Histórias de mulheres negras e exploradas

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

Relatos de mulheres vítimas diárias de racismo e agressão em plena capital do país. Diferentemente da história da apresentadora da TV Globo, Maria Júlia Coutinho, nem todas conseguem se defender pela internet

Nas proximidades do colégio Leonardo da Vinci de Taguatinga, perto dos muros das áreas do metrô, “sobrevivem” oito famílias. Sem casa ou terreno próprio, moram em barracas improvisadas com pedaços de madeira, restos de toldos e tecidos do lixo ao redor. Em uma dessas barracas se encontra Margarida Gomes, uma mulher negra de 54 anos.

Os abrigos estão organizadas ao redor de pilhas de materiais recicláveis. As três maiores são de plásticos PET, papelões e metais como latas e alumínios. O acúmulo é feito pelos próprios moradores do local. Vendem os plásticos e papelões para a empresa Novo Rio e os metais para a Metalcap. Quando acumulam pouco, colocam em carrinhos e levam diretamente para as compradoras, quando é muito, elas buscam.

Dificuldades

Junto com a irmã e o cunhado, Margarida mora em um barraco de aproximadamente três metros quadrados. Dentro, possuem uma cama feita de um colchão colocado sobre o chão. Quando perguntada sobre como dividem o espaço para dormir, ela sorri e diz “Duas pessoas no colchão, uma no chão. Às vezes alguém descansa no sofá”. A mobília de descanso a qual se refere fica do lado de fora e ninguém consegue realmente dormir nela porque esfria durante a madrugada e a exposição ainda pode ser perigoso.

Margarida não tem vergonha de dizer que sempre foi alvo de maldades. Porém, não pensa que só porque sofreu preconceito, deva perpetua-lo com os outros. “É engraçado que a gente espera que as pessoas recebam castigos por fazer maldades, mas a verdade é que branco sofre também. Todo mundo é feito da mesma matéria” conta.

Margarida também relata sobre o medo do governo. De acordo com ela, de vez em quando, representantes da administração chegam à região e levam tudo o que eles têm. Roupas, partes das casas, cobertas, colchões. Apenas os deixam lá com as roupas do corpo sem ter para onde ir. A solução é dormirem todos juntos com os lixos recicláveis para mantê-los aquecidos. Uma vez vieram com tratores, juntaram tudo o que as oito famílias tinham e colocaram fogo.

Integração seletiva

No dia 3 de julho deste ano, a leitora do tempo do Jornal Nacional, Maria Júlia Coutinho, foi vitima de ataques racistas no facebook. Em resposta, a equipe do programa jornalístico e membros da emissora Globo criaram a campanha Somos Todos MaJu (apelido da apresentadora).

De forma arbitrária, os representantes de um dos maiores veículos de Comunicação do país, posicionaram-se contra o racismo. Arbitrária porque ninguém espera que a Rede Globo se posicione a favor de mulheres como a Margarida. Eles defendem as pessoas que querem. No caso, uma mulher que conquistou posição de privilégio. Não é errado confrontar o racismo em todas as ocasiões, mas o caso específico contra Maria Júlia não corresponde ao que Margarida passa diariamente. Ela, definitivamente, não é MaJu.

 

Pedro França-Agência Senado
Margaridas se movimentam contra a discriminação em evento na Esplanada dos Ministérios.Foto: Pedro França/Agência Senado

Trabalhadoras reivindicam igualdade de direitos às mulheres

No dia 12 de agosto, mulheres reivindicaram mais saúde, direitos, menos preconceito e por mais igualdade racial em Brasília, segundo uma das participantes da Marcha das Margaridas de 2015. Uma estimativa de 100 mil mulheres formavam o protesto. Entre elas estavam Maria Ortencia, 62, e Regina Adelaide dos Santos, 53.

Maria conta que foi trabalhar quando mais jovem, mas só conseguia em casa de família. “Eu só servia para ser empregada doméstica, mas eu estudei e me formei no centro cirúrgico”, conta. Foi vítima de racismo pela primeira vez quando ainda era criança. A tia colocou nela um vestido branco e dois homens na rua gritaram “A moça caiu no leite”. Como só tinha nove anos, não entendeu o motivo de a mãe ter brigado com eles com um pedaço de pau. Especializada em enfermagem, tornou-se cuidadora de idosos, contudo sofre discriminação quando procura serviço. Cita um caso em que uma senhora de 96 anos recusou admiti-la por causa da cor da pele.

Regina Adelaide mora no bairro Capão Redondo em São Paulo. Ela fala que passa por dificuldade para conseguir emprego e diz que não pode receber pensão do governo por conta de rejeição do INSS. Trabalhava como cozinheira e governanta doméstica, mas teve que parar por conta de problemas nos braços e nas pernas que a obrigaram a usar bengala e tipoia. Segundo ela, pensam que é mais nova e forte, porque a pele dos negros demora a envelhecer. Precisa ir ao Ministério Público comprovar a condição física. “O negro tem que provar que está doente. Por incrível que pareça, há uma discriminação por parte dos médicos do INSS”, conclui Regina.

Apelo

Maria faz um apelo para que alguma medida seja tomada para diminuir a discriminação. “Não sei enquanto vítima do racismo o que nós temos que fazer para tirar isso do brasileiro, porque o Brasil foi o último país a tirar os negros da escravidão e para alguns isso continua”, conclui a enfermeira ao dar voz às injustiças e indiferenças que as pessoas negras sofrem no Brasil. Ela fala ainda que as pessoas que pensam como racistas são gentes de mente pequena e que impregnam o país.

Mulher negra é agredida na TV, diz militante

Daniela Luciana possui um histórico longo na área de Comunicação. Formada na Universidade Federal da Bahia (UFBA), foi assessora dos deputados Luiz Alberto e Domingos Dutra. Também assessorou o Bloco Afro Ilê Aiyê. Fez parte do movimento Hip-Hop da Bahia/ Posse ORI e foi fundadora e rapper do grupo de rap feminino O Grito, da Bahia. Foi coordenadora da Cojira – DF (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial). Além de tudo isso é integrante do coletivo Pretas Candangas, que milita contra o racismo e o patriarcado. É servidora efetiva do Ministério das Cidades e atual na Presidência da República no Setor de Comunicação. Também faz parte do Sindicato dos Jornalistas do DF. Em entrevista, ela falou sobre como o choque no caso dos ataques à jornalista Maria Júlia Coutinho é devido as pessoas não imaginarem que coisas do tipo acontecem. Também discorreu sobre temas como as mulheres negras e pobres e sobre o conservadorismo atual no Brasil.

Escute a entrevista completa abaixo.

 

Por Rodrigo Alberto e Vinícius Brandão

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress