Legislação estabelece que 5 a 20% das vagas de concurso devem ser destinadas a quem tem limitação, mas cidadãos sofrem com preconceito e falta de acessibilidade
De nascença, Wellington de Sousa Dantas, 28 anos, tem uma deficiência na marcha da perna direita, o que dificulta a locomoção. No mais, tem uma vida normal. Wellington é casado, não tem filhos e, hoje, trabalha na área administrativa do Ministério da Cultura. Atualmente, consegue desempenhar as funções como os colegas. No entanto, em sua trajetória profissional, coleciona histórias de desrespeito diante da limitação física. “Eu trabalhei em uma empresa que o meu salário era inferior só porque eu era deficiente”, exemplifica Wellington. Havia pessoas com o mesmo cargo, a mesma jornada de trabalho e, mesmo assim, a diferença em como movimenta a perna mudava, por incrível que pareça, o contracheque. O trabalho atual foi conquistado pelo Instituto Cultural, Educacional e Profissionalizante de Pessoas com Deficiência do Brasil (Icepe Brasil), que terceiriza a mão de obra dos portadores de necessidades especiais e tenta diminuir os abismos e os desrespeitos dos empregadores. Wellington Dantas é apenas uma das testemunhas que retratam o tratamento desigual dado a quem tem qualquer tipo de limitação no mercado de trabalho, embora a legislação exista para proteger e não para diferenciar.
Wellington Dantas acredita que as empresas privadas e públicas só contratam deficientes porque a lei as obriga. “As empresas veem os deficientes como um zero a esquerda contratam mais para cumprir a lei e não pagar a multa”, afirmou. A inserção de deficientes no mercado de trabalho é determinada por lei. No Decreto nº 3.298 fica claro a regulamentação dos deficientes no mercado de trabalho. “É finalidade primordial da política de emprego a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação ao sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido”.
O entrevistado por questões de ética profissional preferiu não citar o nome da empresa no qual trabalhou, mas relata que em média de 300 funcionários que trabalhavam na empresa, apenas dois eram deficientes. De acordo com a lei,de duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento devem ser deficientes. O que deixa claro o descumprimento da lei por parte da empresa no qual trabalhou. Deveria ter quinze funcionários e não apenas dois. Possuíam uma diferença de treze funcionários na empresa.
Improviso
Juliana Camila Carvalho, 31 anos, é mulher de Wellington Dantas e trabalha na Bancobrás, que presta serviço para o Banco Central e Banco do Brasil. Ela trabalha na parte administrativa, é deficiente auditiva e entrou na empresa pela lei de Cotas. Juliana fala que já trabalhou na parte recursos humanos (RH) e já se deparou com situações difíceis, no qual, as empresas preparavam um processo de recrutamento de deficientes de qualquer jeito para cumprir a lei e não pagar multa. “Já vi casos em que o deficiente tinha nível superior e a empresa queria colocar ele na limpeza”, desabafou.
Francisca da Silva Sousa, 46 anos, é funcionária na área de limpeza da empresa Dinâmica Serviços que presta serviço para o Hospital Regional de Sobradinho. Ela tem uma dificuldade na fala, que é desde nascença, o que impede a pronúncia de palavras de forma clara. Já trabalhou em uma empresa de fundição de ouro e como diarista. Para conseguir o emprego atual ela leu por meio dos classificados de um jornal que a empresa Dinâmica precisava de pessoas especiais. “Foi uma dificuldade para conseguir emprego, levar currículo e fazer as entrevistas”, disse Francisca.
Auditores-fiscais são responsáveis pela fiscalização das empresas no que se refere ao cumprimento da legislação referente ao trabalho das pessoas com deficiência. A multa citada por Juliana tem um valor que varia de 1.195,13 a 1.792,70 reais. O valor máximo não pode ultrapassar 119.512,33. É um prejuízo considerável para as empresas. Quando a lei de cotas não é respeitada e a fiscalização descobre, a empresa é obrigada a pagar uma multa administrativa que varia de acordo com o número de deficientes que deixaram de ser contratados. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é quem estabelece qual será a porcentagem a aplicar sobre o valor mínimo, dentro dos limites estabelecidos na lei, para cada porte de empresa.
Frutaria – Já Wellington Cunha Coelho, 40 anos, solteiro, e não tem filhos, tem uma deficiência na mão direita e é funcionário de um minimercado em Sobradinho II, a 20 quilômetros do centro. Ele é responsável pela manutenção da frutaria da loja. Como o mercado tem apenas 40 funcionários não é obrigado a cumprir a lei. O decreto é obrigatório para as empresas com cem ou mais funcionários, devendo preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com portadores de deficiência habilitada. O gerente do mercado, Ciro Lima Bezerra, 48 anos, afirma que mesmo o estabelecimento sendo de pequeno porte e não tendo a obrigação de cumprir a lei, não considera haver distinção entre os deficientes e outros empregados. “O mercado contrata as pessoas independente de serem deficientes ou não, o importante é ser boa de trabalho”, afirmou.
Acessibilidade
Um aspecto importante em relação à questão dos deficientes no mercado é a avaliar se as empresas têm acessibilidade para integração dos deficientes no ambiente de trabalho. A lei nº 10.098 estabelece normas para garantir acessibilidade de deficientes nas empresas como, por exemplo, adaptações para facilitar a locomoção. O caso de Wellington Dantas é um bom exemplo do despreparo de algumas empresas para receber deficientes em suas equipes de trabalho. Ele conta que trabalhou em oito empresas e em apenas três havia acessibilidade. Segundo ele, em uma das empresas era impossível a mobilidade para cadeirantes, porque a empresa só possuía escadas, o que dificultava bastante a locomoção. Outra reclamação de Wellington é o fato de que em algumas empresas no qual trabalhou, não havia qualificação para os deficientes, a contratação era apenas para exercer cargos simples. Ficava nítida a preocupação em apenas cumprir a lei. “Eu acho que o meu trabalho não era valorizado, eu tinha potencial para muito mais”.
Para Alexandre Ferreira, 34 anos, a falta de acessibilidade também foi um problema. Ele é formado em administração e marketing, e atualmente trabalha com uma amiga, Simone Ferreira, ministrando palestras motivacionais em empresas públicas e privadas e, além disso, possui um emprego na parte administrativa de uma igreja em Sobradinho. Ele relembrou que no ano de 2008 deixou de ser contratado por um banco não por falta de qualificação, mas devido às modificações que a empresa deveria fazer para contratá-lo. “Eu expliquei por telefone qual era a minha deficiência, mas quando me viram pessoalmente decidiram não me contratar porque teria que fazer adaptações na empresa”, afirmou.
Ele prefere não citar o nome do banco, mas relembra que na época a empresa alegou que teria que mexer na estrutura do ambiente e isso não seria viável no momento. As adaptações no qual Alexandre necessitava para desenvolver o trabalho na área administrativa do banco eram abertura de um espaço na sala para melhor acomodação da cadeira de rodas, uma mesa adaptada, um banheiro e uma vaga no estacionamento para deficiente.
Contas – Quanto ao descumprimento da lei, um exemplo de cálculo da multa citado pela Secretaria de Fiscalização do Trabalho (SFT) corresponde a uma empresa com 1.010 empregados, que deveria ter 51 empregados com deficiência e tem apenas oito. Nesse caso, multiplica-se 43 (o número de empregados com deficiência que deixou de ser contratado) pelo valor previsto para as empresas com mais de 1.000 empregados, que no caso corresponderia a um valor entre R$ 1.673,18 a R$ 1.792,70 por pessoa.
Já para o serviço público são destinados no mínimo 5% e no máximo 20% das vagas oferecidas em concurso. A funcionária pública Solange Morais Freitas, 41 anos, é técnica de enfermagem do Hospital Regional de Sobradinho. Ela tem uma deficiência nas mãos e na perna esquerda, devido um acidente de carro, não tem muita sensibilidade e força nas mãos e uma pequena dificuldade de locomoção. “Hoje em dia se eu não tivesse passado em um concurso público acredito que seria muito difícil conseguir emprego em uma empresa privada”, afirmou Solange Morais. Alguns deficientes preferem o emprego público pela estabilidade e as vagas garantidas nos concursos públicos, embora o quadro de vagas raramente se estenda ao número máximo de 20%.
Anna Carolina Ferreira da Rocha também é servidora pública, 30 anos, solteira, não tem filhos. Ela é analista de informática do Ministério Público do Distrito Federal, além disso, é professora de inglês, faz trabalhos em casa envolvendo traduções e correções de sites e ainda é dançarina de dança do ventre. Ela tem uma doença chamada epidermólise bolhosa (EB), que causa bolhas na pele e nas membranas mucosas. As áreas mais vulneráveis são mãos, pés, joelhos e cotovelos, por causa da maior exposição aos traumas e atritos. Anna faz parte da Associação de Parentes, Amigos e Portadores de Epidermólise Bolhosa Congênita (APPEB), a mãe dela foi uma das fundadoras.
Ela expressa sua opinião falando da dificuldade que alguns amigos enfrentam para conseguir emprego em empresas privadas. “Inserção dos deficientes no trabalho público é mais fácil porque já é estipulado o número de vagas. Depois é só o esforço de estudar”, afirmou Anna.
Anna não se incomoda de falar sobre a deficiência. Ela explica o porquê não sofreu preconceito tanto no ambiente de trabalho quanto na vida pessoal. “Eu acho que é muito importante a pessoa que tem deficiência saber se colocar, eu creio que a maioria das pessoas que sofrem preconceito elas têm vergonha de falar sobre o que tem”. É preciso encarar o problema e dá uma aula para a sociedade, afinal, os deficientes precisam ser inseridos no mercado de trabalho. Eles podem nos dá uma aula de superação e motivação.
Por Ana Paula Almeida – Jornal Esquina (veículo experimental do curso de Jornalismo do UniCEUB)