaixo, explica o que acontece com jovens que têm o desejo de estudar:
As dinâmicas das aulas diferem das demais universidades ao redor do mundo. Na maioria das vezes, os alunos estudam em casa por meio de vídeo-aulas. Esta mesma ex-aluna do Instituto conta que tudo era feito em uma plataforma online. “Tinha um site que continha diferentes aulas para serem estudadas durante o semestre e tudo já era pré-agendado. Sabíamos o que tínhamos de ler e quais exercícios responder. Minha única dificuldade era que, na maioria das vezes, eu tinha que estudar sozinha”, diz.
A universidade não possui prédio pela cidade, não tem um campus, assim como todas as outras. Por isso, as aulas são na casa dos próprios bahá’ís, na cidade Teerã. Costumam acontecer no subsolo das residências dos professores. Por segurança, algumas turmas tinham aulas por quatro dias seguidos. “Todos os alunos ficavam no mesmo local. Comíamos juntos, dormíamos juntos e estudávamos juntos”, conta aluna que preferiu não se identificar por questões de segurança. Houve também o caso do grupo de sete alunos, que chegou a ficar um mês completo no porão da casa de um dos professores. “Como a aula era na casa dele, tínhamos medo de arriscar em ficar entrando e saindo para as aulas”, completa a aluna. O cuidado era extremamente necessário para alunos e professores do BIHE. A qualquer momento, autoridades locais poderiam invadir a aula, levando pessoas para a prisão, quebrando móveis e confiscando aparelhos eletrônicos e documentos oficiais.
Em 1979, o governo iraniano exigiu a expulsão dos jovens matriculados em todas as universidades e faculdades do país. Durante a primeira década dessa sistematizada perseguição, mais de 200 bahá’ís foram executados, centenas foram torturados e ou aprisionados. 35 anos após a insurreição nacional no Irã, a perseguição contra esta minoria religiosa continua a mesma.
Novamente em 2006, o governo enviou uma carta confidencial a 81 universidades, reforçando o pedido da expulsão dos Bahá’ís, caso a crença religiosa se tornasse conhecida. O jornalista de dupla nacionalidade (iraniano e canadense) Maziar Bahari já foi preso no Irã pelas lutas políticas. A prisão que ele ficou é conhecida como Evin e é a mais temida do país. Maziar considera o BIHE um milagre educacional. “Com o avanço da internet no final dos anos 90, aconteceu uma mudança significativa tanto para os bahá’ís quanto para os não-bahá’is ao redor do mundo”, conta Maziar. Com a evolução tecnológica, residentes fora do Irã ganharam a oportunidade de ensinar os jovens bahá’ís iranianos com o método de ensino à distância. No mesmo momento, várias universidades proeminentes incluindo Berkley e Yale, nos Estados Unidos, e Universidade de Toronto, no Canadá, começaram a aceitar os certificados dos estudantes, que antes não eram reconhecidos por instituições internacionais.
Educação Não É Crime
Após 118 dias de confinamento no Irã, Maziar Bahari sabia que não seria mais possível voltar ao país de origem. Em uma última reunião, momentos antes de ser libertado da prisão de Evin, ele escutou as seguintes palavras de seu interrogador: “Se você falar qualquer coisa sobre o que aconteceu na prisão, nós sempre podemos te trazer de volta em um saco, onde quer que você esteja no mundo”. Foi essa sentença verbal e social que fez com que Maziar se inspirasse para contar o que viveu dentro da penitenciária e ajudar aos que permanecem atrás das grades e aos que ainda são oprimidos no Irã.

Com o propósito de chamar a atenção e pressionar o governo iraniano para que se inicie uma mudança imediata nas políticas existentes do país, o jornalista Maziar lançou uma campanha conhecida como “Educação Não é Crime”. O objetivo do projeto arriscado é encorajar universidades ao redor do mundo a aceitares estudantes iranianos Bahá’ís. A campanha foi lançada em 2014 e já tem sentido efeitos pelo mundo.
Segundo a comunidade Bahá’í muros de países como Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, serão preenchidos com cores frias e quentes de tintas ou sprays. Grafiteiros de cada país terão sua participação universal com um propósito em comum: usar a arte como um meio de comunicação para apoiar a campanha #PintaAMudança. – se essa parte não for aspas, não dá para colocar.
Em Brasília, Daniel Toys, 24 anos, acredita que o grafite é a linguagem da era atual. “Para os jovens o grafite é um meio de comunicação, uma arte. Batemos o olho e ganhamos uma interpretação”, diz. Por meio do spray de cores quentes, o artista brasiliense procura chamar a atenção das pessoas que andam nas ruas da capital para aprenderem sobre a situação dos bahá’ís do Irã. Esse é um desafio que ele aceitou sem mesmo ter muitas informações a respeito da Fé Bahá’í. “Não conhecia muito da cultura. Foi um aprendizado histórico”, conta. Junto à Comunidade Bahá’í de Brasília, o artista procura um local apropriado para a arte.
Confira vídeo sobre a educação negada entre os Bahá’ís:
Assim como centenas de jovens, Daniel Moreira, estudante de Engenharia Aeroespacial na Universidade de Brasília, enviou um vídeo para o site oficial da campanha apoiando a luta dos direitos humanos no Irã. “Governo do Irã, vocês são signatários dos direitos universais do mundo e, portanto, vocês têm a obrigação de tornar a educação no seu país uma oportunidade para todos. A educação não é um crime. Crime é negar essa educação para um determinado grupo ético ou religioso minoritário”, disse o estudante na gravação disponível para visualização na internet.
No ano do lançamento da campanha, Maziar produziu o documentário Educação Não É Crime (título original em inglês, “To Light a Candle”). O filme usa entrevistas, histórias pessoais e arquivos gravados para explorar como os Bahá’ís encaram a atual opressão. Em 54 minutos, o diretor do filme destacou a resiliência construtiva de jovens bahá’ís que expressam o desejo de ir atrás da educação, constituindo uma organização informal, para terem acesso a estudos de nível universitário. O assunto principal abordado no documentário é a realidade vivida pelo Instituto Bahá’í de Ensino Superior.
Maziar Bahari disse que só tinha duas opções enquanto estava no Irã: cometer suicídio ou fazer algo com a profissão, talento e status a fim de ajudar outros. Mesmo com as dificuldades e sofrimentos nos últimos meses de experiência no país de origem, ele resolveu ajudar os oprimidos. Maziar decidiu ser a voz de várias pessoas que não tinham esse poder fora do Irã. “Talvez seja esse o significado de acender uma vela” – provérbio oriental. “Não amaldiçoe a escuridão – acenda uma vela. Que serviu de inspiração para a produção do documentário.” concluiu Bahari.
A equipe de Reportagem da Agência de Notícias UniCEUB entrou em contato com a Embaixada do Irã em Brasília, mas não teve respostas aos questionamentos até o fechamento da edição.
Por Nabil Sami | Do Jornal Esquina On-line
Foto destaque: Hasti Khoshnam, ex aluna do Instituto Bahá’í de Ensino Superior. Por Nabil Sami