Sob a proteção bem-vinda da sombra de uma árvore em meio ao cerrado sem cor de um dos dias mais quentes do ano, moradores aguardam o momento de saída do ônibus. O relógio marca 18h. É a última possibilidade de sair do Núcleo Rural do “Café sem troco”, a 54 km do centro de Brasília. A área pertence à região administrativa do Paranoá, mas historicamente é ligada à Planaltina e geograficamente mais próxima de São Sebastião.
A realidade para os moradores dessa área rural é a aventura diária da locomoção. Caminhadas em meio à poeira, ônibus sem horário fixo e que por virem de outras regiões administrativas já chegam lotados, em más condições, jornadas longas e cansativas e às vezes até mesmo a incerteza do retorno.
Além disso, os moradores contam com poucas linhas disponíveis. A linha mais regular faz o trajeto “Planaltina- Café sem troco”. São três horários pela manhã e três à tarde. Para ir para a Brasília os moradores precisam pegar um ônibus até São Sebastião, que segundo afirmam, possui horários irregulares, e de lá para a Rodoviária do Plano Piloto.
Assista a documentário sobre o tema

Segundo o presidente da associação dos moradores do “Café sem Troco”, Damião Firmino, 53 anos, quem mora lá não tem o direito de ir e vir. “É mais fácil ir para Planaltina. Mas quem precisa sair daqui, precisa geralmente ir para Brasília”, aponta. Para ele, o problema só não é mais grave, porque “cerca de 60%” dos moradores trabalham na própria região, principalmente na produção agrícola. “Temos 15 mil moradores aqui. Se todos precisassem utilizar ônibus diariamente seria um caos”. A associação já pediu diversas vezes ao DFTRANS a criação da linha para a rodoviária do Plano Piloto. O órgão alega problemas na licitação do trecho. Damião acredita que não há interesse das empresas em utilizar o trajeto.
Alternativas
Com a falta do transporte público, os moradores criam suas próprias alternativas. Muitos utilizam e outros tantos sustentam suas famílias, com o transporte realizado por eles mesmos. Segundo os moradores, a passagem no “pirata” custa R$ 5, geralmente indo até Brasília. Os carros esperam os passageiros na área central do “Café sem Troco”, junto com os ônibus da linha para Planaltina. O técnico em informática Leo Freire, 39 anos, afirma que quando precisa sair da região, sempre utiliza esse “serviço”. “Já conheço as pessoas que fazem esse trabalho. Portanto já combino um horário de saída e de retorno com eles”.
Leo e a esposa, a psicóloga Sandra Alves, 31 anos, vivem uma verdadeira odisseia semanal. Ele se despede da esposa todos os dias (ou quase todos) sem ter a certeza de que ao cair da noite ele irá encontra-la na parada a beira da DF-130. “Se ela demora um pouco mais no trabalho, ou a linha até São Sebastião demora um pouco mais, ela não consegue pegar o último ônibus que sai pra cá”. Sandra Freire conta que nesses dias dorme na casa da mãe, em São Sebastião. “Às vezes passo a semana por lá e volto pro “Café” nos finais de semana. É mais fácil”.
Outro lado
O DFTRANS, em resposta a reportagem, alega que reativou linhas abandonadas pelos permissionários e que o atendimento a região “foi normalizado”. Alega também que as paradas de ônibus da DF-130 receberam abrigos novos, o que de fato foi confirmado pela reportagem.
Por Gustavo Cruz
Documentário: Paulo Stefanini