A paixão nacional pela cerveja encontra, no Distrito Federal, a união entre inovação, cultura e consumo consciente.
Longe dos centros industriais, as cervejarias artesanais do Cerrado se destacam por sua qualidade, rigor na produção e pelo uso de ingredientes regionais que conferem uma identidade única aos seus rótulos.
Esta é a primeira reportagem da série Brindes do Cerrado, projeto cujo objetivo é jogar luz sobre as produções de bebidas artesanais no Distrito Federal. A proposta é entender como funcionam a produção, apreciação e consumo dessas bebidas no planalto central, e como a paixão por elas leva pessoas a adentrar nesses setores produtivos.
O Brasil é um dos principais mercados de cerveja do mundo, com mais de 15 bilhões de litros produzidos em 2023. No DF, a produção anual é de cerca de 150 mil litros, em mais de 30 cervejarias artesanais ativas. Ainda é um percentual modesto da produção nacional, mas em constante crescimento, que se diferencia pelo foco na qualidade e na construção de uma identidade local, indo além do consumo de volume.

Sabores e identidade
Em busca de sabores autênticos e genuinamente ligados ao Cerrado, os produtores cervejeiros do DF encontram grande oportunidade na biodiversidade do bioma, cuja riqueza abre espaço para muitas experimentações. A sommelier especializada em vinhos e cervejas Joyce Brum destaca a criatividade no uso dessa biodiversidade como motor de inovação no DF.
“É propício para isso. O uso da criatividade mesmo, de aproveitar esses estilos das escolas antigas — alemãs, belgas, inglesas —, pegar essa escola e adaptar para a nossa realidade,” explica.
Essa adaptação inclui a incorporação de frutas e especiarias típicas, como a cagaita, o pequi, o buriti e a baunilha do Cerrado.
“Nossos insumos são diferenciados. Nós temos frutas sazonais e tropicais que favorecem muito a criatividade na hora da produção da cerveja”, completa Joyce.

A sommelier reforça que essa incorporação de insumos típicos do Cerrado na produção de cervejas cria uma identidade regional própria para as bebidas da região.
Além disso, ela afirma que a criatividade na incorporação desses insumos é essencial para a construção de uma gama diversa de sabores que atenda ao público e para a harmonização das bebidas com outros sabores.
“Você vê que o sabor da cerveja sozinho e o sabor da comida sozinho são distintos, cada um com sua peculiaridade. Quando você harmoniza os dois e forma aquele terceiro sabor, você vê que aquela sensação é muito melhor ao tomar harmonizada do que sozinha”, argumenta.
Cerveja e cultura
Uma das referências desse cenário de cervejas artesanais no DF é a Hop Capital Beer, que possui 54 rótulos registrados, alguns premiados nacional e regionalmente. A cervejaria opera no formato de Brewpub, que é quando o estabelecimento funciona como um pub — ou bar — no mesmo local onde é localizada a fábrica de produção.
O produtor e diretor da cervejaria, Jorge Sette, ressalta o rigor em todas as etapas de fabricação, desde a chegada do malte até a mistura, a clarificação e a adição de componentes.
“A gente tem um critério muito forte com relação à qualidade. A cerveja é testada durante todo o seu processo de fabricação. Temos uma engenheira química que acompanha, testa e prova. O nosso mestre cervejeiro também é uma pessoa extremamente exigente nesse acompanhamento”.

Sette afirma que, além de fortalecer o mercado cervejeiro do DF, a Hop Capital Beer participa ativamente do fomento da indústria cultural. “Nós contratamos 170 bandas de rock por ano. É um trabalho muito bacana também de fomento à cultura, à música e tudo mais. A Hop está de braços dados com todos os fabricantes do DF “, destaca o produtor.
Paixão ‘puro malte’
A evolução crescente no mercado de bebidas artesanais fica cada vez mais nítida para os consumidores, que acabam se tornando mais exigentes e conscientes.
O apreciador de cervejas Leonardo Mustafa destaca que as diferenças entre as bebidas artesanais e industrializadas residem no foco em qualidade.
“A cerveja industrial tem um padrão, um formato para atingir o grande público e ser consumida em grandes volumes. As cervejas gourmets e artesanais têm um primor, um cuidado maior, até mesmo na apresentação da garrafa”, argumenta.
Mustafa, que conheceu a esposa em função do hobby de apreciar cervejas, descreve sua relação com a bebida como sendo de “extremo respeito” e “consumo consciente e responsável”. Para o apreciador, o valor da cerveja artesanal está em seus momentos de lazer, seja cozinhando ou passando tempo com a família.

Há 20 anos trabalhando com bebidas, a sommelier Joyce Brum conta que a profissão também se originou da paixão pelas cervejas artesanais.
“Aos 19 anos, fiz meu primeiro curso de sommelier, ainda na área de vinhos, e, desde então, não parei mais. Fiz vários cursos até que tive contato com a cerveja artesanal, fui estudando e hoje faço o curso de sommelier de cervejas no Senac”, relata.
Apreciar com moderação
Joyce enfatiza que, no mundo artesanal, degustar é coisa séria. É preciso analisar desde a cor, o corpo e a carbonatação até a temperatura e o clima. Ela explica que a cerveja especial é feita para ser apreciada com moderação e qualidade.
“Cerveja especial você bebe menos, mas com qualidade. Você não vai beber tanto quanto essas cervejas industrializadas que a gente toma caixas e caixas. A gente pensa no corpo e na estrutura da cerveja, inclusive para harmonizar”, pontua.
Leonardo Mustafa concorda que a bebida merece ser apreciada com respeito e atenção, mas defende que a experiência social e os momentos de alegria são prioridade.
“Cerveja só não harmoniza com frescura. Então a gente pode estar bebendo, sim, no copinho de requeijão, no copinho descartável, porque você tá no momento com a sua família, com seus amigos, e não vai ser o copo ali que vai tirar o sorriso ou a harmonia do ambiente”, argumenta.
O crescimento do mercado de cervejas artesanais do DF é sustentado pela qualidade, inovação com ingredientes regionais e o compromisso com o consumidor. Dessa forma, o panorama se mostra como o de um futuro promissor para a bebida na região, impulsionando a economia e a cultura locais.
Assista ao primeiro episódio do Brindes do Cerrado:
Por Henrique Fregonasse e Luana Nogueira
Produção: Ana Clara Neves e Maria Clara Batista


