O formato de Brasília como uma libélula, uma cruz, um arco ou um avião, de autoria de Lúcio Costa, foi o projeto vencedor da nova capital, o que deixou ao ocaso os outros 31 projetos que concorreram. A cidade, que completa 55 anos neste 21 de abril,foi planejada e é reconhecida pela Unesco como Patrimônio Cultural da humanidade. Esse fato apenas reforça a importância cultural dos traçados urbanísticos que a cidade carrega desde sua concepção. Todos os projetos para a capital que não saíram do papel foram inspiração para o arquiteto Jeferson Tavares escrever sua pesquisa de mestrado, defendida na USP de São Carlos. O trabalho, que se transformou no livro editado pelo IPHAN “Projetos para Brasília 1927–1957”, apresenta em detalhes esta história cheia de traços e sonhos. Na foto ao lado, o segundo colocado. Saiba mais dessa história do concurso completou 58 anos no último dia 15 de abril.
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O autor da pesquisa explicou que se interessou pelo assunto em função da pouca pesquisa envolvida sobre o tema. “Em geral, as pesquisas que existiam tratavam sobre os sete primeiros premiados no concurso. Os demais projetos nunca eram mencionados pela historiografia, ou nunca eram abordados em outros estudos”. Foi essa lacuna na história do urbanismo que o levou a ter mais curiosidade sobre os outros projetos. Além disso, Jeferson contou que teve dificuldades para encontrar o material necessário para a pesquisa. “Eu passei por mais ou menos 70 arquivos para conseguir reunir a totalidade dos projetos”.
Um pouco sobre a história de Brasília
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Para Jeferson Tavares, o projeto de Lúcio Costa ganhou em primeiro lugar por dois motivos. “O primeiro mérito de Lúcio foi conseguir sintetizar uma ideia de cidade de uma forma muito simples, através daquela descrição que ele coloca em seu memorial descritivo e das formas que ele usa”, explicou. Já o segundo mérito, para o autor do livro, é justamente em relação às formas urbanas que Lúcio Costa usou. “Acho que ele consegue agrupar os principais conhecimentos daquele período do ponto de vista urbano, de desenho e de interpretação do tipo geográfico no modelo de cidade. A simplicidade e os diálogos com as referências históricas de planejamento urbano fizeram dele um projeto mais compreensível aos olhos do júri”, opinou.
Confira o que Jeferson Tavares tem a dizer sobre o assunto
Confira o que Alberto de Faria tem a dizer sobre o assunto
O arquiteto Alberto de Faria, especialista em Desenho Urbano, acredita que o projeto urbanístico do Lúcio Costa foi escolhido vencedor porque apresentava uma proposta de dimensionamento global de cidade, e procurava atender a todas as funções que uma capital deveria ter. “O projeto apresentava um conjunto de conceitos urbanísticos que eram bastantes modernos à época de sua apresentação”. O arquiteto explicou que Lúcio Costa apresentou uma visão integral da cidade, além de possibilidades de execução, de crescimento e de ampliação. Para Alberto Faria, o projeto de Lúcio apresentava as características de monumentalidade e de importância que uma capital deveria ter.
Além da premiação
O autor do livro comentou sobre a inovação que os outros projetos que surgiram durante a pesquisa propuseram. “O projeto do MM Roberto, por exemplo, é superinovador, ao compor a cidade através de sete células. O projeto de Artigas já traz a inovação de um cuidado com as questões sociais e foi pouco discutido pelos outros concorrentes”, explicou.
Ele também falou do projeto de José Geraldo Camargo que trazia um partido muito similar ao dos irmãos Roberto. “Acho que eles dão um bom panorama da cultura urbanística daquela época e por isso eles têm uma qualidade que precisa ser mencionada, precisa ser valorizada”. Para Jeferson, é fundamental conhecer mais a fundo os outros projetos, até para que se possa conhecer melhor os projetos que já são conhecidos. “Ao conhecer os outros a gente consegue conhecer melhor esses projetos que são tão divulgados. Mas independente dessa relação, acho que os demais projetos pouco estudados trazem grandes inovações do ponto de vista urbano e regional. Algumas, inclusive que poderiam ser aplicadas hoje”.

Alberto de Faria também acredita que alguns dos outros projetos apresentados no concurso tinham ideias que eram bastante inovadoras. “Por exemplo, uma dela apresentava a possibilidade que a gente tivesse edifícios residenciais de até 700 metros de altura. Foi uma proposta bastante ousada já que na época, não existia nem tecnologia para fazer isso”, comentou o arquiteto. “No tocante a uma visão de futuro, hoje, a gente já pensa muito em utilizar edifícios mais altos para que não se tenha uma ocupação tão densa do solo, para que possamos aumentar ainda mais a quantidade de áreas verdes”. Alberto explicou que isso é fruto da preocupação existente com o clima, com o impacto da urbanização muito intensa sobre o ambiente natural e sobre o desgaste que o ambiente natural sofre.
Outro projeto apresentou uma proposta que permitia que a cidade fosse se constituindo de células e integrava questão da área rural com a área urbana, ou seja, deixava muito próximo das áreas residenciais algumas áreas de cultivo, algumas áreas de fornecimento de alimentos. Alberto também considera essa uma proposta muito integrada à preocupação com o desenvolvimento sustentável. “Então alguns projetos apresentaram ideias inclusive bastante arrojadas pra época do concurso, que aconteceu em 1957.”
Jeferson acredita que a quantidade de informações e soluções que esses projetos apresentam, do ponto de vista técnico, é muito enriquecedora ao debate do planejamento urbano e regional. “E do ponto de vista historiográfico acho que ficar submetido à opinião apenas do júri e valorizar só os projetos que foram valorizados é empobrecedor do debate urbanístico. Eu acho que a gente precisa conhecer mais, ampliar mais esse debate, a partir dessas outras referências.”

Alberto de Faria também comentou um pouco sobre o desenho da Capital. “Ele se encontra bastante próximo do original, no tocante aqui ao Plano Piloto”, explicou o arquiteto. “Embora haja sempre interesse muito grande de alterar esses parâmetros que Lúcio Costa deixou estabelecidos, como pilotis, os seis andares para as áreas residenciais, a meu ver, o desenho se encontra muito próximo do que Lúcio Costa imaginou”. Alberto explicou que o próprio júri já sugeriu algumas modificações na época da implantação, para que o Plano Piloto se implantasse com uma preocupação de reduzir espaços que pudessem ficar sem uso. “O Plano Piloto tinha essa característica que está no relatório do Lúcio, a de procurar fazer com que ele fosse adaptável, com que ele pudesse de adequar ao terreno”.
Alberto comentou também sobre a relação que os moradores mantém com Brasília. “A população entende hoje o valor de existir uma altura de pavimento próxima de seis andares, entende muito essa preservação das áreas verdes”.
O arquiteto explicou que existem exemplos de superquadras que foram desconstituídas para a criação de parques, como é o caso do parque Olhos d’Água. “Hoje a gente vê até uma atualidade do plano, no sentido de valorizar mais o espaços livres. A população vem se apropriando disso, como é o caso do Eixão, em que no domingo as famílias se apropriam daquele lugar como espaço de lazer”. Alberto acredita que há toda uma nova geração de moradores nascidos em Brasília que incorporam essas características do Plano Piloto como valores urbanos a serem preservados.
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Por Bruna Goularte