“As noites são frias. Me esquento com o crack”, diz homem em situação de rua em Brasília

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Em 2004, Waldir Farias foi preso por tráfico de drogas, quando tinha 21 anos de idade. Ele foi condenado a sete anos de prisão, mas, após fugir e ser preso novamente por tráfico, a condenação foi reformulada para 12 anos de reclusão. 

Acampamento onde Waldir mora na W3 (Foto : Henrique Guimarães)

Durante o período na cadeia, ocorreu o primeiro contato com o crack. Após usar pela primeira vez, ele não conseguiu parar. Mesmo em um lugar que o levou a se tornar viciado, foi na cadeia que Waldir encontrou algo que gostava de fazer: cozinhar.  

 “Foi na cadeia que achei que seria uma boa profissão. Depois de sair de lá, tive interesse em procurar um emprego na cozinha.”

Apenas em 2016 Waldir conseguiu a liberdade condicional. Ela permite que o preso, caso já tenha cumprido parte da condenação, seja posto em liberdade desde que preencha  determinadas condições impostas legalmente, necessitando apenas assinar um documento diariamente ao retornar para o presídio. Nesse período de liberdade condicional, Waldir conseguiu um emprego de cozinheiro em um restaurante. Mas ainda assim, o vício no crack o acompanhou. 

Já em 2021, em meio à pandemia, ele conseguiu a liberdade definitiva. Contudo, não recebeu o apoio da família, pois, para eles o ajudarem, ele teria que largar a droga, e isso Waldir não faria. Depois disso, sem ter para onde ir, foi para as ruas. E está nas ruas até hoje. 

Pai de Bruno Alves, de 21 anos, e de uma menina de 3 anos, Waldir não se casou com a companheira. Antes de ser preso, ele conviveu alguns anos com o filho, Bruno. Esses anos foram essenciais para a criação de um vínculo duradouro entre pai e filho. Já a filha mais nova, Jasmilie, não passou tanto tempo com o pai, apenas por três dias, quando nasceu. Devido a companheira ser testemunha de Jeová, ela só permitiria que Waldir convivesse com a filha caso ele se convertesse e entrasse para a religião.

Não tendo mais contato com a filha nem com a antiga companheira, Waldir só conta com a presença de Bruno. Que ocasionalmente visita o pai e sempre faz o possível para ajudar. Bruno é soldado militar, servindo ao exército e conta com essa renda para ajudar seu pai. 

Atualmente, Waldir tem 39 anos e sobrevive em um pequeno acampamento, na Via W5 Norte, próximo do Centro Universitário de Brasília, entre o Centro Nacional de Liderança DeMolay e a Paróquia Nossa Senhora das Graças da Medalha Milagrosa. E afirma que nunca recebeu ajuda de nenhum dos centros religiosos. 

Junto com ele vivem mais de 10 pessoas em situação de rua, mas alguns não residem fixamente ali, ficam alguns dias e vão embora. Com um fogão improvisado com sucata, Waldir costuma cozinhar para os seus companheiros, com o pouco que encontram nas lixeiras, quando não recebem doações de pessoas ou do Centro Espírita Paulo de Tarso, que costumava ajudar.  


Sem pedido

Mesmo se encontrando em situação de vulnerabilidade, Waldir diz não ter coragem de pedir nada para qualquer pessoa e prefere sair ao raiar do dia do acampamento, junto com seu carrinho, para ir coletar o que encontrar de útil em lixeiras ao longo da Asa Norte. No entanto, caso alguém apareça doando comida, roupas, ou qualquer outro item para ajudá-lo, Waldir aceita com alegria e entusiasmo. 

Waldir come e dorme em meio ao mato (Foto : Henrique Guimarães)

O acampamento onde vive é formado por diversas estruturas pequenas ao longo da Via, na zona nobre de Brasília, todas feitas com restos de madeira e sacos plásticos, na tentativa de protegê-los das chuvas. A estrutura onde Waldir dorme é pequena e apertada, lembrando muito um caixão. 

Dentro dela há alguns cobertores velhos e uma almofada que serve como travesseiro. Acima dessa curta estrutura, existem garrafas de água de plástico e a comida que ele consegue juntar. Ao lado de onde ele dorme, estão uma mesa com cadeiras e bancos plásticos, onde ele costuma comer quando consegue alimento. 

Já no centro do acampamento, Waldir costuma varrer e juntar as sujeiras como se fosse fazer uma fogueira para se aquecer nas noites frias de Brasília. Ele também encontra outras formas para evitar o sereno. 

“As noite são  frias, me esquento com o crack” 

Depois da longa conversa, quando estava me despedindo. Waldir disse em um tom de alegria e na expectativa de me ver novamente: 

“Da próxima vez traz uma comida, que eu cozinho pro pessoal aqui”. 

Waldir, claro, não é o único que se encontra nessa situação. No Brasil, de acordo com os dados coletados pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, em maio de 2022 o número de pessoas em situação de rua era de 184.638 em todo o país. 

Já no Distrito Federal, de acordo com a Companhia de Planejamento (Codeplan), em junho de 2022 aproximadamente  3 mil pessoas estavam em situação de rua na capital. Os dados ainda mostram que parte dessas pessoas se encontram nas ruas a mais de 10 anos, já outra parcela vive neste cenário desde o início da pandemia em 2020.

Waldir fala brevemente sobre o centro espírita Paulo de Tarso, que o ajudou durante um período. Chegou a receber roupas e comida dessas pessoas, até mesmo ajuda para se livrar das drogas, mas, após um tempo, não apareceram novamente. Alguns companheiros do acampamento onde Waldir mora ainda esperam que eles voltem. 

Por Henrique Guimarães (texto e fotos)
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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