Perseguidos no Irã reescrevem histórias

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Pessoas são presas, cemitérios destruídos, aos comerciantes são negadas licenças de funcionamento. Crianças passam por constante humilhação durante os ensinos fundamental e médio. Jovens são privados do estudo superior. Aposentados perdem benefício e casas são saqueadas. Essas pessoas, as quais tudo é negado, cometeram o “crime” de serem da Fé Bahá’í, minoria religiosa não-islâmica de maior expressão do Irã. O Brasil, hoje com 57 mil bahá’ís, segundo a própria comunidade, foi um dos países que acolheu cerca de uma centena de iranianos como refugiados, após a Revolução Islâmica de 1979. Muitos dos quais aqui se estabeleceram, construíram famílias.

A história da psicóloga Nahid Shams, 50 anos, não foi muito diferente dos demais estudantes iranianos. Desde criança, sofria preconceitos durante a vida escolar nos ensinos fundamental e médio, em Teerã. Nahid chegou ao Brasil em 1987, com o propósito de estudar e ter uma vida menos oprimida. Em 2010, 23 anos após sair da terra natal, ela se formou em Psicologia no interior de São Paulo. “Logo que saí do Irã, me casei e tive dois filhos. Durante isso, preferi dedicar meu tempo à educação deles,” explicou Nahid. Antes de vir ao Brasil, contou que houve uma tentativa de se ingressar na faculdade, mas se defrontou com as portas fechadas para o estudo.

Mary Aune, no vídeo abaixo, explica o que acontece com jovens que têm o desejo de estudar:

“Nunca diremos que os bahá’ís têm direito a educação, nem sequer têm diretos civis”, declarou Aiatolá Mousavi Bojnurdi, clérigo mulçumano, durante a sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), a respeito de uma possível inclusão da comunidade Bahá’í para acesso à educação.

Maziar Bahari, jornalista e cineasta, canadense e iraniano, foi preso por cinco meses na prisão do Irã, chamada Evin. A experiência do cineasta é diferente dos Bahá’ís. Por ser de origem mulçumana, quando criança, ele não sofreu discriminação, não foi insultado na escola, nos livros e muito menos pela sociedade e governo iranianos. “Fui preso devido a minha profissão. Eu escolhi ser jornalista. Já os Bahá’ís são presos por serem quem são”, declarou. Hoje, Maziar reside no Canadá e tem a esperança de que um dia os jovens iranianos mudem a situação do país, dando mais liberdade para que os refugiados possam voltar à terra natal, sem medo de serem perseguidos. “A nova geração é educada e não está contente com a atual situação do país”, afirmou Maziar.

Confira vídeo sobre a educação negada entre os Bahá’ís:

Perseguição

As proibições para os Bahá’ís são muitas. Direitos considerados básicos e universais como da liberdade e da vida são tomados da comunidade religiosa. Os passos, ainda que tímidos, dos Bahá’ís para conseguir educação no país já são motivos para ameaça dos governantes. Os alunos e professores encaram condições opressivas. São forçados a operar discretamente. Estão sujeitos a inúmeras prisões, ataques periódicos, confisco de equipamentos escolares e perseguições. Certa vez, a comunidade Bahá’í conseguiu um laboratório de informática para lecionar. A conquista, contudo, não durou muito. O movimento das pessoas ao entrarem e saírem da casa gerou curiosidade nos vizinhos. A polícia iraniana foi informada.

Capa do Manual do Aluno da Universidade Nacional do Irã exige que os universitários expressem as crenças no Islã ou em religiões definido pela Constituição do país (Judaísmo, Cristianismo ou Zoroastrismo). Quando o aluno não segue uma dessas religiões não tem direito ao ingresso na instituição
Capa do Manual do Aluno da Universidade Nacional do Irã exige que os universitários expressem as crenças no Islã ou em religiões definido pela Constituição do país (Judaísmo, Cristianismo ou Zoroastrismo). Quando o aluno não segue uma dessas religiões não tem direito ao ingresso na instituição

A iraniana Bahá’í Hasti Khoshnam era uma das estudantes que frequentavam o laboratório. Ela se lembrou desse momento na terra natal. Segundo Hasti, mesas e cadeiras foram quebradas, além de ter ocorrido um saqueamento de artigos de valor, como computadores e documentos oficiais. Após a destruição do laboratório de informática, os alunos da turma ficaram seis meses sem aulas presenciais. “Os professores mandavam os trabalhos por correio, por meio de amigos bahá’ís. Não podíamos usar os serviços públicos locais, pois a chance de o governo abrir os documentos era grande”, conta. Ainda assim, os alunos, mesmo em momentos de dificuldades, eram fortemente encorajados por professores a não pararem de estudar.

Durante o período de estudo da ex-aluna Hasti, muitas pessoas foram presas, o que acontecia com frequência. “A cada três meses invadiam uma aula, levavam os professores, que na maioria das vezes pegavam a sentença de dois a cinco anos de prisão. Os alunos passavam por uma investigação e, para serem libertados, tinham que pagar uma alta fiança chegando a milhares de dólares”, informa Hasti.

História

A Fé Bahá’í é uma religião independente. Surgiu na antiga Pérsia, atual Irã, em 1844. Fundada por Bahá’u’lláh (titulo que em português significa A Glória de Deus), o fundamento da religião é estabelecer a unidade da humanidade. Esse princípio pode ser traduzido nas seguintes palavras de Bahá’u’lláh: “A Terra é um só país e os seres humanos, seus cidadãos”; “Vós sois os frutos de uma só árvore e as folhas de um mesmo ramo”. Pode vir à mente a pergunta: por que o governo e o clero do Irã perseguem tanto a comunidade Bahá’í? Alguns dos princípios defendidos por esta comunidade no século XIX diziam que a humanidade precisará superar algumas barreiras, tais como eliminação de preconceitos raciais, socias, econômicos e religiosos; a desigualdade de direitos e privilégios entre homens e mulheres e o estabelecimento de uma educação obrigatória. A Fé Bahá’í é a religião mais difundida geograficamente no mundo. Estabelecida em 180 países, ilhas e territórios, com aproximadamente sete milhões de adeptos. No Irã, essa população é de 350 mil, representando 5% do total mundial de bahá’ís. Atualmente mais de uma centena se encontram em prisões no Irã.

 

Por Nabil Sami

Foto destaque: Tumblr / Education is Not a Crime

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